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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

VIDAS MELGACENSES: O TI PIRES

melgaçodomonteàribeira, 18.06.16

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O TI PIRES

 

 O cinema exibido na casa do Emiliano, filmes mudos, era produto do génio inventivo do Manuel Pires. Este Papá Pires como passou a ser conhecido mais tarde devido a esse tratamento que os filhos lhe dispensavam, era oriundo do vizinho concelho de Monção, da freguesia de Tangil. Tivera longo tirocínio na freguesia da Valinha como funcionário da famosa loja do Barbeitos.

Estudioso, autodidacta, era o Pires o arauto do progresso. Enfronhara-se nas coisas do cinematógrafo, novidade que estava chegando à região. Por sua inventiva construiu o Pires a máquina de projecção com componentes adquiridos no Porto. Como o Emiliano tinha o espaço fizeram uma sociedade. Ambos novos, recém-casados, com idênticos propósitos de progresso entenderam-se bem durante algum tempo. Além do cinema fizeram sociedade num automóvel Ford, modelo T, 1926. Este carro dirigido por um ou por outro foi o primeiro carro de praça da vila de Melgaço.

O Manuel Pires após prestar o serviço militar foi instalar-se na vila de Melgaço. Aí montou de sociedade com o irmão José uma loja de ferragens e prestação de serviços mecânicos denominada Pires&Irmão, Lda. Os dois Pires logo ficaram famosos, dinâmicos e inventores tinham solução para tudo. Diversificaram suas actividades com serralharia, mecânica, electricidade, fotografia, bicicletas e automóveis, gramofones e cinema. De tal modo eram procurados que montaram nova loja na mesma rua, aliás a principal da terra, rua Nova de Melo. As duas lojas passaram a ser conhecidas como a loja de cima e a loja de baixo. Uma especializada em ferragens e a outra em drogaria. Ambas bem montadas com letreiros nas fachadas e nos vidros, nestes com filetes de ouro, arte que o Pires dominava bem chegando a ser durante bastante tempo o único e competente pintor de letras da região. As casas comerciais e Hotéis do Peso exibiam nas fachadas suas denominações em grandes e artísticas letras pintadas pelo Manuel Pires directamente nas paredes. Nas suas andanças pelas redondezas atendendo a chamadas de trabalho, sempre de bicicleta, conheceu no Peso uma rapariga que lhe agradou. Também a ela lhe interessou aquele famoso mancebo. Era a Carlinda, filha única de Lucas Ferreira Passos, probo e abastado proprietário, descendente de tradicional família. Entre os dois estabeleceu-se um namoro fora dos padrões convencionais da época. Não eram vistos juntos nas festas e romarias e dificilmente aos domingos. O namoro de Pires e Carlinda era quase exclusivamente do conhecimento dela e dos pais dela. Quando dispunha de tempo ou a saudade apertava, não importava dia ou hora, montava o Pires numa das suas bicicletas de aluguer e pedalava até sua amada, quatro quilómetros distante.

O casamento dos dois também se deu fora dos padrões usuais. Consta que, acertadas as coisas e documentação, no dia aprazado a Carlinda e parentes aguardavam na porta da igreja do convento de Paderne. Na hora marcada apareceu o Pires no seu transporte exclusivo, vestido com seu traje habitual, calça e casaco de cotim cinzento e alpargatas nos pés. Após a cerimónia religiosa cada um foi para o seu lado. A Carlinda e familiares para sua casa e o Pires em sua bicicleta para a sua loja. Só à noite se juntavam na casa dela. Esta situação durou até ele alugar o sótão da casa da Umbelina da Baralha, em cujo térreo já tinha uma das lojas: sótão este que só abandonou anos depois, já tinham os seis filhos, por ameaçar ruir. Por falecimento dos sogros herdou as duas casas nas propriedades do Peso mas nunca se transferiu para lá. Aquele inusitado casamento que à maioria passou despercebido, até aos vizinhos, motivou um curioso incidente. O Ponciano, vizinho com propriedades contíguas, nas esporádicas conversas passou a dar indirectas: - Lucas, a tua filha não canta! No seu jeito calmo respondeu: - Se não canta, há-de cantar. Diariamente o Lucas era abordado com a mesma observação venenosa do vizinho. Fazia-se desentendido e dava sempre a mesma resposta: - Se não canta, há-de cantar! Certo dia vendo que as indirectas não surtiam o efeito desejado, maldosamente foi directo: - Lucas, a tua filha está prenha, de quem é? Com a sua proverbial calma, com o falar arrastado, respondeu ao insolente vizinho: - Pois está! É do nosso Pires, o homem dela!

Não levou muito tempo uma filha do Ponciano apareceu grávida. Num dos encontros o Lucas observou ao seu vizinho: - Ponciano, a tua filha não canta!... Furioso, o outro destratou-o: - Vai para o diabo, desgraças acontecem a todo mundo…

 

                                                             MANUEL IGREJAS