TRADIÇÕES CASTREJAS
OS OBRADÁRIOS OU ACENDIMENTOS
DE CASTRO LABOREIRO
Pe. Aníbal Rodrigues
Castro Laboreiro, situado a nordeste do Alto Minho, a uma altitude de 932 metros, distante de Melgaço a 26 quilómetros, inserida no Parque Nacional Peneda-Gerês, é no dizer de alguns etnólogos e historiadores uma espécie de Andorra Portuguesa. Climatericamente incluído no litoral português, é um laço de união entre os valores amenos, bucólicos e verdejantes do Minho e os planaltos despidos e agrestes das terras frias transmontanas. Mercê do seu ancestral isolamento, conservou sempre puras as suas primitivas etnias, sem cruzamentos de outros clãns. A sua vida comunitária desenvolveu-se no decorrer dos tempos coerente com as suas velhas raízes de sangue celta.
Os documentos que possui são feitos de pedra, anteriores à nossa independência pátria, com a provecta idade de 4.000 e 5.000 anos. Cada pedacinho destes monumentos do passado é uma preciosa relíquia da sua história, que um dia esperamos, se Deus o permitir, expor em livro para todas as pessoas a poderem apreciar. Será um lindo sonho, muito difícil de tornar realidade? Disto ninguém duvidará. A quatro e cinco mil anos de distância, a maior parte dos elementos, que nos poderiam ajudar foram lentamente destruídos pela mão do tempo, permanecendo apenas os monumentos do megalítico ocidental como símbolos e indicativos das civilizações que, há já quarenta e cinquenta séculos respectivamente, tiveram lugar nesta histórica região. Para a maior parte dos ignorantes todos estes grandiosos monumentos pertenceram, segundo o seu critério, aos Mouros que em 710, após a batalha e vitória de Târique, invadiram e conquistaram a Península Ibérica. A passagem dos Sarracenos por Castro Laboreiro é quase imperceptível, devido aos diminutos vestígios deixados. Não se pode dizer o mesmo da civilização romana que nestas elevadas paragens vincou a sua longa estada.
As numerosas vias romanas com lajedos em bom estado de conservação; as lindas pontes romanas e românicas que ligam as bucólicas margens dos rios e ribeiros; a romanização dos núcleos castrejos, em grande quantidade, que a freguesia possui, dão-nos uma verdadeira imagem da influência e grandeza do Império Romano neste isolado cantinho. Mas a que propósito vem esta introdução, aos obradários, amentas ou acendimentos de Castro Laboreiro? É que é devido às suas origens dolméticas e castrejas que a vida comunitária desta região conservou até aos nossos dias o espírito de união e bairrismo cujo carácter e maneira de ser se manifesta em toda a sua actividade humana. No aspecto social ainda hoje todo o povo castrejo continua a utilizar o mesmo moinho público do lugar para moer o centeio e o milho; o mesmo forno onde coze o pão; as eiras onde debulha o centeio; e a reparar em conjunto os caminhos da povoação.
Nos baptizados, casamentos e funerais a comunidade castreja comparticipa nas alegrias e nas tristezas de todas as famílias que as constituem. Nos actos e manifestações religiosas não foge ao mesmo espírito de comunidade. Quando algum dos seus membros adoece, toda a população o visita e lhe presta cristãmente o seu auxílio, oferecendo-lhe, além do conforto moral, auxílio financeiro, se é pobre; e ofertando objectos de estima ou próprios para alimentação das pessoas que não tem saúde. Na ocasião do falecimento desta comunidade um representante de cada família toma parte nos cumprimentos e manifestações de pesar, desde o velar do cadáver quando se encontra em câmara ardente, até às orações pela alma do mesmo, terminando sempre com a aspersão de água benta sobre os restos mortais da pessoa falecida. No Domingo seguinte ao funeral, o seu agregado familiar comparece na Missa. Logo que esta termina, acende uma vela e assiste à amenta, obradário ou acendimento até ao fim deste, acompanhando com as suas orações os responsos que o Presidente da Assembleia paroquial recita em latim ou português, pela alma do finado, conforme o estatuído no Direito Canónico, na legislação diocesana ou sinodal da Igreja Católica. Mas não é apenas o Presidente da Assembleia Cristã que recita religiosamente aqueles responsos. Toda a Comunidade paroquial presente toma parte integrante nos responsos e orações juntamente com o Sacerdote. Dá-se assim uma comunhão grande e íntima de vida comunitária e religiosa e, neste acto litúrgico desaparecem os ricos e os pobres, os letrados e ignorantes, os bem colocados na vida e os deserdados da fortuna. A ordem, a procedência são iguais para todos, sejam as pessoas médicos, advogados, engenheiros ou de qualquer outra profissão. Todos se irmanam aqui no mesmo espírito cristão, e na qualidade de filhos de Deus. São pois as amentas, obradários ou acendimentos uma bela escola da vivência cristã que vale a pena ver.
As velas acesas são o símbolo da fé que orienta a vida dos cristãos. E é por este motivo que em todos os actos litúrgicos aparecem sempre velas acesas. Já na pré-história dos povos celtas de há quarenta e cinquenta séculos aparecem litogravuras representando o sol com um círculo e muitos raios que dele partem e se difundem pelo mundo.
Estes desenhos manifestam-nos a sua crença, também…
O que os fiéis de toda a Igreja Católica fazem apenas no dia dois de Novembro, a comunidade cristã de Castro Laboreiro realiza-o com mais frequência na sua Matriz, nos seus acendimentos, amentas ou obradários, Tanto estas manifestações de piedade pelos irmãos falecidos, como a procissão de defuntos e reza anual, que nesta paróquia têm lugar todos os Domingos do ano, constituem actos litúrgicos que estão dentro do espírito e constituição da própria Igreja de Cristo.
Castro Laboreiro, 5-XI-1979