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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

OS AMORES DO VASCO

melgaçodomonteàribeira, 07.07.20

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UM LUGAR ONDE NADA ACONTECIA

XIII

Nos ensaios do teatro a rapaziada cochichava sobre o namorico do Vasco. Viúvo já há uns anos, com poucas sequelas do tempo da prisão, voltara a ser um homem interessante. Empregado na Central, serviço de camionagem em combinação com o caminho de ferro, que só chegava a Monção, tinha uma situação desafogada, tanto mais que, prevalecendo-se do seu cargo, facilitava os negócios aos contrabandistas.

Riam à socapa achando algo ridículo. A Biti, solteirona, loura, elegante, pela sua figura esbelta, pertencente à burguesia que se arvorava em fidalguia, portanto, tida como socialmente superior, não daria confiança a alguém de passado obscuro. Seria mais uma cena teatral na imaginação do Vasco, diziam.

O espectáculo foi encenado com o sucesso esperado, duas representações apenas. Como das outras vezes, a vaidade pessoal sobrepunha-se ao grupo, por dá cá aquela palha alguns elementos se afastavam desorganizando todo o elenco.

O namoro do teatrólogo foi confirmado. A Beatriz Ribeiro Lima, em horas calmas de expediente visitava a Central e, segundo os bisbilhoteiros, ficavam aos beijinhos. A Ana Toupeira, contemporânea do Vasco, para o arreliar, dizia-lhe: “estás velho não dás mais nada”.

 

Publicado em A Voz de Melgaço

 

                                               Manuel Igrejas

 

 

 

ADEGA REGIONAL

melgaçodomonteàribeira, 20.08.16

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O ANTIGAMENTE

 

 

Na segunda metade do século passado, já terminada a guerra mundial, a Espanha ainda sofria as consequências da sua guerra civil e da mundial. Havia carência de muitos produtos que fomentavam a prosperidade das povoações portuguesas da fronteira. Melgaço era uma das privilegiadas. O contrabando corria solto, contemplando a todos, directa ou indirectamente. Desde produtos alimentares a utilidades, tudo passava através do rio Minho, do rio Trancoso ou da raia seca, e não era tão escondido assim. Os produtos tiveram a sua fase: os ovos, o sabão, a tripa seca, os cigarros e o café. Café produzido em Melgaço sem ser semeado.

Era frequente até em pleno dia, ouvir-se em determinadas casas um bater ritmado, diziam, quebrando milho e outros grãos. Confesso que nunca vi, mas ouvi. Aos grãos triturados era misturado óleo queimado de automóvel, diziam, para dar a cor desejada. Ao resultado desta alquimia era misturado café em grão, verdadeiro, talvez meio por meio. Ensacado era este produto vendido aos receptadores espanhóis por alto valor. Antes de embarcar para o Brasil, 1952, fui à festa de Orense com o Manuel Macarrão. Ao chegar, entramos num café para tomar alguma coisa e o Manuel advertiu-me: “não tomes café; é feito com as porcarias que mandamos para cá!” O pagamento das mercadorias contrabandeadas era mais em ouro e prata e menos em pesetas desvalorizadas. Os únicos artigos que da Espanha iam para Portugal eram medicamentos e cosméticos. Por alguns anos, foi famoso o fortificante Ceregumil, que todos tomavam como uso de moda. Os cigarros americanos imperaram na contravenção durante anos. Chegavam a Melgaço idos do Porto e Lisboa via correios. Diariamente, dezenas de encomendas, grandes pacotes, chegavam destinados a várias pessoas, maioria de S. Gregório. A guarda-fiscal que na raia não cumpria a sua tarefa ou até participava, desmoralizava o comando que resolveu tomar medida coerciva, plantão na porta do correio para prender as encomendas. Não resolveu. Então impôs medida drástica, mandou trancar portas e janelas da agência dos correios e da habitação contígua, do casal responsável pela agência (os chefes de correio). Funcionavam os correios na metade da mansão da D. Maria Higina, no cimo do terreiro que mais tarde foi consumida por incêndio. Trancadas com grandes sarrafos pregados nas paredes e nas próprias janelas, de modo que nada pudesse passar através delas, nem sequer ser abertas para ventilação. Foi outra medida que não deu certo e até ridicularizou a guarda-fiscal.

O que queremos dizer é que muita gente ganhava dinheiro com o contrabando. Os mais jovens gastavam tudo nas tabernas e nos cafés, os mais ponderados amealhavam. Foi assim que o Vasco da Central, graças ao café, juntou um capital que resolveu investir. Constou em Melgaço que na vila dos Arcos de Valdevez fora inaugurada uma nova taberna tão sofisticada e de grande sucesso intitulada Adega Regional. Associou-se com a Maria Olinda que ficara viúva e regressara a Melgaço com três filhos e a mãe. Esta Maria Olinda era mulher muito dinâmica e trabalhadeira. Instalara taberna na casa das Cortiças, na rua Direita e também negociava cigarros.

Vasco e Maria Olinda, num domingo, no carro de praça do Emiliano, foram aos Arcos conhecer a Adega Regional. Acharam inovadoras as instalações e modo de operar. Alugaram parte do rés-do-chão da casa do Bernardo Cunha, mais tarde do António Chivinho onde em época passada funcionara a pharmácia da Dona Amália, assim conhecida pelo povo, na rua Dr. Afonso Costa. Tenho uma vaga ideia dessa pharmácia onde a minha mãe comprava as pílulas para as bichas, amargas que só elas, mas sempre trazia alguma de açúcar para atenuar.

Contrataram, o Vasco e a Maria Olinda, os serviços do Jacob, grande artista que dominava todas as áreas da construção especializado em pintura decorativa. Dividiram o recinto em espaços apropriados às várias opções degustativas. Sala luxuosa para banquetes, balcão para taberna, saleta para chá e outra para café e confeitaria, tudo finamente ornamentado. Não tiveram o retorno esperado, o investimento fora muito grande, daí que trespassaram o estabelecimento para a Maria Cascalheira e esta para o Henrique do Geraldo. Andou de mão em mão sempre dando prejuízo. Quem melhor conta a odisseia desta Adega Regional é o Dr. Joaquim da Rocha no seu Dicionário Enciclopédico de Melgaço.

A Maria Olinda, com o filho e a mãe, emigraram para a Argentina, o Vasco continuou na Central.

 

 

   Rio, Abril de 2012

                                                                          M. Igrejas 

 

Publicado em: A Voz de Melgaço

 

TEATRO DE REVISTA EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 18.06.13

 

 

OS MODESTOS

 

 

    No palco do Cine Pelicano, para o qual o pincel do melgacense João Barbeitos Lourenço com facilidade e felicidade pintou três cenas, estrearam-se Os Modestos conforme estava anunciado, levando à cena uma espectaculosa revista local e um pequeno quadro emocionante. Apresentou-os ao público o Sr. Padre Manuel Lourenço, digno abade de Fiães, que encontrou e em poucas e compreensivas palavras soube concentrar e transmitir a beleza do espectáculo. É para nós gratíssimo aplaudir a transfiguração dessas raparigas do campo e desses artistas de artesanato local, que no palco souberam pisar e dizer como não pisa nem diz muita gente de mais teres e instrução. Gratíssimo é também recolher dentro das quatro paredes em que se confina hoje minha vida, o eco agradável dos aplausos tributados por toda uma povoação ao velho amigo Vasco da Gama Almeida, que num ramo difícil do teatro como é a revista, soube frizar críticas oportunas sem ferir susceptibilidades de ninguém e do seu coração conseguiu arrancar pedaços, que por vezes foram vistos nas tábuas do palco a viver momentos de grande intensidade dramática.

    Com estes ecos se juntaram uns outros, de louvor também, às senhoras D. Maria Teresa Alves Carabel, Maria Amélia Esteves Reis e Armanda Rodrigues que, muito embora as deixemos entrincheiradas atrás da sua modéstia louvável, foram pelo seu gesto e esforçada cooperação quem assegurou pelo sentido da vista dos espectadores o êxito de esta tão louvável iniciativa. Embora todo o corpo cénico desempenhasse airosamente os seus papéis e portanto cada figura da companhia concorresse com a sua quota parte para grande êxito dessas duas noites de glória, mandava a justiça destacar neste momento o trabalho dos actores e actrizes mais salientes, mas como estamos em Melgaço e eu não pertenço ao elenco, dispenso-me de representar agora o papel da Discórdia nas bodas de Tétis e Pelén lançando para o palco outra maçã de oiro o letreiro – Para o melhor actor. E como a música do Prof. A. Costa, outro melgacense, agradou e caiu no ouvido, recebam toda a companhia e seus empresários parabéns com muitos obrigados pelo bilhete oferecido.

 

Publicado em Notícias de Melgaço de 25/10/1959

 

Obras Completas: Augusto César Esteves

Nas páginas do Notícias de Melgaço

Volume I Tomo I

Edição Câmara Municipal de Melgaço

2003

pp. 106-107