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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

UMA IDA À VILA I

melgaçodomonteàribeira, 15.04.17

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O PRIMEIRO RETRATO

 

Um dia o pai escreveu a dizer que não viria a casa tão cedo. Embora já tivesse os documentos em ordem era necessário aproveitar o tempo, porque as coisas estavam a correr bem. Por isso gostaria de ter uma fotografia do filho, para andar com ela na carteira.

O Manuel perguntou à mãe aonde se tirava o retrato.

- Em Melgaço – respondeu. Nos dias de feira aparece na Vila um que tira retratos à “la minuta”, mas ao fim de pouco tempo ficam apagados. Por isso, só o Pires em Melgaço é de confiança.

- E quando podemos ir? – perguntou.

- Talvez no mês de Maio, porque os dias são grandes e dão para ir e voltar com sol.

- E por onde vamos?

- Alguns vão a pé, pela estrada em construção, até Lamas e depois apanham uma camioneta, mas às vezes é preciso esperar muito tempo antes de aparecer alguma. Outros, ao chegarem ao fundo das Lobagueiras, viram para a Alcobaça e seguem o caminho antigo, pelo Outeiro da Loba. Embora ruim, é quase metade da distância e há muitas sombras. Vou falar com a filha do tio Albano e se nos juntarmos três ou quatro ela pode levar a mula, aproveitando para trazer coisas necessárias à loja do pai. Quando te sentires cansado podes montar a cavalo.

- Está bem, mai. Antes quero ir pelo caminho porque não gosto de me encafuar na caixa da camioneta, debaixo do toldo, no meio dos pipotes e dos animais, cheio de calor e sem ver nada.

- Então vou combinar com ela o dia e falar com as irmãs Pinheiro, porque há tempo falaram em irmos todas. Depois trata-se do problema dos animais.

A viagem tinha de ser cuidadosamente preparada, porque estando um dia inteiro fora de casa era necessário informar a pegureira para abrir a porta da côrte e juntar a rez ao rebanho colectivo que iria pastorear. Ao fim da tarde, no regresso, teria de recolher os animais e fechar a porta.

Por outro lado, as vacas não podiam ficar encerradas todo o dia. Falaria com a tia Calças para as levar a pastar com as dela. Quanto aos restantes animais deixava-lhes comida para o dia todo.

Entretanto as duas irmãs confirmaram a ida e em conjunto acordaram o dia, combinando a saída para muito cedo, a fim de evitar a força do calor, sobretudo por causa das crianças.

Na véspera, à noite, a mãe preparou a merenda com presunto, peixe frito, chouriço e pão centeio, juntando uma bota com água, colocando tudo numa cestinha de vime.

Ainda de noite, a mãe acordou-o porque tinha de se vestir. A muito custo conseguiu levantar-se, lavou-se e, ajudado pela mãe, vestiu a roupa nova. Em seguida comeram o almorço, feito de papas de pão e batatas cozidas no molho dos torresmos fritos e bem tostados, espalhando um cheiro apetitoso. Apesar da hora madrugadora, a mãe recomendou-lhe para comer também o caldo de leite, pois só deveriam voltar a comer cerca das 9 horas, quando já tivessem percorrido grande parte do caminho.

Muito antes do romper do dia as quatro mulheres e as duas crianças estavam a caminho de Picotim, em direcção a Portelinha e daí rumo a Alcobaça seguindo o leito da estrada em fase adiantada da construção. Já tinham ultrapassado aquele lugar quando o sol nasceu.

Olhava com alguma curiosidade para o vale do rio Trancoso que nascia em Portelinha e, demarcando a fronteira com a Galiza, corria encosta abaixo até lançar-se no Rio Minho. Uma névoa azulada deixava ver algumas povoações espalhadas ao longo das encostas. Do lado português a configuração do terreno limitava o campo de visão, só deixando aperceber as aldeias quando já estavam muito próximos, enquanto na encosta espanhola o declive era menos acentuado e permitia alcanças as povoações distribuídas ao longo da mesma, com telhados e paredes de tijolo de cores desbotadas.

Iam descendo e reparava nas mudanças da vegetação. Além das giestas e silvas, começaram a aparecer muitos pinheiros e castanheiros, em vez dos carvalhos e vidos, únicas árvores grandes abundantes em Castro.

A determinada altura do trajecto, depois de abandonarem o vale do rio fronteiriço, surgiu à sua frente uma paisagem diferente. A encosta apresentava-se escalonada em patamares de verdura. O primeiro, formado pelas latadas das videiras, continuava a um nível mais baixo, pelos campos de milho, hoetas e batatais, ladesdos por tufos de pinheiros e várias árvores de fruto, que formavam o terceiro nível. De vez em quando o relógio de uma torre batia as horas. Mais abaixo avistava-se um conjunto grande de casas à volta do castelo, com uma torre, e cercado por um cordão espesso de nevoeiro. Era Melgaço! Por cima daquele rolo, aparecia outra encosta verdejante e também pejada de casas. Escondido pelo nevoeiro cerrado corria o Rio Minho, marcando a fronteira e por isso a encosta em frente era galega, explicou a mãe.

A curta distância até Melgaço, sempre a descer, foi percorrida em pouco tempo por caminhos atravessados de cobertos de videiras amarradas a postes de pedra e arames, formando as latadas. Finalmente, entraram em Melgaço! O caminho com mais de três léguas fora percorrido em menos de quatro horas.

Dirigiram-se a uma conhecida onde iriam comer porque dispunha de um quintal para guardar a mula enquanto tratavam dos assuntos objecto da sua deslocação à Vila. Aproveitaram para descansar um pouco e compor as roupas das crianças em total desalinho devido à longa viagem. O Manuel transpirava por todos os lados, trazia a camisa branca encharcada.

A mãe ajudou-o a lavar-se e penteou-lhe o cabelo rebelde, amaciando-o com um pouco de água com açúcar. Já com melhor aspecto dirigiram-se ao atelier do Pires onde teve de submeter-se a novos retoques, determinados pelo fotógrafo.

- Ó senhor Pires, este é o primeiro retrato do rapaz, para mandar para França. Veja se fica em condições! – recomendou a mãe.

- Muito bem. Vamos então tratar disso. Bom…Bom…Chegate aqui. Começamos por colocar esta gravata. Fica melhor, não? Perguntou à mãe. Agora vais subir para aquele banquinho O Pires olhou através da máquina e concluiu faltar mais um acerto.

- Segura neste ramo – disse, entregando-lhe um galho de cameleira. Endireita as costas e olha para aquele canto por cima da máquina. Quando eu disser fazes um sorriso.

Apesar do esforço o artista não conseguiu fazè-lo sorrir. O cansaço da viagem e o pouco à vontade, juntamente com o calor, não ajudavam a aparência de uma satisfação não sentida. Ao fim de várias tentativas o Pires disparou a máquina.

Seguiram-se outras fotografias e ainda uma de conjunto entre os companheiros de viagem. As fotografias estariam prontas por volta das duas da tarde. Saíram para fazer as compras e depois almoçarem. Na rua, afrontado pelo calor, admitiu nunca ter imaginado que tirar um retrato fosse tão complicado!

 

(continua)

 

FARO DE VIGO, 10/9/2016

melgaçodomonteàribeira, 24.09.16

24 a2 - mendez_ferrin.jpgméndez ferrín

 

CINE E FRONTEIRA

 

Xavier Nogueira, viaxeiro, historiador, xeógrafo, escribe ao Fondo dos Espellos. “O caso (cóntanos) é que a comezo dos oitenta coñecín en Melgaço certo personaxe digno de lembranza. Presentoumo alguén do lugar que coñecía a súa historia e peripécia (…) Aquel home, xa maior, vivía cerca da Cámara, na rúa que descende lateralmente desde a Praça da República ata a de Hermenegildo Solheiro. Con grande amabilidade relatou como polos anos trinta (ou antes) se dedicara a percorrer as vilas e as festas da contorna nun carromato no que, ademais de servirlle de habitación, transportaba unha máquina de cine, coa que gañaba a vida. Non soamente levaba a cabo proxeccións nas vilas portuguesas senón tamén naquelas outras galegas próximas á raia. Como Bande ou Entrimo. Nomeou, se mal non lembro, varias mais, como Portoquintela, Lobeira e ata creo que Celanova, pero soamente das dúas primeiras teño a certeza”. Despois doutras interessantes consideracións a respecto da película de Manoel de Oliveira sobre o Castro Laboreiro e a raia, tan pouco coñecida entre nós, e logo de referirse ao museo do cine de Melgaço, Xavier Nogueira formula un desexo. Que entre todos consigamos reunir mais datos e documentación sobre “aquel singular personaxe, merecente de ser historiado ainda que só fosse sobre os traballos e atrancos que sem dúbida tivo que passar polos infernais camiños daquelas penedias serranas coa maravillosa máquina de soños no carromato”.
Desgrazadamente, nin na Terra de Celanova nin en calquera outra zona de fronteira da Raia Seca, ou noutras partes, sentín falar desse señor de Melgaço que andaba polo mundo proxectando películas, segundo parece na primeira metade do século XX. Polo menos valía a pena incorpurar a súa memória ao museu de cinema de Melgaço e facer a crónica das súas andadas. En canto a ollada de Manoel de Oliveira, en Viagem ao Princípio do Mundo, á rota prodixiosa que vai de Caminha ao Crasto (sic) Laboreiro, é algo para ser tratado noutra ocasión e de xeito preferente.
Polo momento, pidamos axuda a todos aqueles que poidan proporcionarnos información sobre o señor de Melgaço que percorria a fronteira cunha máquina de cine no seu carro.

Todos aqueles que queixeren colaborar coa súa opinión en NO FONDO DOS ESPELLOS podem escribir por correo ordinário a:

X. L. Méndez Ferrín
Faro de Vigo
Policarpo Sanz, 22
Aptdo. Correos 91
VIGO

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