UMA VISITA ÀS RUINAS DO REAL MOSTEIRO DE FIÃES
PROEMIO
Um dia, folheando ao acaso o trabalhoso diccionario de Pinha Leal, intitulado Portugal Antigo e Moderno, n’elle deparei e li, este emocinante trecho:
»Leitor, se tens um coração portuguez, se a luz divina se não apagou totalmente em tua alma; se respeitas a memoria de teus passados – dos que te deram uma patria, um lar, uma família; e se algum dia viajares pelo Alto Minho, não deixes de visitar as tristes ruinas do Convento de Fiães; e alli, qual outro Mario, contempla respeitoso estes restos venerandos da fé e piedade do nossos maiores, e chora sobre as ruinas d’este testemunho de suas crenças inabalaveis.»
Alli, onde o incenso se elevava dia e noite em perenne adoração ao omnipotente; onde a toda a hora se ouvia o plangente som do orgão, os cantos sagrados dos religiosos e do povo; alli, refugio predilecto dos que no mundo soffriam attribulações; alli finalmente a casa de Deus, em que a piedade tinha amontoado prodigios sobre prodigios de magnificencia, de fé, de caridade – que vemos hoje?
«Ruinas, devastação, silencio, horror!
«As silvas e os cardos invadem os marmores de suas aras santas.
«Os reptis immundos revolvem as ossadas venerandas de varões illustres.
«As aves nocturnas pairam sobre as abobadas, e fazem seus ninhos sobre os brincados capiteis de suas columnas dez vezes seculares.»
Surprehendido com esta suggestiva linguagem, que tocava tão directamente a minha sentimentalidade, - fiz logo, um voto de ir a Fiães, se algum dia visitasse essa zona previlegiada do meu paiz, - por muitos chamada: - O jardim de Portugal.
Iria, não para imitar o proscripto Mario, que sobre as ruinas fumegantes da cidade phenicia, chorava os extremos a que a oratoria implacavel de Catão, a tinha reduzido; - mas, para traduzir n’essas desmoronadas pedras, - uma pagina da historia do passado.
UMA VISITA ÀS RUINAS
DO
REAL MOSTEIRO DE FIÃES
Guilh. Oliveira
Livraria Ferreira
1903
pp. 7-9