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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

TOMÁS JOAQUIM CODEÇO IV

melgaçodomonteàribeira, 27.11.21

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cavaleiro alvo

Durante o período do pronunciamento militar, as atenções deixaram de estar centradas em Quingostas, e este, tirando partido da situação, conseguiu estabelecer contactos com o Visconde das Antas, que lhe atribuiu um salvo-conduto, em Dezembro do mesmo ano. Abandonada a clandestinidade, alguns dos seus sequazes saíram da clandestinidade, regressando às respectivas aldeias sem serem incomodados.

Tomás Quingostas tornou-se comandante da guarda volante do Alto Minho, tendo como missão capturar soldados desertores que fugiam para a Galiza, bem como guerrilheiros galegos, adeptos do carlismo, e evitar roubos e furtos, cooperando na manutenção da ordem e da tranquilidade no Alto Minho. No seu novo cargo, ia cumprindo, a perceito as funções de que estava incumbido. Porém, em Agosto de 1838, assassinou o presidente da câmara do Soajo, João Manuel Domingues, e em Novembro do mesmo ano prendeu João Pires e o padre António José Alves, com a justificação de que davam guarida a guerrilheiros espanhóis. Apesar de não se terem confirmado essas suspeitas, a detenção foi efectuada com o pretexto de terem na sua posse pólvora e sabão contrabandeados. Algumas das acções levadas pelo seu “exército”, bem como a sua ligação a guerrilhas espanholas ditaram o seu fim. Acusado de assassinato, Tomás das Quingostas foi morto em Janeiro de 1839 pela escolta que o transportava para a prisão, que alegou tentativa de fuga. Caía assim aquele que chegou a ser apelidado de “pequeno general do Alto Minho”, que foi assassino, salteador, guerrilheiro, comandante de tropas e herói popular.

As reacções à sua morte não se fizeram esperar. Além do já referido rapto do proprietário João Bento Pereira Dantas, uma quadrilha comandada pelo “Beira-Alta”, primo de Quingostas, miguelista, guerrilheiro e salteador, invadiu, em 1839, a casa de António José Afonso da Costa, na freguesia de Merufe, concelho de Monção, arrastou-o para fora da sua habitação e assassinou-o.

Nenhum dos salteadores que sucederam a Quingostas conseguiu granjear a sua popularidade e o reconhecimento junto das populações, talvez porque se tratava de homens considerados autenticamente marginais, que recorriam à violência, ao assalto e ao furto apenas para satisfazerem os seus interesses pessoais, sem quaisquer motivações de natureza política.

Deste modo, os nomes que adiante abordaremos não se destacaram pela simpatia e protecção de que beneficiaram junto das comunidades, mas antes pelo terror que espalharam e pela malignidade dos crimes que praticaram.

 

UNIVERSIDADE DO MINHO

Instituto de Ciências Sociais

 

ALEXANDRA PATRÍCIA LOPES ESTEVES

Entre o crime e a cadeia: violência e marginalidade no Alto Minho (1732-1870)

Volume I

Tese de Doutoramento em História

Ramo de Conhecimento em Idade Contemporânea

Agosto de 2010

 

http://academia.edu

TOMÁS JOAQUIM CODEÇO III

melgaçodomonteàribeira, 20.11.21

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Em Junho de 1836, quando a quadrilha de Tomás Quingostas era já rotulada de miguelista, foi preso José Joaquim Codeceira “saltiador de reinos, ladrão de estrada, assacino, e sócio de Quadrilha e Miguelista”, um dos responsáveis pelo aliciamento de desertores portugueses para integrarem as forças inimigas de Isabel II, tendo ele próprio combatido ao lado dos guerrilheiros. Esta ligação entre apaniguados das causas miguelista e carlista tornava imperiosa a destruição da quadrilha portuguesa e elevava a fasquia do seu grau de perigosidade.

A captura de elementos ligados ao bando de Quingostas resultava, em muitos casos, de acções de espionagem, executadas por homens a soldo das autoridades. Todavia, a prisão desses creminosos não implicava, necessariamente a sua punição. Muitos acabavam inocentados e postos em liberdade, ou conseguiam evadir-se dos estabelecimentos prisionais e vingar-se dos responsáveis pela sua detenção. O administrador do concelho de Melgaço não se inibia de lançar suspeitas sobre a existência de protecção aos salteadores e aos miguelistas, por parte do poder judicial, e de apoio exterior nas evasões de criminosos. Em 11 de Junho de 1836, depois de ter sofrido várias ameaças e farto da chacota de que era alvo, vendo a sua autoridade ser desacreditada por indivíduos que viviam à margem da lei, apresentou o seu pedido de demissão ao governador civil, pois, segundo as suas palavras, “bibo bexado de ver a protecção que tem tais corifeus, e descaramento e ouzadia com eu elles se portão.”

Quingostas escapou por pouco à prisão, num ataque de surpresa lançado pelas autoridades, após terem sido informadas da intenção do salteador se deslocar a uma romaria, tendo que passar pela freguesia da Gave, situada no concelho de Valadares. A quadrilha foi realmente surpreendida, mas o seu líder não foi apanhado.

Em finais de 1836, eram conhecidos os encontros, que tinham lugar no concelho de Melgaço, entre salteadores e miguelistas, sob o comando de Quingostas, que se presumia terem como objectivo desenvolver acções de desacreditação do governo liberal, a nível local, através de investidas contra as autoridades e contra a propriedade. Durante esse ano, tinham circulado pelos diferentes concelhos do distrito boatos sobre a realização de reuniões miguelistas e a existência de depósitos de armas.

Em Outubro de 1836, realizou-se, naquele concelho, uma reunião que juntou 18 miguelistas, na sua maior parte ofociais amnistiados, oriundos da cidade de Braga, aos quais se juntaram, dias depois, mais 13 da mesma cidade. Segundo as guardas nacionais de Arcos de Valdevez e Ponte da Barca, estes indivíduos incorporados na “gavilha” de Tomás Quingostas formaram um grupo de 45 homens, que, na noite de 21 para 22 de Outubro daquele ano, passou para a Galiza. O objectivo final seria a realização de um levantamento pró-miguelista a partir de Melgaço, contando com a participação dos vários adeptos do miguelismo nesta região.

Logo nos primórdios de 1837, Quingostas atacou a casa de uma viúva rica da freguesia de Merufe, concelho de Valadares. Seguido por mais de 20 homens, feriu com ums facada a dona da casa e, além de dinheiro e roupa, roubou-lhe papéis importantes com a intenção de a chantegear e, desse modo, obter mais dinheiro. Aliás, o guerrilheiro recorria frequentemente a este estratagema para extorquir dinheiro.

Em Março de 1837, uma força militar marchou em direcção aos concelhos de Monção, Melgaço e Valadares, com a missão não só de pôr termo aos roubos, mas também de perseguir e destruir a quadrilha de Quingostas. Mas este conseguiu escapulir-se para Espanha com cinco dos seus companheiros. O objectivo das autoridades passou então a ser impedir o seu regresso a Portugal. No entanto, esta empresa não era fácil de executar, dada a extensão da raia, a facilidade em transpor o rio Minho e a falta de zelo e de empenho das autoridades administrativas. O major José Figueiredo Frazão, comandante das forças destacadas para o Alto Minho para darem caça à quadrilha do Quingostas, denunciava precisamente esse desinteresse e as implicações daí advenientes. Estas acusações surgiram na sequência das picardias, que, desde 1834, impediam uma colaboração mais estreita entre o poder militar, judicial e administrativo, e davam azo ao aparecimento de suspeitas, intrigas e à troca de acusações entre os seus responsáveis.

A quadrilha de Tomás Quingostas acabou por entrar numa fase de franco declínio, o cerco apertou-se cada vez mais e vários dos seus companheiros foram presos ou fuzilados por militares ávidos de vingança. Em Maio de 1837, foi detido mais um dos seus parceiros, Francisco Xavier Sisneiros, natural da cidade de Lisboa. Conhecido como o “Lisbonense”, era considerado um agente do miguelismo no Alto Minho, tendo sido detido em Riba do Mouro, concelho de Valadares. Pouco depois, António Joaquim Rodrigues, conhecido como “Lourenço Correio”, foi capturado pelas forças do Major José de Figueiredo Frazão. Na mesma altura, foi detectada a presença de Quingostas no concelho de Melgaço, acompanhado apenas por um desertor e três camponeses. As autoridades planeavam a deportação da sua família, que resisia no concelho de Melgaço, como forma de o punir. Pelo menos era essa a vontade do major Frazão, que considerava serem os membros da família os responsáveis pelo aviso da presença das tropas. No entanto, o governador civil não anuiu a tal pretensão, por considerar que extravasava as suas competências.

Apesar de a quadrilha ser, essencialmente, uma organização masculina, o certo é em algumas ocasiões foram feitas referências à presença de elementos femininos, nomeadamente às duas irmãs que o acompanhavam e a duas mulheres, designadas pelas autoridades de “amigas” do Quingostas.

A tarefa do major Frazão estava a ser dificultada pela escassa cooperação das autoridades administrativas, particularmente dos regedores. Várias explicações podem ser avançadas no sentido de explicar esta atitude, nomeadamente a sua baixa instrução, o desconhecimento das suas obrigações e o receio de represálias por parte dos salteadores ou dos seus companheiros e familiares. O certo é que esta  sua postura tinha permitido que deambulassem livremente pelas feiras e festividades, cometessem delitos à luz do dia e circulassem pelas localidades, sem que fossem importunados.

A complacência das autoridades e das populações levou à presença de forças militares, desde Fevereiro de 1837, nos concelhos de Monção, Melgaço e Valadares, instaladas em casas de particulares, cujos proprietários não só os abrigavam, mas também os sustentavam. A situação arrastou-se pelo menos até Julho do mesmo ano. Após a saída das tropas, Quingostas reapareceu em Melgaço.

Entretanto, Quingostas tinha conseguido um indulto junto das autoridades espanholas, com a condição de não sair da província de Ourense. Mas acabou por desrespeitar o compromisso assumido e entrou em Portugal, onde os seus crimes não tinham sido perdoados. Em Agosto de 1837, ficou sob custódia, à ordem do chefe político da província de Ourense, cabendo a Portugal reclamar a sua extradição, tendo sido solicitada, para esse efeito, a intervenção do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Contudo, os ventos pareciam soprar a favor de Tomás das Quingostas. Em 14 de Julho de 1837, iniciou-se a “revolta dos Marechais”, um pronunciamento militar anti-setembrista, de inspiração cartista, encabeçada pelos duques da Terceira e da Saldanha. Esta revolta iniciou-se em Ponte da Barca, com a sublevação dos militares que estavam envolvidos na caça a Quingostas e seus companheiros, tendo terminado oficialmente em Setembro de 1837, com a vitória das forças governamentais.

TOMÁS JOAQUIM CODEÇO II

melgaçodomonteàribeira, 13.11.21

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No verão de 1835, multiplicaram-se as investidas de Quingostas e da sua quadrilha e as várias tentativas para conseguir o seu desmantelamento revelavam-se infrutíferas, o que ditará uma mudança de estratégia. Em Outubro desse ano, lançou-se um novo plano, que previa a atribuição de um prémio pecuniário a quem o denunciasse e entregasse às autoridades.

No mês seguinte, face ao pendor cada vez mais político assumido por esta organização, foi planejado um ataque, que envolveu alguns batalhões de guardas nacionais, do qual resultou a prisão de vários parceiros do guerrilheiro. Aliás, os poderes nacionais tomaram consciência da verdadeira importância desta guerrilha, quando, nesse mesmo mês, Quingostas sitiou a vila de Valadares, arrombou a cadeia e dela retirou José Luís Alves Azevedo, um preso político que tinha sido oficial do exército realista, mais propriamente ex-capitão das ordenanças da freguesia de São Miguel de Valadares. Segundo testemunhas, praticou este acto “dando vivas ao usurpador e cantando o Hynno Absolutista”. Neste ataque, Quingostas comandava cerca de 40 homens bem armados. As autoridades, nomeadamente as judiciais, mostravam-se atemorizadas com o aumento do número de rebeldes e com a aceitação que estes gozavam em algumas povoações.

Apesar da realização de uma batida e da captura de alguns dos seus sequazes, nomeadamente do famigerado “Branco”, o certo é que Quingostas continuava a monte. O governador civil, consciente de que o insucesso das diversas tentativas para o capturar se devia ao apoio de que desfrutava, optou, mais uma vez, por uma nova estratégia, que assentava na responsabilização das populações. Assim, em Dezembro do mesmo ano, foram afixados editais em todos os concelhos da raia, ordenando que “logo que conste que o chefe dos salteadores, ou alguns de seus sócios he acoutado em qualquer casa, o chefe de família ficará desde logo responsável pelo individuo que agasalhou, e será entregue à authoridade judiciária para o julgar conforme a lei”. Havia agora a tentativa de responsabilizar como cúmplice quem contactasse com o grupo.

No dealbar de 1835, José Manuel Gonçalves, professor, que tinha sido encarregado pelo administrador do concelho de Melgaço de vigiar Quingostas, foi ferido por este em plena feira, na freguesia de Paderne, concelho de Valadares, numa clara demonstração de poder, sob o olhar de várias testemunhas, que nada fizeram para impedir tal atentado nem para socorrer o ferido. Se o carácter político do bando era já uma certeza, também o apoio dos povos das freguesias de Valadares e Melgaço se tinha tornado uma realidade. Por medo ou concordância, as populações mantinham-se silenciosas e apoiavam o grupo de rebeldes e saqueadores. Na freguesia de São Paio, à chegada de militares e de representantes do poder administrativo e judicial, os populares afastavam-se, usando sinais para avisar o bando, quando este ali se encontrava, da presença das autoridades.

Em inícios de 1836, Quingostas foi visto a disparar contra soldados espanhóis que o impediram de utilizar um barco furtado no rio Minho. Alguns dias depois, realizava novo atentado, tendo mais uma vez a freguesia de Paderne como palco. Desta vez, o alvo foi uma pequena escolta militar, destacada para manter a ordem numa festividade daquela localidade.

“(…) Tendo os officiais ido a uma romage que se fez no dia 16 do corrente na freguesia de Paderne do concelho de Valladares, devertirem-se, levarão consigo huma escolta do mesmo destacamento, e na occasião de sahir a porcição, em alguma distancia de onde estava a dita escolta, apareceo-lhe o Monstro Thomas com dous companheiros e atirando-lhe três tiros, começou a insultallos chamando-lhe negros e outros vários nomes.”

Deste modo, Quingostas e seus companheiros alardeavam um atrevimento cada vez maior, não se coibindo de provocar as autoridades judiciais, militares e administrativas, nem de se exibirem em reuniões das populações, como eram as festas. Circulava com total liberdade pelas estradas que uniam o concelho de Melgaço ao de Valadares,, sendo frequentador assíduo de uma venda, na freguesia de Penso, pertecente àquele concelho. Contudo, sofreu um revés, quando foi capturado João Pinheiro Albardeiro, seu amigo pessoal e membro da quadrilha que liderava. Meses mais tarde, será a vez de Joaquim José de Sá, um desertor, natural do concelho de Paredes de Coura, também ser preso.

Apesar destas contrariedades, Quingostas continuava a movimentar-se impunemente por algumas freguesias dos concelhos de Melgaço e Valadares, dando-se ao luxo de arrancar os editais com mensagens contra si, substituindo-os por outros, da sua lavra, nos quais apregoava não só a sua invencibilidade, como a sua luta contra as autoridades locais. Um deles apresentava o seguinte conteúdo:

“(…) Como as reais ordens são dadas por desavergonhados hé o motivo porque se rasgão e se fossem dadas pelo governo se aceitarião benignamente e portanto o que foi causa deste edital foi a de me roubar  o quanto eu tinha em minha casa porque só em comedeiras se podem sustentar cai nas mesmas penas que me recolher também cai no mesmo tempo que este tirar, eu se bem o digo melhor o faço as minhas casas são debaixo das estrelas sou firme contra os meus inimigos.”

Em Março de 1836, as autoridades espanholas davam conta da presença de Quingostas na Galiza.

“(…) Por la Peroja y Caldela estan invadiendo esta Província los facciosos segun las partes que acabo de recibir, es pues preciso que V. immediatamente tome todas as medias convenientes para faborecer los pueblos atacados sem perder de vista esos puntos, y avisando a lo momento a las Authoridades Portuguesas para que se sirban tener pronta su tropa para ausiliarmos en caso necessário.”

Era evidente a união de esforços da quadrilha miguelista e da guerrilha carlista, comandada por Lopez. Quingostas e os seus companheiros eram os responsáveis por um sistema de angariação de desertores portugueses para as fileiras daquela guerrilha. O apoio logístico prestado à guerrilha carlista por parte do bando de Quingostas era evidente para as autoridades espanholas.

TOMÁS JOAQUIM CODEÇO I

melgaçodomonteàribeira, 06.11.21

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 s. paio

ENTRE O CRIME E A CADEIA: VIOLÊNCIA E MARGINALIDADE NO ALTO MINHO (1732-1870)

 

Alexandra Esteves

Tese de Douturamento em História

Instituto de Ciências Sociais

Universidade do Minho

 

OS CHEFES DAS QUADRILHAS

 

O chefe da quadrilha que maior impacto causou no Alto Minho foi  Tomás das Quingostas. A sua relevância prendia-se com as várias particularidades que o aproximam do “bandido social” traçado por Hobsbawn, e fizeram do seu bando não uma mera associação de malfeitores, mas antes um movimento de guerrilha anti-liberal, de pendor miguelista. Rapidamente nos apercebemos de que a base de apoio de Quuingostas e dos seus sequazes extravasava as classes populares, pois incluía  personalidades tidas como miguelistas e figuras políticas ligadas ao regime liberal, que lhes davam cobertura e ao avisavam das movimentações das autoridades. Esta aproximação da quadrilha ao poder político pode ser considerada como um dos factores que contribui para a sua longevidade. A existência desses apoios não era segredo e serviu de pertexto para o lançamento de suspeitas sobre alguns sectores do poder administrativo, judicial e militar. As acusações de conluio e cumplicidade não se limitaram aos extractos mais baixos da hierarquia administrativa e militar, mas atingiram membros de categorias mais elevadas das duas instâncias do poder.

Tomás das Quingostas, vulgo de Tomás Joaquim Codeço, nasceu na aldeia de S. Paio, concelho de Melgaço, tendo sido baptizado, em 15 de Agosto de 1808, com nome de Tomás de Aquina, Nasceu no seio de uma família relativamente abastada de agricultores, tendo frequentado a escola. Esteve detido na cadeia da Relação do Porto até à entrada das tropas comandadas por D. Pedro naquela cidade, sendo conhecido já na década de vinte do século XIX como bandido e membro de um bando que atacava na região de Melgaço. Posteriormente, regressou à sua aldeia natal onde se dedicou ao crime. Em 1834, evaduiu-se das cadeias de Lamego, instalando-se novamente no concelho de Melgaço, circulando entre este e o de Valadares, no qual permanenecia a maior parte do tempo, alternando com temporadas na Galiza, onde se dedicava ao bandoleirismo, cometendo roubos, agressões e assassinatos.

As primeiras alusões a Tomás das Quingostas, que encontrámos  na documentação produzida pelas autoridades administrativas, datam de 1834. Embora se trate de uma referência indirecta,, o seu nome surgia associado ao de Luís José Caldas, de quem se dizia ser parceiro. Luís José Caldas, conhecido guerrilheiro, estava na altura preso na cadeia de Valadares. Considerando-se que aquele estabelecimento prisional não reunia condições para albergar um preso de taõ elevada perigosidade, determinou-se a sua transferência para Valença. Todavia, o detido foi fuzilado pela escolta militar que o acompanhava, A morte de Luís Castro Caldas não foi bem recebida pelas instâncias suuperiores, que tentaram atribuir ao provedor de Melgaço, responsável pela sua captura, a culpa do sucedido. De facto, os constantes fuzilamentos praticados pelas escoltas militares estavam a contribuir para a descredibilização do regime recém-implantado, numa região que revelava fortes resistências ao liberalismo, parecendo haver uma intenção mais teórica do que prática de demarcação “entre o governo legítimo e o da usurpação”. Por isso, era nacessário acabar com as execuções sumárias de presos e com as represálias que os vencedores da guerra civil estavam a praticar sobre os vencidos.

Maria de Fátima de Sá e Melo Ferreira inclui Luis Castro Caldas entre os perseguidos, no concelho de Melgaço, no período compreendido entre Abril e Maio de 1834, por guerrearem contra a causa liberal. Outro dos procurados como chefes da guerrilha eram Caetano da Ponte, o chamado “Vasconcelos”, Pitta Bezerra e, finalmente, Tomás das Quingostas.

O ano de 1834 foi marcado pela detenção de salteadores e guerrilheiros, sobretudo no concelho de Melgaço, devido à acção enérgica encetada pelo provedor daquele concelho contra o banditismo. Assim,  em Dezembro de 1834, foram presos mais dois salteadores de renome: Manuel José Rodrigues, alcunhado “o Forno”, e Manuel António Gonçalves, conhecido como sócio número um da extinta quadrilha liderada por Manuel Veloso e sócio número dois de Tomas das Quingostas. Por esta altura, Quingostas vagueava com os seus seguidores pela Galiza, onde praticavam todo o tipo de depredações. Quando passava a Portugal, reunia-se com os seus apaniguados no lugar de São Gregório, em Melgaço, e em diversos locais do concelho de Valadares, nomeadamente nas freguesias de Penso, São Martinho e Paderne. Em 1834, ainda não estava claramente definida a veia política desta organização criminosa, sendo encarada como mais uma quadrilha de ladrões, na linha das que já existiam no sistema político anterior. Este raciocínio pode depreender-se das palavras do sub-prefeito de Monção ao tentar caracterizar a sua actividade na Galiza, afirmando que

“(…) Não he de estranhar que aquella quadrilha pratique semelhantes attentados na Galiza quando muitos dos seus capatazes estão no costume de hirem as villas ameaçar as authoridades, quando dabem que elas querem proceder contra elles, o que acontecia frequentemente nesta comarca no tempo do Usurpador, e que já mesmo que depois de Aclamado o Legitimo Governo teve lugar.”

Estas palavras são reveladoras de um equilíbrio político muito frágil nos concelhos raianos do distrito de Viana do Castelo, submetidos à pressão de criminosos, mas para o qual também contribuía uma conjuntura que permitia a sua insubmissão.

TOMÁS JOAQUIM, UM BANDIDO SOCIAL

melgaçodomonteàribeira, 28.08.21

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 s.paio

MOVIMENTAÇÕES ABSOLUTISTAS NO PERÍODO DE IMPLANTAÇÃO DO LIBERALISMO

 

Célia Maria Taborda da Silva

 

No Alto Minho era o bando de Tomás Joaquim Codeço, mais conhecido por “Quingostas”, que desestabilizava a tranquilidade liberal. Natural de uma aldeia do concelho de Melgaço, actuava em toda a região minhota, assaltando a casa de constitucionais e libertando presos políticos ao mesmo tempo que aclamava o usurpador. Tinha ligações com alguns dos oficiais miguelistas de Braga e contactos com os carlistas da Galiza. Os militares liberais fizeram inúmeros esforços para o capturar, chegaram até a ter pessoas infiltradas no bando mas todas as tentativas para o apanhar redundaram em fracasso. Isto porque gozava de apoio popular como todos os “bandidos sociais”. Tal como o “bandido nobre”, de que Eric Hobsbawm fala na sua obra, Rebeldes primitivos, era considerado um herói pela comunidade, por isso, o protegiam. Contrariamente aos meros salteadores, os bandidos sociais permaneciam dentro da sociedade camponesa de onde saíram e eram considerados pela sua gente como heróis ou justiceiros, razão porque os ajudavam e apoiavam. As acções desse bandido eram aceitáveis dentro dos seus valores de comportamento, como quem rouba aos ricos para dar aos pobres ou mata para limpar a sua honra ou a de algum familiar. É esta relação entre o camponês e o rebelde que dá significado ao banditismo social e isso que o diferencia dos simples ladrões de estrada. O bandido social não roubava o camponês mas apenas os senhores ricos. Por esse motivo a sua popularidade só ocorria dentro do seu enquadramento regional, A este propósito, Hobsbawm adverte que um homem podia ser bandido social na sua terra e um simples ladrão fora dela. Este fenómeno, pré-político, foi desaparecendo com a modernização, por ter o seu suporte em sociedades baseadas na agricultura, lutando pela manutenção de valores tradicionais.

Tomás Codeço acabaria por ser preso em Janeiro de 1839 e assassinado em seguida pela escolta que o devia conduzir à prisão. Esta morte marcaria um ponto de viragem da luta absolutista na região pois não se voltaram a formar guerrilhas até 1846, altura em que renasceu a esperança miguelista.

Apesar dos movimentos de aclamação de D. Miguel e a formação de guerrilhas terem sido relevantes não lograram qualquer efeito prático, uma vez que os absolutistas não voltaram ao poder. No entanto, estes movimentos realistas contribuíram para aumentar a instabilidade de uma época conturbada e dificultar a tarefa dos governos liberais na implantação do liberalismo.

 

Retirado de: absolutistas.pdf

 

GALEGOS EM MELGAÇO - MARGINALIDADE E ASSISTÊNCIA

melgaçodomonteàribeira, 14.04.20

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A PRESENÇA GALEGA NO ALTO MINHO NOS FINAIS DO ANTERIOR REGIME

Alexandra Esteves 

Muitos dos mancebos espanhóis que atravessavam ilegalmente a fronteira para escapar ao recrutamento militar e procuravam guarida em Portugal tinham grandes dificuldades em angariar o seu sustento, pelo que acabavam por ingressar em grupos de salteadores e enveredar pelo banditismo. Em 1835, as autoridades galegas, conhecedoras deste fenómeno, solicitaram ao governador civil de Viana do Castelo que “se no permita que ninguna persona desconocida passe de un reino a outro sin o qual indispensable documento sea arrestado como sospechoso”. Nesse ano, muitos desertores galegos que estavam refugiados na zona de fronteira compreendida entre Castro Laboreiro e Valadares constituíam um autêntico manancial de recrutamento das quadrilhas que atuavam na região, em particular a de Tomás das Quingostas. A inoperância revelada pelas autoridades portuguesas na captura deste assaltante era incompreensível aos olhos das suas congéneres da Galiza, onde tinha perpetrado uma série de desmandos, dada a facilidade com que se movimentada pelas feiras e festas do Alto Minho.

A ineficácia na vigilância do território raiano punha em causa a segurança de pessoas e bens, dado que tanto as quadrilhas de ladrões como os pequenos larápios se dedicavam, sem grande dificuldade, a pilhar igrejas e habitações galegas e minhotas. A resposta portuguesa, no sentido de pôr termo à situação, traduziu-se no reforço da guarda da fronteira nos locais mais propícios à entrada e movimentação de desertores, nomeadamente em Castro Laboreiro e S. Gregório.

Por outro lado, a cumplicidade entre o bandido português Tomás das Quingostas e o guerrilheiro espanhol Mateo Guillade, conhecido salteador e carlista, era motivo de grande preocupação para as autoridades dos dois países. Este, por várias vezes, se refugiou em Portugal com a cumplicidade da quadrilha de Quingostas e de miguelistas. Em funho de 1837, por exemplo, foi detetada a sua presença na cidade de Braga. Em agosto desse mesmo ano, sabia-se que estava refugiado em Melgaço.

Ao longo da década de 30 do século XIX, era frequente as autoridades galegas solicitarem a Portugal a captura dos soldados sorteados para o serviço militar. Todavia, esta missão revelava-se difícil, uma vez que os fugitivos contavam com a conivência das populações que os acolhiam e os sustentavam em troca de prestação de trabalho não remunerado. Esta situação revelava-se vantajosa para os lavradores locais, pelo que não estavam interessados em denunciar a presença de trânsfugas nas suas comunidades.

 

A PRESENÇA GALEGA NO ALTO MINHO NOS FINAIS DO ANTIGO REGIME: ENTRE A MARGINALIDADE E A ASSISTÊNCIA

 

Alexandra Esteves

Universidade Católica Portuguesa Lab2PT

Universidade do Minho

pp. 129-131

 

 

 

LAR EM MELGAÇO LEVOU CRUCIFIXO A UTENTES EM APOIO DOMICILIÁRIO

 

OUTRO CASO ACONTECEU NO CENTRO SOCIAL DE PADERNE, EM MELGAÇO, ZONA ONDE JÁ SE REGISTARAM, NOUTRO LAR DE IDOSOS, MORTES POR COVID-19. SEGUNDO O JORNAL O MINHO, FOI A DIRETORA DE SERVIÇOS DAQUELE LAR QUE TOMOU A INICIATIVA DE IMPROVISAR UMA VISITA PASCAL AOS QUINZE UTENTES QUE BENEFICIAM DO APOIO DOMICILIÁRIO DA INSTITUIÇÃO.

ÀQUELE JORNAL, A RESPONSÁVEL ADMITIU QUE NÃO SEGUIU AS INDICAÇÕES DA DGS E EXPLICOU: "A INICIATIVA FOI MINHA, ERA A MINHA VEZ DE LEVAR OS PEQUENOS-ALMOÇOS AO DOMICÍLIO E DECIDI LEVAR UM POUCO DE ALEGRIA A CASA DESTAS PESSOAS". QUATRO UTENTES DO REGIME DE APOIO DOMICILIÁRIO BEIJARAM A CRUZ, QUE DEPOIS FOI LEVADA PARA O INTERIOR DO LAR DE IDOSOS E DEPOIS BEIJADA POR OUTROS IDOSOS.

"FIZ ISTO PORQUE MUITOS DELES NÃO TEM NINGUÉM, A FAMÍLIA NÃO OS PODE VISITAR E ANDARAM A SEMANA TODA A QUEIXAR-SE PORQUE NÃO IAM TER PÁSCOA ESTE ANO" AFIRMOU A RESPONSÁVEL CONSIDERANDO A SUA AÇÃO COMO UM ATO DE "CARINHO" PERANTE OS IDOSOS QUE "SÃO MUITO CATÓLICOS".

DENTRO DO LAR O CRUCIFIXO FOI DESINFETADO COM ÁLCOOL ENTRE CADA BEIJO. "a INTENÇÃO ERA MELHORAR O ESTADO ANÍMICO DOS UTENTES, NUNCA PENSEI QUE AS PESSOAS FOSSEM LEVAR PARA O LADO DE QUERER FAZER MAL", DISSE A DIRETORA DOS SERVIÇOS DA INSTITUIÇÃO.

A CÂMARA MUNICIPAL JÁ EMITIU UM COMUNICADO A APELAR A TODAS AS INSTITUIÇÕES DO CONCELHO QUE SIGAM AS PRÁTICAS QUE CONSTAM DO PLANO DE CONTINGÊNCIA DO MUNICÍPIO.

(...)

Segunda feira,13/04/2020  20:07

Publicado no jornal online OBSERVADOR

 

 

 

 

MELGAÇO, 21 DE MARÇO DE 1829

melgaçodomonteàribeira, 01.02.20

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UM CRIME EM MELGAÇO NO SÉCULO XIX

 

Fevereiro de 1828. D. Miguel, irmão de D. Pedro IV, assume a regência do reino e jura a Carta Constitucional. Em Março do mesmo ano dissolve o parlamento; em 3 de Maio convoca as Cortes. Estas, restauram o regime tradicionalista, isto é, proclamam D. Miguel rei absoluto.

Os liberais não gostaram; organizam a oposição. É a guerra civil! Acaba em 1834, depois da derrota dos miguelistas. O rei parte para Viena de Áustria e nunca mais põe os pés em território nacional.

Estávamos em plena guerra fratricida; por todo o país D. Miguel perseguia incansavelmente os liberais; estes defendiam-se como podiam e sabiam. D. Pedro, vendo que as coisas não se resolviam, abdica em 1831, a favor de seu filho, a coroa do Brasil e dirige-se a França e Inglaterra em busca de auxílio, a fim de reconquistar o trono português para sua filha D. Maria da Glória (mais tarde D. Maria II).

Melgaço vivia dias agitados. Tomás das Quingostas aterrorizava toda a gente. Ninguém sentia segura nem a vida, nem a fazenda. Com a sua temível quadrilha matava e roubava com o maior desplante. A lei era ele. Por onde passava, deixava rastos de sangue e amargura. Uma das suas vítimas mortais foi o jovem João Vicente. Rapaz pouco dado a bens materiais e a folguedos, tencionava seguir, logo que as condições o permitissem, a carreira clerical. Só a sua mãe conhecia o segredo. Em 17 de Março de 1829 esta faz-lhe saber que tudo está pronto para ele poder assim concretizar seu sonho.

Enquanto não ingressa no Seminário vai tentando não se envolver em conflitos ideológicos ou bélicos. Ajuda na administração da Casa e de vez em quando visita as pesqueiras que a família possui no rio Minho, fiscalizando também a faina dos pescadores. Nesse ano as lampreias, os sáveis e os salmões saíam em abundância. Era, sem dúvida, um bom ano.

João Vicente tinha a estima de toda a gente de Melgaço. A sua índole calma e generosa granjeava-lhe amizades e respeito. Parecia que a sua vida decorria sempre assim: ajudando quem dele precisasse, materialmente ou com a sua palavra amiga e sábia.

No entanto, o seu destino já estava traçado. A morte estava próxima.

Naquela noite fatídica de 21 de Março de 1829, noite chuvosa, trilha o caminho que o leva ao rio. Parecia até um fantasma com a croça sobre o seu corpo miúdo. Não se vê um palmo à frente do nariz, mas como ele conhecia bem o caminho não havia qualquer problema. A croça não lhe servia de muito com a chuva.

Chega perto das pesqueiras, ouve o barulho amigo das águas e com seus olhos habituados à escuridão, perscruta-as. As redes lá estão. Tudo em ordem.

Na tarde do mesmo dia um grupo de homens, à cabeça Tomás das Quingostas, combinava um assalto a uma aldeia galega. Tinham lá gente da mesma laia que com eles colaboravam e desse modo esperavam roubar o suficiente para uns longos dias. Depois de tudo combinado até ao pormenor, foram lentamente descendo o monte em direcção ao rio. Aguardariam ali o sinal e depois atravessariam na batela que estava escondida sob umas espessas ramagens. Esperaram, esperaram, e nada de sinal. Pensaram então que algo se tinha passado com os seus amigos galegos. Outro dia seria. Tomás disse aos seus homens que se dispersassem. Com ele ficaram Caetano Paulo e o Pitães. Virando-se para eles diz-lhes: - Não regressaremos de mãos vazias! Vamos às pesqueiras ver se tem peixe. Arranjaremos depois alguém que nos faça a ceia.

Conhecedores das margens do Minho, avançam afoitamente, sem cautelas especiais.

João apercebe-se do movimento e das vozes e pergunta: - Quem vem lá?!

O Tomás, astuto como uma raposa, responde-lhe: - Gente de bem e de paz!

O rapaz, confiante e contente por ter companhia, aproxima-se deles sem qualquer receio.

O monstro, logo que vislumbra a silhueta esguia aponta-lhe o “bacamarte” e dispara sem hesitar. Um segundo depois os restantes facínoras descarregam as suas armas num corpo cambaleante. Pum! Pum!

O som dos disparos ecoou ao longo do rio durante momentos; depois, um silêncio pesado ficou a pairar no ar.

A besta aproximou-se do cadáver e com as suas botas de militar virou-o, confirmando assim a sua morte. Cruel, como abutre que era, disse aos outros: - Agora temos o caminho livre, vamos ao trabalho!

A justiça, depois de avisada, foi ao local do crime. Junto ao corpo perfurado pelas balas assassinas encontrava-se a croça toda ensanguentada.

Já neste século, um poeta anónimo, escrevia estes versos acerca do Tomás das Quingostas:

 

                                  Homem de muitas matanças,

                                  na guerra civil andou;

                                  herói das extravagâncias

                                  vidas sem conto ceifou!

 

                                  Mais dum século decorreu

                                  sobre a morte do malvado;

                                  que, por ironia, morreu

                                  sob as balas dum soldado!

 

Fonte: Melgaço e as Lutas Civis, 1º volume, Augusto César Esteves, páginas 87 a 92.

Saudações amigas a todos os melgacenses.

 

                                                           

 

   Joaquim A. Rocha

Publicado em: A VOZ DE MELGAÇO

 

Joaquim A. Rocha edita o blog Melgaço, minha terra

 

O ASSASSINO TOMÁS DAS QUINGOSTAS

melgaçodomonteàribeira, 08.10.16

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UM CRIME EM MELGAÇO NO SÉCULO XIX

 

 

Fevereiro de 1828. D. Miguel, irmão de D. Pedro IV, assume a regência do reino e jura a Carta Constitucional. Em Março do mesmo ano dissolve o parlamento; em 3 de Maio convoca as Cortes. Estas, restauram o regime tradicionalista, isto é, proclamam D. Miguel rei absoluto.

Os liberais não gostaram; organizam a oposição. É a guerra civil! Acaba em 1834, depois da derrota dos miguelistas. O rei parte para Viena de Áustria e nunca mais põe os pés em território nacional.

Estávamos em plena guerra fratricida; por todo o país D. Miguel perseguia incansavelmente os liberais; estes defendiam-se como podiam e sabiam. D. Pedro, vendo que as coisas não se resolviam, abdica em 1831, a favor de seu filho, a coroa do Brasil e dirige-se a França e Inglaterra em busca de auxílio, a fim de reconquistar o trono português para sua filha D. Maria da Glória (mais tarde D. Maria II).

Melgaço vivia dias agitados. Tomás das Quingostas aterrorizava toda a gente. Ninguém sentia segura nem a vida, nem a fazenda. Com a sua temível quadrilha matava e roubava com o maior desplante. A lei era ele. Por onde passava, deixava rastos de sangue e amargura. Uma das suas vítimas mortais foi o jovem João Vicente. Rapaz pouco dado a bens materiais e a folguedos tencionava seguir, logo que as condições o permitissem, a carreira clerical. Só a sua mãe conhecia o segredo. Em 17 de Março de 1829 esta faz-lhe saber que tudo está pronto para ele poder assim concretizar seu sonho.

Enquanto não ingressa no Seminário vai tentando não se envolver em conflitos ideológicos ou bélicos. Ajuda na administração da Casa e de vez em quando visita as pesqueiras que a família possui no rio Minho, fiscalizando também a faina dos pescadores. Nesse tempo as lampreias, os sáveis e os salmões saíam em abundância. Era, sem dúvida, um bom ano.

João Vicente tinha a estima de toda a gente de Melgaço. A sua índole calma e generosa granjeava-lhe amizades e respeito. Parecia que a sua vida decorreria sempre assim: ajudando quem dele precisasse, materialmente ou com a sua palavra amiga e sábia.

No entanto, o seu destino já estava traçado. A morte estava próxima.

Naquela noite fatídica de 21 de Março de 1829, noite chuvosa, trilha o caminho que o leva ao rio. Parecia até um fantasma com a croça sobre o seu corpo miúdo. Não se via um palmo à frente do nariz, mas como ele conhecia bem o caminho não haveria qualquer problema. A croça não lhe serviria de muito com a chuva.

Chega perto das pesqueiras, ouve o barulho amigo das águas e com seus olhos habituados à escuridão, perscruta-as. As redes lá estão. Tudo em ordem.

Na tarde do mesmo dia um grupo de homens, à cabeça Tomás das Quingostas, combinava o assalto a uma aldeia galega. Tinham lá gente da mesma laia que com eles colaboravam e desse modo esperavam roubar o suficiente para uns longos dias. Depois de tudo combinado até ao pormenor, foram lentamente descendo o monte em direcção ao rio. Aguardariam ali o sinal e depois atravessariam na batela que estava escondida sob umas espessas ramagens. Esperaram, esperaram, e nada de sinal. Pensaram então que algo se tinha passado com os seus amigos galegos. Outro dia seria. Tomás disse aos seus homens que se dispersassem. Com ele ficaram Caetano Paulo e o Pitães. Virando-se para eles diz-lhes: - Não regressaremos de mãos vazias! Vamos às pesqueiras ver se tem peixe. Arranjaremos depois alguém que nos faça a ceia.

Conhecedores das margens do Minho, avançam afoitamente, sem cautelas especiais.

João apercebe-se do movimento e das vozes e pergunta: - Quem vem lá?!

O Tomás, astuto como uma raposa, responde-lhe: - Gente de bem e de paz!

O rapaz, confiante e contente por ter companhia, aproxima-se dele sem qualquer receio.

O monstro, logo que vislumbra a silhueta esguia aponta-lhe o «bacamarte» e dispara sem hesitar. Um segundo depois os restantes facínoras descarregam as suas armas num corpo cambaleante. Pum! Pum!

O som dos disparos ecoou ao longo do rio durante momentos; depois, um silêncio pesado ficou pairando no ar.

A besta aproximou-se do cadáver e com as suas botas de militar virou-o, confirmando assim a sua morte. Cruel, como abutre que era, disse aos outros: - Agora temos o caminho livre, vamos ao trabalho!

A justiça, depois de avisada, foi ao local do crime. Junto ao corpo perfurado pelas balas assassinas encontrava-se a croça toda ensanguentada.

Já neste século (XX), um poeta anónimo, escrevia estes versos acerca do Tomás das Quingostas:

 

                                     Homem de muitas matanças,

                                     na guerra civil andou;

                                     herói das extravagâncias

                                     vidas sem conta ceifou!

 

                                     Mais dum século decorreu

                                     sobre a morte do malvado;

                                     que, por ironia, morreu

                                     sob as balas dum soldado!

 

Fonte: Melgaço e as Lutas Civis

           1º volume

           Augusto César Esteves

pp. 87 – 92

 

Saudações amigas a todos os melgacenses.

 

                                                                             Joaquim A. Rocha

 

Publicado em: A Voz de Melgaço

 

Joaquim Rocha, historiador e investigador com vários livros sobre  Melgaço, edita o blog Melgaço, Minha Terra.