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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

BRANDAS E INVERNEIRAS DE CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 22.04.23

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UMA PRÁTICA SEM PARALELO EM PORTUGAL

 

“O carácter deste deslocamento estacional da população é diferente dos movimentos de transumância que em algumas regiões portuguesas deslocam rebanhos e pastores da planície ou da Ribeira para as pastagens elevadas de Verão. Aqui é uma migração de que todos participam, determinada essencialmente pela exploração agrícola, embora o gado grosso e miúdo dela aproveite.” (Ribeiro, 1991, vol. IV: 255).

 

Refere-nos Orlando Ribeiro que o tipo de transumância praticado em Castro Laboreiro não tem paralelo com mais nenhum lugar de Portugal, dizendo-nos que nas outras serras portuguesas não conhece nada de semelhante. Por exemplo, nas serras do Gerês, do Barroso, do Montemuro e da Estrela apenas se verifica a exploração transumante com o gado e não com populações inteiras. Acrescentando que mesmo na Península Ibérica só conhece casos de transumância semelhantes ao de Castro Laboreiro no noroeste, mais precisamente nas Astúrias, (Ribeiro, 1991, vol. IV: 255).

No norte de Portugal, as montanhas acima dos 700 metros de altitude contemplam uma natureza que propícia um modo de vida e de economia diferente das zonas mais baixas, como as terras chãs onde é corrente a prática agrícola. Na montanha tudo favorece a atividade pastoril. Nas épocas quentes, os pastores, pagos ou alternadamente escolhidos pela comunidade, vão buscar às cortes o gado para o levar a pastar ao alto das montanhas, precisamente nos terrenos incultos, impróprios para a prática agrícola. O gado, que costuma pastar nas montanhas portuguesas é essencialmente ovino, bovino e caprino.

A transumância é a designação que se dá à emigração periódica do gado com o fim de aproveitar os pastos invernais ou estivais. As terras baixas, pouco elevadas acima do nível das águas do mar, só tem pastos de inverno enquanto que as montanhas, por contemplarem maior pluviosidade, são dotadas de bons pastos no verão.

Em Portugal, o termo transumância associa-se normalmente às deslocações do gado ovino, no entanto, por associação, referi-lo-emos também para designar as deslocações dos pastores ou populações inteiras que acompanham a migração dos animais, como verificamos em Castro Laboreiro.

A transumância praticada nas montanhas portuguesas pode ser estival ou invernal – a primeira consiste na deslocação de gados da planície para a montanha e ocorre durante a época quente; a segunda consiste na descida dos gados da montanha para a planície e ocorre na época fria, (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1998, vol. XXXII: 553).

A transumância é também prática frequente nas serras de Montemuro e da Estrela. Nestas, o gado ovino é deslocado para as partes baixas na estação fria onde permanece nas cortes até à chegada do calor, altura em que é deslocado para as montanhas.

No noroeste português – em especial nas serras do Gerês e do Barroso – verifica-se existir a deslocação do gado bovino para as montanhas na época quente, no entanto essa deslocação estival ocorre com fraca amplitude, sem uma periodicidade regular, (Ribeiro, 1991, vol. IV: 162).

Para apoiar a prática transumante, os homens ergueram nas montanhas construções que são comummente designadas por brandas. No nosso caso do Parque Nacional Peneda-Gerês existem vários tipos de brandas, as quais  em termos genéricos se agrupam em brandas de cultivo e brandas de pastoreio.

As brandas de cultivo encontram-se construídas nos solos aptos para a agricultura e servem de apoio a esta prática apenas no verão, servindo também nesta altura de apoio à atividade pastoril, sendo nessas brandas que os pastores se recolhem com os seus animais.

As brandas de pastoreio situam-se nas terras altas e correspondem aos locais para onde os pastores deslocam o gado também no verão. No entanto, a população destes lugares é correntemente sedentária e o pastor é o único homem a deslocar-se até ao alto da montanha e a servir-se das brandas – estando este, sujeito a um sistema de vezeiras, onde os pastores alternam entre si a subida à montanha, (Dias, 2002: 191). As brandas de pastoreio, como as das serras da Peneda, do Soajo, do Gerês e Amarela, são construções apropriadas às necessidades do pastor. Consistem em abrigos de apoio ao pastor e gado, apenas utilizados quando o pastor, por algum motivo, não consegue regressar ao seu aglomerado populacional. A grande distância entre os lugares de pastoreio e o aglomerado principal – situado nos vales – é apontado como um dos principais fatores, para a construção deste tipo de abrigos.

Só em Castro Laboreiro encontramos brandas que servem para usufruto de populações inteiras durante a época quente. Na época fria estas populações, em conjunto com todo o seu gado, deslocam-se em massa para as inverneiras situadas em lugares mais baixos. Assim, pratica-se um tipo de transumância único em Portugal.

A cada branda corresponde um tipo de arquitetura específica com necessidades próprias. As brandas de cultivo de Castro Laboreiro consistem em construções apropriadas para apoio às suas diversas necessidades, como abrigo dos castrejos, armazenamento das alfaias agrícolas e dos próprios animais. Estas funções encontram-se também presentes nas inverneiras.

 

ARQUITETURA DE TRANSUMÂNCIA: ENTRE AS BRANDAS E INVERNEIRAS DE CASTRO LABOREIRO

Vânia Patrícia Sousa Reis

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre

Universidade Lusíada do Porto

Porto, 2014

 

TRANSUMÂNCIA EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 11.02.23

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MOVIMENTOS TRANSUMANTES DA POPULAÇÃO ENTRE AS BRANDAS E INVERNEIRAS

 

“Em várias das serras existem, como nas montanhas galegas e asturianas, brandas ou brañas, umas de cultura (centeio, milho, algumas fruteiras), outras de pastagem de gado miúdo (Raquel Soeiro de Brito). Casas toscas, de pedra solta, sumariamente divididas e mobiladas, servem para habitação de umas semanas de Verão ou quando a família sobe, por uns dias, a amanhar a terra. Casas e terras pertenciam sempre a gente das aldeias próximas, que aí tem as suas habitações fixas e as casas de lavoura permanentes. Só na Serra da Peneda, em torno da vila do antigo concelho de Castro Laboreiro, existem povoações desdobradas: umas três fixas, a 900-1000 m, são habitadas todo o ano: para o norte ficam as brandas (de venerata), povoações de Verão, habitadas até ao princípio do Inverno, onde se cultivam centeio e batatas e apascentam gados, para o sul, num veleiro fundo e apertado, as inverneiras, com campos de milho em alternância com prados, batatas, umas quantas parreiras junto às casas e algumas árvores de fruto. A grande descida faz-se pelas vésperas do Natal, os gados pelo seu pé, as pessoas também, os trastes armados em carros de bois e até o gato atado a um fueiro por uma guita. As casas da inverneira são mais sumariamente construídas, de tosca pedra solta e telhado de colmo, e as pessoas sentem-se menos à vontade «porque as terras são mais apertadas». Uma grande confusão introduzida por casamentos e heranças faz com que brandas e inverneiras não correspondam exactamente, havendo vários habitantes de uma branda que descem a várias inverneiras e vice-versa. Por Abril voltam à serra, vindo às inverneiras por poucos dias olhar o milho, apanhar as batatas, regar o feno e fazer o vinho.” (Ribeiro, 1995: vol. VI, 293-294)

 

O rio Laboreiro constitui o principal elemento ordenador da disposição das brandas e das inverneiras no território. As brandas localizam-se a norte, na parte montante do rio e seus afluentes – precisamente naquela porção de território que avança sobre a Galiza. Já as inverneiras localizam-se a sul, na parte jusante. Também junto ao rio e a meia distância entre as brandas e as inverneiras localiza-se o lugar de Castro Laboreiro – a sede da freguesia – que é um lugar fixo, tal como outros que se localizam um pouco a norte, a montante do rio e imediatamente antes de um conjunto de brandas.

Dentro do clima genérico, que caracteriza a região, formam-se os microclimas próprios e individualizados que variam conforme a altitude dos lugares. As brandas são procuradas durante as estações do ano mais quentes, onde o clima possibilita a pastorícia e o cultivo das terras. Já as inverneiras são procuradas durante as estações do ano mais frias que, devido à sua localização nas partes mais baixas da montanha, são lugares seguros e aconchegantes, onde as encostas do vale protegem os aglomerados da neve e do frio, (Geraldes, 1996: 23).

As brandas encontram-se junto às ribeiras do planalto, nas vertentes das montanhas ou nas lombas junto aos vales e a altitude da sua implantação varia entre os 1000 e 1200 metros. As brandas de Castro Laboreiro são brandes de cultivo e pastoreio, acolhem o pastor, a família, os animais e os respetivos utensílios pessoais. O aspeto «airoso» das brandas, a localização geográfica, o clima, a qualidade dos solos e a possibilidade de expansão das áreas de cultivo, transformam as brandas em locais de eleição para viver, (Geraldes, 1996: 17-19).

As inverneiras implantam-se no vale, a uma altitude compreendida entre os 750 e 1000 metros. São lugares acolhedores e protegidos das intempéries. Estas são procuradas quando as temperaturas ficam negativas e impossibilitam tanto ao homem como aos animais permanecerem nas brandas, (Geraldes, 1996: 19). As inverneiras implantam-se em vales, logo abaixo da superfície do planalto ou mais distantes, encontram-se abrigadas do vento frio e expostas ao clima favorável do meio-dia invernoso, (Ribeiro, 1991, vol. IV: 254).

A ocupação da branda é feita por altura da Páscoa. A população permanece no planalto cerca de 9 meses até à chegada do Natal, altura em que toda a população deve já ocupar as inverneiras.

O meio das brandas é favorável à agricultura e à criação de gado, a existência de água, o clima tão peculiar, o relevo, a arborização e as zonas de montanha, permitem o cultivo e extração de bens da terra. Das terras de montanha extrai-se essencialmente milho, centeio e, por vezes, também a batata, enquanto o trigo se extrai preferencialmente de locais húmidos e férteis. As áreas para cultivo são divididas em barbeitos e leiras, prados e hortas.

A ocupação sazonal proporcionou vivências próprias e únicas, que culminaram num tipo de arquitetura característico de Castro Laboreiro. O clima inóspito e a topografia acidentada fizeram com que, além do duplo povoamento, a arquitetura se caracterizasse pela sobriedade e pela racionalidade, não só ao nível da habitação como também do aglomerado populacional no seu conjunto, (Território Povoamento Construção Manual, 1999: 29-32).

 

ARQUITECTURA DE TRANSUMÂNCIA: ENTRE AS BRANDAS E INVERNEIRAS DE CASTRO LABOREIRO

Vânia Patrícia Sousa Reis

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre

Universidade Lusíada do Porto

Porto, 2014