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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O PELOURINHO

melgaçodomonteàribeira, 14.12.24

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REFUGIADOS EM PORTUGAL. REPRESSÃO E CONTROLO NO CONTEXTO DA

GUERRA CIVIL DE ESPANHA (1936-1939)

Nos últimos dias de agosto de 1936 desenvolveu-se uma operação policial na região de Castro Laboreiro (Melgaço) para se verificar a veracidade das informações recebidas sobre a incursão de espanhóis armados nessa região. Esta operação foi conduzida pelo comandante do posto da GNR de Melgaço, que, seguindo as ordens superiormente recebidas, organizou uma patrulha constituída por 1 cabo e 3 soldados que, com o apoio de 1 guia, se dirigiu para Castro Laboreiro. No seguimento de algumas diligências, as autoridades portuguesas concluíram que as suspeitas relativamente à entrada de refugiados armados nesta região se prendera com a vinda de espanhóis em perseguição de compatriotas fugidos que, por desconhecimento, haviam transposto a linha fronteiriça, pretendendo proceder à captura desses indivíduos e não fazer buscas domiciliárias e ameaçar os habitantes locais.

A região de Castro Laboreiro foi especialmente intensa em termos de batidas policiais, o que se justifica pelo facto de ter sido bastante procurada pelos fugitivos espanhóis, dada a sua proximidade geográfica com Espanha. Nos inícios de setembro de 1936 o comandante da secção da GF de Melgaço chamava a atenção para a realização de batidas na região, uma vez que se suspeitava que aí se encontravam escondidos bastantes comunistas espanhóis. No entanto, tal tarefa não se revelava fácil de concretizar, uma vez que era praticamente impossível capturar refugiados numa região montanhosa como Castro Laboreiro, dado que estes escondiam-se em lugares muito distantes da fiscalização, onde os habitantes locais lhes prestavam auxílio. A acrescentar a esta dificuldade havia o facto de a fiscalização dos postos ser desempenhada por apenas 3 praças, os quais, em virtude da extensa área que tinham a seu cargo, obtinham escassos resultados. Como possível solução para este problema, o comandante da secção de GF de Melgaço sugeria que o destacamento de praças da GNR que se encontrava nessa localidade fosse transferido para Castro Laboreiro, onde se encontravam mais espanhóis refugiados. Não obstante o emprego de diversos meios materiais e humanos na realização destas operações, muitas vezes os resultados conseguidos através das mesmas foram nulos, uma vez que não se capturava qualquer refugiado.

Fábio Alexandre Faria

Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL)

 

AUTORIDADES EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 02.11.24

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marco 51 na ameijoeira  .  castro laboreiro

OPERAÇÕES POLICIAIS PARA CAPTURA DE REFUGIADOS EM

CASTRO LABOREIRO

Sempre que existiam suspeitas de que espanhóis tinham entrado em território português, as autoridades agiam no sentido de verificar a sua veracidade. Foi o que aconteceu no caso das informações recebidas sobre as incursões de espanhóis armados em Castro Laboreiro no final de agosto de 1936. No seguimento destas informações, o comandante do posto da GNR de Melgaço recebeu ordens para organizar uma patrulha para se dirigir a Castro Laboreiro, com a missão de verificar se tinha ocorrido a entrada de espanhóis armados na zona e se estes haviam procedido a buscas nas casas da população local, concluindo-se que tal não se verificara. Esta operação colocou em evidência um dos principais problemas que as autoridades tinham de enfrentar, o difícil acesso em virtude do terreno acidentado e montanhoso.

Podemos colocar algumas hipóteses a partir deste facto: que efetivamente circulavam poucos refugiados na região ou que os refugiados que se encontravam naquela área estavam bem escondidos das autoridades policiais. Devemos também ter em consideração que, com esta afirmação, o oficial português pretenderia querer demonstrar que a vigilância na região era feita de forma eficaz, o que poderia não corresponder totalmente à verdade. Com efeito, a presença de refugiados espanhóis em Castro Laboreiro parece ter sido significativa. Só para o primeiro semestre de duração do conflito espanhol, Ángel Rodríguez Gallardo, baseando-se em testemunhos orais, refere a presença de 480 refugiados na freguesia (Rodríguez Gallardo 2003: 641).

Estas batidas realizaram-se também ao longo de 1937 e 1938, e mesmo após o conflito. Em junho de 1938 era apresentado um relatório por parte do capitão Luís Gonzaga da Silva Domingues relativamente a uma expedição realizada na Serra da Peneda, localizada no Nordeste do distrito de Viana do Castelo, que contou com a participação de elementos da GF da Ameijoeira e de civis para servirem de guias e demonstrou algumas das dificuldades encontradas, nomeadamente maus caminhos, piso irregular e pedregoso, montes e vales com subidas e descidas íngremes.

Este operacional não considerava que existissem refugiados em grande número em Castro Laboreiro, e muito menos que eles tivessem na sua posse grandes armas, admitindo que os que andavam pela região encontravam-se isolados ou em pequenos grupos, abrigando-se em lugares incertos e sustentando-se à custa do que a população local lhes dava, por uma questão humanitária, por receio ou ainda a troco de dinheiro que, eventualmente, os refugiados pudessem possuir, situação favorecida pelo isolamento da região, evidenciando problemas como a carência de estradas e de recursos humanos e materiais.

Os relatórios e ofícios das forças policiais portuguesas atestam a presença de refugiados espanhóis na região de Castro Laboreiro e demonstram que, apesar dos esforços desenvolvidos pelas autoridades, muitos conseguiram escapar à repressão operada pelo regime salazarista. Em sentido contrário, inúmeros refugiados acabaram capturados pelas autoridades portuguesas, levados para as prisões e, posteriormente, expulsos do país.

A 25 de setembro de 1936 existiam 496 espanhóis detidos em Portugal, encontrando-se mais de metade concentrada no Forte de Caxias, o que se justifica pelo facto de ter sido durante o primeiro trimestre da Guerra Civil de Espanha que se registou a entrada de um maior número de espanhóis no país, sobretudo após a conquista nacionalista de Badajoz, como já documentou César de Oliveira (Oliveira 1987). (…) O desenvolvimento do conflito espanhol teve uma influência direta no crescimento do número de espanhóis detidos em Portugal. De acordo com o Registo Geral de Presos, em 1935 o número de espanhóis presos em território nacional não ultrapassava os 40 indivíduos, realidade que se manteve ao longo do primeiro semestre do ano seguinte, quando, até se iniciar a guerra civil, foram capturados cerca de 30 espanhóis.

REFUGIADOS ESPANHÓIS EM CASTRO LABOREIRO (1936-1939)

Fábio Alexandre Faria

Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

Maria João Vaz

Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

 

FRONTEIRA E VIGILÂNCIA NO TEMPO DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA

melgaçodomonteàribeira, 14.09.24

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lámina - desenho de conde corbal

REFUGIADOS EM PORTUGAL. FRONTEIRA E VIGILÂNCIA NO TEMPO

DA GUERRA CIVIL EM ESPANHA (1936 – 1939)

Fábio Alexandre Faria

No distrito de Viana do Castelo a situação apresentava-se mais complicada, sendo constantes os pedidos e as ações de reforço dos postos fronteiriços de vigilância. A 31 de julho de 1936, o Comandante da PSP de Viana do Castelo, Tenente Francisco Pimenta da Gama, comunicava ao comando geral que, em consequência do grande movimento de pessoas na fronteira, resultante do ataque franquista à cidade de Tuy, havia deslocado 22 guardas e um graduado para reforçar os postos fronteiriços da Polícia Internacional e da Guarda Fiscal. Já o governador civil desse distrito, Tomás Fragoso, requeria ao ministro do Interior que fosse reforçado o posto da GNR de Melgaço devido ao facto de se ter registado a entrada por Castro Laboreiro de espanhóis armados que procuravam localizar os adversários políticos que se tinham refugiado em Portugal.

Esta região parece ter sido uma das mais complicadas de vigiar, sobretudo devido ao terreno acidentado e montanhoso. Em finais de agosto de 1936, foi nomeada uma patrulha com a particular missão de investigar se as casas dos habitantes de Castro Laboreiro estavam a ser alvo de buscas por parte de espanhóis armados, concluindo-se que estes eventualmente teriam entrado em Portugal perseguindo algum fugitivo e não para alterar a ordem pública por meio de buscas domiciliárias e ameaças. Segundo este ofício, foram detidos, na mesma altura, quatro cidadãos que estavam escondidos na região de Castro Laboreiro e o chefe da Polícia Internacional de S. Gregório multou os portugueses que tinham acolhido os refugiados, considerando que o fizeram por amizade e não por identificação política.

Para colmatar as dificuldades existentes nesta zona, a PVDE considerava que a reduzida fiscalização dos postos, geralmente levada a cabo por apenas três praças, só melhoraria com um forte reforço, dada a grande extensão da área, e que o destacamento de praças da GNR deveria ser deslocado de São Gregório para Castro Laboreiro de forma a garantir uma fiscalização mais eficaz.

REVISTA PORTUGUESA DE HISTÓRIA 48

Margarida Sobral Neto

Imprensa da Universidade de Coimbra

2017

pp.82-83

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castro laboreiro

 

A REPRESIÓN FRANQUISTA EN GALICIA

melgaçodomonteàribeira, 29.06.24

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desenho de castelao

REFUXIADOS E GUERRA CIVIL NA FRONTEIRA ENTRE OURENSE E PORTUGAL

Ángel Rodríguez Gallardo

IES Pazo de Mercé

O réxime buscou outros médios para modificar a situación deses refuxiados. Un bando firmado o 6 de setembro de 1938 por Germán Gil Yuste, xeneral de división e xefe da Oitava Rexión Militar indicaba que se concedia “un plazo improrrogable de 15 días a partir de la fecha de este para cuantos indivíduos de los que tomaron parte más o menos activa en la revolución marxista, y se hallen todavía huidos en alguna de las zonas montanhosas de la Región, puedan presentarse en la seguridade de que no recicibirán daño alguno si no han cometido delito por lo que tengan que responder ante nuestros Tribunales de Justicia, que jamás se ensañan con los que han de juzgar, lemitándose en su función al estricto cumplimiento da la Ley”. Ademais, os familiares deses fuxidos ou calquera outra persoa que lles axudase, facilitándolles alimentos, roupas ou novas dos movimentos das forzas encargadas da súa persecución, serián severamente sancionados. Esta estratexia debeu ter efecto entre as filas do continxente de refuxiados porque algúns preferiron entregarse pola presión que exerceron sobre os seus familiares.

Co remate da guerra as condicións para introducirse en territorio portugués endurécense. Así, para entrar en Portugal se lle solicita ós estranxeiros pasaporte (con selo da PVDE), título de residencia, billete de identidade visado anualmente ou certificación de inscripción consular para o caso dos españois.

En abril de 1940 aínda a Embaixada española en Lisboa mostra a súa preocupación sobre algúns refuxiados españois que están a cometer roubos a man armada e que, unha vez cometidos os delictos, se internan en Portugal. Nese mesmo mes reforzase tanto do lado portugués como do lado galego a presencia de tropas para vixilar e perseguir ós fuxidos españois. No concello de Entrimo establécese unha compañia enteira de infantería con pequenos destacamentos comandados por sarxentos nas pequenas poboacións da fronteira.   

Aínda en setembro de 1940 vaise organizar un operativo desde o posto fiscal de Castro Laboreiro para proceder á captura dos refuxiados españois que, nos Ribeiros, se encontran armados, sabendo que é empresa moi complicada e que sería preciso unha forza de dezaséis homes para reducir a un grupo de seis refuxiados españois que se encontran armados.

En realidade, ata o finais da década de cuarenta a presencia de fuxidos españois nas serras ó redor de Castro Laboreiro é moi evidente, amparándose, como afirmaba o xefe dun destacamento da Guarda Nacional Republicana portuguesa recrutado para acabar coa presencia de refuxiados na freguesía de Castro Laboreiro:

“Uma batida completa á serra, dada a imensidade desta, exigiria milhares de homens e, em virtude da carência de estradas e caminhos capazes e da falta de recursos, julgo-a impracticável. Enquanto aquela região, pela ausência quasi completa de vias de comunicação, estiver, como está, isolada do resto do País, será sempre um possível refúgio, a que dá imensas facilidades a natureza montanhosa do terreno, formado por enormes montanhas, sulcado de ravinas (barrancos) que são verdadeiros precipícios, frequentemente coberto de gigantescos penedos de caprichosos recortes, e, em muitos sítios, coberto de carvalheiras, giestais de três e quatro metros de altura, urzes, e outra vegetação selvagens. A população vive a vida mais miserável que é possível imaginar-se; as habitações são choças imundas onde as pessoas vivem na mais repugnante promiscuidade com os animais. As culturas, de centeio e batata, únicas que ali se fazem, não chegam para o consumo dos habitantes, e desenvolvem-se lentamente e com dificuldade. Até há pouco tempo, os homens emigravam em grande quantidade para Espanha e França, e, com o produto de seu trabalho nesses países, sustentavam as suas famílias; mas, desde que começou a guerra de Espanha, essa emigração acabou, o que veio agravar extraordinariamente a situação daquela gente. Pelo atrazo em que a população se encontra, pode afirmar-se que fazer uma viagem a Castro Laboreiro corresponde a recuar alguns séculos no tempo. Afirma o abade da freguesia que quasi todos os seus habitantes são comunistas, porque não frequentam a igreja. O que eles são, com certeza, é miseráveis e analfabetos; mas a irreligiosidade daquela gente já era um facto quando ainda se não falava em comunistas. O auxílio que os habitantes tenham prestado aos refugiados explica-se talvez melhor pelo facto de, dado o isolamento em que a freguesia está do resto do País e até do concelho, as suas relações normais serem feitas desde longa data com os espanhóis”.

ACTAS DO CONGRESO DA MEMORIA

Náron, decembro de 2003

www.memoriahistoricademocratica.org

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desenho de seoane

 

 

AMORES EM TEMPO DE GUERRA 3

melgaçodomonteàribeira, 16.09.23

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 delfina e o filho de eudosia, paul féron

Sem possibilidade de apresentar números exatos, todos dizem que por Castro passaram centenas de refugiados. “Algo que foi possível porque a raia seca é muito fácil de ultrapassar”, prossegue Américo Rodrigues. “Nos primeiros tempos da guerra, os polícias portugueses nem sabiam bem o que fazer. É que os que fugiam eram inocentes. Vinham para não ter de morrer a combater.”

Nesse espírito de solidariedade, revela o investigador, muitos castrejos foram presos por acolher refugiados. “Se o conflito fosse do lado de lá, nós também seríamos ajudados por eles”, defende, argumentando que as redes de amizades dos negócios clandestinos foram uma alavanca para os que fugiam. “O contrabando aqui era uma forma de se ganhar a vida e de sobrevivência.” Contrabandeava-se azeite, café e bens de primeira necessidade, “não era droga”, remata Américo.

NOVE ANOS SEM VER O PAI

Matavam-nos a tiro. Mataram tantos, que ela bem ouviu. Ela e muitos dos antigos de Castro Laboreiro. Por vezes, à noite, as balas que furavam os corpos ecoavam no silêncio. Ainda hoje o fazem, mas só na memória dos poucos que sobram daquele tempo. “Matavam-nos pelos montes fora.” Aos “rojos”, os que não alinhavam no regime fascista de Franco. “Ainda lhes posso mostrar por onde fugiam”, diz, apontando para as montanhas que a rodeiam.

Lucinda Alves tem o sobrenome da mãe portuguesa, mas tem sangue espanhol a correr-lhe nas veias e nas palavras. “Já a minha avó me dizia que esta aldeia foi montada por refugiados”. Vestida de negro, abre os braços ao vento, ali no alto, ao lado do cemitério, depois de ter mostrado a campa dos pais, um refugiado da Guerra Civil e uma lavradora castreja.

“Sou filha da guerra. Não fosse ela, eu não estaria aqui.” Sendo que esse “aqui” é um lugar chamado Além, algures no Ribeiro de Cima, em Castro Laboreiro. Uma das terras que durante o conflito da vizinha Espanha mais terá acolhido refugiados.

A guerra, garante, está marcada no coração das pessoas. “Deus nos livre dela. Eu nem gosto de falar sobre isso. Mas deixem-me contar esta que, para mim, é a história mais importante.” Bate com a mão no peito e pede novamente. Na verdade, não pede – suplica, já com o choro a embargar-lhe a voz. Tinha ela uns sete anos quando ouviu a avó gritar o nome dos dois filhos. “Ai meu Jaime, ai meu Manel!” Um chamamento desesperado que ainda parece ouvir aos 78 anos. “Deixem-me contar, que eu era canalha, mas ainda tenho isto aqui ‘atrancado’ no peito. Choro porque me lembro. Eu que sou mãe de três só posso imaginar o que ela sofreu. Já as tenho tido boas, mas nenhuma foi como aquela por que passou a minha avó, que não sabia dos filhos fugidos.”

Quando a guerra estalou em Espanha, Manuel Vasquez, pai de Lucinda, escapou para o Além, que fica depois de Rio de Ossos e antes de Terços. Manuel era de Entrimo, um município raiano da província de Ourense. E era contra Franco. “Se o apanhavam matavam-no.” Então fugiu para Portugal e o irmão Jaime para França. Manuel escondia-se onde podia, nas casas dos amigos portugueses. E corria para os montes quando recebia avisos de que as autoridades portuguesas andavam à caça de fugitivos espanhóis.

Entretanto, ele arranjou namoro com a minha mãe, uma mulher divorciada. Não sei como aconteceu porque não havia grandes explicações”, aponta Lucinda. O certo é que Ermezinda, que Lucinda descreve como “um pedaço de uma mulher”, andava “às escondidas” porque o “Manuel não podia estar em sítio fixo, não fossem os fiscais andarem por aí à procura de refugiados.” Mesmo que a maioria do povo os encobrisse, “porque a gente era humana”, todo o cuidado era pouco. Até porque entre eles havia bufos. Poucos, mas existiam.

Ermezinda e Manuel tiveram duas meninas. O irmão de Lucinda, a mais nova, morreu há pouco mais de um ano. De todo o modo, é ela que se lembra de “mais cousas”. Quando o pai emigrou para França ela tinha sete anos; a necessidade levou a que entrasse clandestino em França, onde a grande procura de mão-de-obra na construção civil proporcionava um salário fixo. Eram 850 escudos por mês, enviado pelo correio.

Lucinda foi quem “deu fôlego” à mãe até o pai regressar, tinha ela 16 anos e estava prestes a casar. No regresso, Manuel foi apanhado e ainda passou uns meses na cadeia de Ourense, até que a madrinha, com contactos, o conseguiu tirar de lá. “O meu pai tinha de tudo. A minha mãe gostava dele, embora ele por vezes bebesse uma pinguinha a mais. Se calhar pelos passados que teve, porque não foi fácil.”

Manuel morreu em 2002, a mãe em 2005. “Tenho aí um bocadinho de terreno. Uma horta que ando a trabalhar. Eu nem sou muito de falar. Mas não hay dia nem noite que esqueça o meu passado. Está todo aqui”, aponta para a cabeça. E, devagarinho, pousa a mão sobre o peito.

 

JN – NOTÍCIAS MAGAZINE

 

Texto de Filomena Abreu

Fotos de Artur Machado/Global Imagens

19/9/2018

AMORES EM TEMPO DE GUERRA 2

melgaçodomonteàribeira, 09.09.23

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 casa do rodeiro, castro laboreiro

Delfina soube que os amigos estavam a salvo, mas passaram mais de 50 anos até voltar a ter notícias de Eudosia. “Um dia ela escreveu ao nosso padre Aníbal. Foi uma alegria.” Disse-lhe o clérigo. “Tive uma carta da professora que esteve com os seus pais.” Apressou-se a pedir o endereço e “no dia seguinte, no monte com o gado”, agarrou “num papel de 25 linhas e, em cima de uma das vacas”, escreveu-lhe “a dizer que era viva”.

Ainda se encontraram três vezes depois disso. Eudosia morreu em 2004, mas a história da professorinha é conhecida em cada canto de Castro. “O polícia que a prendeu, e que arranjou tudo para os meter no comboio e no barco, chegou a dizer por aqui: “Aquela gentinha, se eu tenho dado com eles antes, não tinha sofrido tanto”. E verdade se diga, os que vinham não tinham crime, fugiam das armas. Fugiram porque os tiravam de casa durante a noite para os matar. A guerra de Espanha foi a coisa mais escandalosa do mundo inteiro”, lamenta Delfina.

O conflito foi sangrento. Começou em 1936, quando os militares espanhóis se revoltaram contra o governo republicano, dando o primeiro tiro de uma guerra civil que se estendeu até 1939. Apoiantes de esquerda e de direita digladiaram-se durante vários meses nas ruas. De um lado posicionaram-se as forças do nacionalismo e do fascismo, aliadas ao Exército, e à Igreja. Do outro estava a Frente Popular, que formava o Governo Republicano, representando os sindicatos, os partidos de esquerda e aos partidários da democracia.

A Guerra Civil Espanhola terminou com a vitória dos nacionalistas ou do Movimento Nacional. A República instaurada em 1931 foi esmagada e Francisco Franco passou a governar. Iniciou o franquismo, que caiu anos depois da morte do seu mentor.

Foram 39 anos de ditadura. De repressão. De gente a fugir à fome, à guerra. A saltar as fronteiras, de Norte a Sul de Portugal. E a serem acolhidos do lado de cá. À revelia de Salazar que usou as forças que tinha para apanhar e expulsar os fugidos para Espanha. Para a morte.

A população de Castro Laboreiro teve um papel fundamental na sobrevivência de grande parte dos refugiados. Os castrejos esconderam os galegos em nome de uma solidariedade fraterna sem fim. Nos relatórios da Guarda Nacional Republicana e da PVDE foi com frequência referido que havia “na Serra de Castro Laboreiro e na província da Peneda grande número de refugiados espanhóis”, sobre os quais eram aguardadas informações do paradeiro certo “para proceder às respetivas capturas”.

No entanto, as próprias autoridades reconheciam a dificuldade da missão. Devido às características do terreno mas também à proteção que muitos castrejos davam aos fugidos. Um relatório da PVDE de 27 de setembro de 1937 refere que “nas regiões montanhosas de Castro Laboreiro encontram-se escondidos nas furnas, em plena montanha, desde princípio da guerra em Espanha, bastantes espanhóis. Esta polícia tem feito algumas sortidas que, dada a configuração do terreno e uma frente de 50 quilómetros, têm sido pouco profícuas.

E em 1940, um comandante da GNR destacado para a região de Castro para acabar com a presença mais do que evidente dos refugiados, queixava-se aos seus superiores da empreitada que lhe tinha sido confiada. “Uma batida completa à serra, dada a imensidade desta, exigiria milhares de homens e, em virtude da carência de estradas e caminhos capazes e da falta de recursos, julgo-a impraticável. Enquanto aquela região, pela ausência quase completa de vias de comunicação, estiver, como está, isolada do resto do País, será sempre um possível refúgio (…). A população vive a vida mais miserável que é possível imaginar-se.”

O TIO GALEGO

Maria de Fátima Afonso nasceu depois destes relatórios mas ainda testemunhou a humildade e a pobreza do lugar. A professora Fátima, como é conhecida, mora há 63 anos na Várzea Travessa, em Castro Laboreiro. Apesar da tenra idade, recorda a existência de um tio com sotaque diferente que, só mais tarde soube, se refugiou em Portugal fugido da Guerra Civil espanhola. Era o tio Galego. Casado com a tia Rosa Pintora.

Por muito que puxe pela cabeça só se lembra do sobrenome, Ojea Blanco. “Sentava-me à beira dele enquanto ele fazia os cestos de vime, e a minha tia penteava-me com água e açúcar, para me segurar o cabelo. Viveram ali bastantes anos sem serem incomodados. Trabalhavam na agricultura, nos muitos terrenos que possuíam. “Tiveram dois filhos, com nomes espanhóis. A rapariga era Gomercinda, o rapaz Juanito.” Quando em Espanha “a coisa amainou, eles mudaram-se para Ginco do Lima, o local de onde ele era natural”. Como se conheceram ninguém sabe. Mas era natural. Viviam próximo da raia. Eram vizinhos.

A castreja não tem memória de algum dia a polícia ter andado na Várzea. “Aqui nunca veio ninguém à procura dele. Não que eu saiba.” Se tal acontecesse, o fim da história é conhecido. “Claro que a polícia andava no encalço deles, mas se passassem aqui e perguntassem se tínhamos visto alguém, a gente dizia que não e pronto”.

O tio Galego gozava de boa reputação. “Era muito boa pessoa, amigo do lugar e as pessoas gostavam dele”. O instinto protetor parecia gravado na alma de Castro. “Aqui costumava dizer-se: um por todos e todos por um. Se houvesse algum problema, a vizinhança acudia toda. Era um meio comunitário, era a civilização castreja”. Um meio habituado aos galegos e pronto a fazer frente a Franco. “Aqui houve muitos casos de espanhóis que se juntaram com portuguesas. Depois foram para Espanha. E a minha tia também foi, mas já os filhos eram crescidos. Aqui o povo protegia sem medo. Eles atravessavam e refugiavam-se aqui, por ser um sítio muito pacato. Não havia gente má, também não se saía tanto. Vivia-se naquele pedacinho”.

Além do mais, e fazendo referência ao relatório da PVDE citado há pouco, era do conhecimento comum que por ali “havia polícias bons e maus”. Todavia, os “que se deixavam comprar eram a maioria”, confirma a professora Fátima. “Eles sabiam bem que as pessoas aqui iam buscar farinha, azeite e tudo (à Galiza), porque em Castro não tinha nada.” E as autoridades também fechavam os olhos aos galegos. “Os espanhóis têm esse sentimento de gratidão por causa do acolhimento. Ficamos sempre com esta amizade.” Mais: “Até se diz que somos irmãos.”

“Onde há mulheres e homens acontecem histórias de amor e há descendência, ainda para mais entre povos que conviviam diariamente e que tanto tinham em comum”, explica Américo Rodrigues, do Núcleo de Estudos e Pesquisa dos Montes Laboreiro. “Por isso, para nós, a raia é um espaço de liberdade. A guerra só aproximou mais castrejos e galegos”.

(continua)

AMORES EM TEMPO DE GUERRA 1

melgaçodomonteàribeira, 02.09.23

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 eudosia

 

AMORES EM TEMPO DE GUERRA

 

Texto: FILOMENA ABREU

Fotos: ARTUR MACHADO/GLOBAL IMAGENS

19/9/2018

 

Dizem que o Rodeiro, em Castro Laboreiro, é o fim do mundo. Quando acaba, acaba mesmo. Não há mais estrada. Dalí vê-se o planalto. A raia seca. É Portugal do lado de cá e Espanha do lado de lá, mas é terreno com terreno. Caminhos esbatidos para os que há séculos ali convivem. Foi por esses marcos, que não falam, que passaram contrabandistas e refugiados.

Depois da fronteira encontraram o amor, essa casa onde muitos se aninharam nos tempos da Guerra Civil espanhola. Mergulharam a cabeça da mais nova nas frias águas do rio. “Onde estão escondidos os galegos?” Nada. As agressões continuaram em casa. Pontapearam e bateram em António Rodrigues Rendeiro, o pai da pequena. “Onde esconderam os galegos?” Nada. A tortura já durava a algum tempo e continuaria, mas Eudosia Lorenzo Diz não suportava mais. Saiu do fosso cavado na pedra, sob a lareira da cozinha, onde ela e os pais se tinham refugiado, ali no Rodeiro. “Não batam mais no homem, que ele não tem culpa.”

Os métodos violentos dos agentes da PVDE – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado – não constam do relatório de 17 de maio de 1938, o dia em que fugitivos espanhóis foram encontrados. Tampouco mostram o deslumbramento de João Guilherme da Cunha, o chefe do posto de Melgaço que, naquela data, tinha ido com mais seis guardas à casa dos Rendeiros com o intuito de capturar pai, mãe e filha. No caminho que fizeram a pé, pelo monte, do Rodeiro até à prisão em Melgaço, Eudosia contou ao seu carrasco a história que os tinha levado ali. Tudo tinha começado dois anos antes.

Agustin Lorenzo Puga era capador na zona de Grou e na serra portuguesa. Vivia em Fradalvite, Ourense, e era conhecido como o Masidario. Basilisa Diz Gonzales, a mulher, era lavradora. Tinham três filhos: dois rapazes e a jovem professora Eudosia.

Numa noite de junho de 1936, um mês antes do golpe de Estado falhado contra o governo da Segunda República espanhola que conduziu à Guerra Civil, o Masidario regressava a casa no seu cavalo quando foi vítima de uma tentativa de extorsão.

Armado livrou-se dos agressores disparando para o ar.

Na sequência desse acontecimento, Agustin é obrigado a entregar a pistola às autoridades municipais. Dias depois recebe em casa uma carta dos falangistas. Queriam que pagasse 50 000 pesetas, um imposto revolucionário, caso contrário ele e a família iriam sofrer. A decisão foi tomada na hora: cada um preparou uma mochila com a roupa indispensável e saíram separadamente de casa para não levantar suspeitas. O destino era a franja portuguesa de Castro Laboreiro, onde o capador tinha amigos, acumulados ao longo dos muitos anos de ofício.

Entraram clandestinamente, fugidos dos inimigos franquistas. E uma vez cá passam a ser procurados também pelas autoridades portuguesas. Os irmãos de Eudosia acabam por regressar a Espanha algum tempo depois. A professora fica com os pais. Durante dois anos vivem escondidos, com a ajuda de algumas famílias castrejas, entre as brandas e inverneiras da Serra da Peneda, os núcleos habitacionais temporários utilizados pela povoação para que o gado tivesse sempre pasto fresco, verão e inverno. Sobreviveram misturando-se. Elas disfarçadas de castrejas, com capas negras como as moças da terra, ninguém as reconhecia, nem mesmo a guarda.

Aproveitando a calmaria, Eudosia começou a ensinar clandestinamente as gentes a ler, a escrever, a fazer contas. Delfina Fernandes foi uma das alunas.

“Tinha 15 anos quando ela veio para a nossa inverneira, no lugar da Alagoa. Dormimos juntas. Ela, eu e a minha irmã. Na mesma cama, para não levantar suspeitas”.

Aos 97 anos há coisas que se esquecem, mas não o essencial. “Ensinou-me a numeração, a ler as parcelas até um milhão e a tabuada. A mim e a outros. Ela era amável. E linda. Foi por caridade que os meus pais os acolheram.” Delfina faz eco do que todos dizem por ali.

Naquela época havia muitos refugiados. Escondiam-nos como se fossem pessoas de cá. Toda a gente lhes deu abrigo. Mesmo sendo pobres dava sempre para alimentar mais um.” Porém, apesar do aparente sossego, a pressão das autoridades franquistas para que os encontrassem nunca desapareceu. Divulgaram o nome dos três como sendo gente “perigosa para a causa nacional”.

Quando a estação mudou, a família foi acolhida pelos Rendeiros, na branda do Rodeiro, e ali foram apanhados após denúncia. Delfina lembra-se bem: “Houve um gajo aqui de Castro que teve problemas com a polícia e quando foi apertado revelou a zona onde eles estavam.” Nessa altura, a PVDE aproximou-se da casa de António Domingues. Torturou a família para que confessassem o esconderijo dos galegos. “Bem que podiam matá-los que eles nunca falariam”, assegura Delfina.

O PVDE QUE SE APAIXONOU

Chegados à prisão de Melgaço, e depois de ouvir a história pela boca da Eudosia, João Guilherme da Cunha, o chefe da PVDE que os havia prendido, “já ia encantado por ela”. A bem dizer, “foi amor à primeira vista”, conta Delfina, com um sorriso maroto, explicando que a “professorinha” (como é recordada em Castro), além de “pimpolha”, sabia “falar bem”. Rendido à jovem, o guarda decide ajudar os galegos. “Se ele não fosse casado teria ficado com ela”.

Aos franquistas é comunicada a prisão dos três, mas salienta-se que “devem estar inocentes da acusação que lhes é imputada pelas autoridades espanholas”. Aos olhos do chefe do posto de Melgaço, as acusações eram fruto de “vingança pessoal”, uma vez que Eudosia declarava ter “terminado o namoro com um seu colega, professor e falangista, optando por um advogado que, segundo consta, era esquerdista” e havia entretanto morrido na frente de guerra. Por esse motivo, a família começara a ser perseguida. O relatório termina justificando que, depois de “ameaçados de morte” os galegos fugiram para Portugal.

Ainda que inocentados das acusações franquistas, Eudosia e os pais deviam permanecer em regime de prisão. Contudo, após três dias de cativeiro, mãe e filha foram transferidas para o hospital da Misericórdia de Melgaço, onde passaram a ajudar as freiras a cuidar dos doentes. Já o capador continuou preso.

Durante três meses, tudo foi feito para que obtivessem documentação para saírem do país. Os passaportes e salvo-condutos terão sido facilitados pelo cônsul francês em Lisboa. Mas antes de os meter no comboio que saiu de Melgaço rumo à capital, João Guilherme da Cunha ofereceu a Eudosia um crucifixo. Objeto que ela emoldurou no quarto, quando anos depois pôde regressar a Fradalvite. Uma vez em Lisboa, os três esperaram dez dias pelo vapor Jamique, que os levou para Casablanca, em Marrocos. O medo da morte só passou quando chegaram ao continente africano, às 19 horas do dia 11 de agosto de 1938.

 

(continua)

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GALIZA E CASTRO LABOREIRO - UMA TERRA SOLIDÁRIA

melgaçodomonteàribeira, 30.12.21

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ACTAS DO I CONGRESO DA MEMORIA – NARÓN 2003

 

No primeiro semestre de guerra civil, o número de refuxiados españois na freguesía de Castro Laboreiro, se bem de xeito non estable, acadou, según testemuñas orais, unha cifra entre catrocentas ou oitocentas persoas, cifra que debeu convertirse nunha preocupación, especialmente para os falanxistas da zona que coñecían á perfección o territorio e mantiñan vínculos de intimidade com moitas das familias dos refuxiados, preocupación que finalmente acabarían asumindo las forzas represivas portuguesas, moi especialmente a PVDE.

Assim comenzarían as batidas polas serras, polas brandas e polas inverneiras, na procura dos refuxiados. Os comandantes dos postos, especialmente o de Castro Laboreiro reciben periodicamente ordes de manter unha rigorosa e persistente vixilancia. Algúns días despois amplíanse as ordes, que sinalan que se faga unha limpeza completa de tódolos estranxeiros indocumentados, malia que o número de fuxidos vai medrando ós poucos.

A PVDE sabe da presencia en Castro Laboreiro de varios refuxiados na inverneira de Cainheiras, no lugarfixo de Portelinha, etc. Os falanxistas españois introducíronse en territorio portugués com asiduidade desde as primeiras datas de sublevación, mesmo obrigando a intervención da Comandancia Militar de Ourense que se viu na necesidade de castigar preventivamente a eses elementos incontrolados.

Son moitas as notificacións das policías portuguesas sobre a presencia de “refugiados comunistas espanhóis” entre a fronteira de Amenjoeira e Castro Laboreiro: o grupo formado por Manolo, O Dente de Ouro e o , Ramón Yañez Pereira, O Médico, que se movían por toda a freguesía de Castro Laboreiro, xunto coa amante deste último, Rosa Alves, A Africana, veciña de Ribeiro de Baixo, e nai de catro contrabandistas; fuxidos perseguidos insistentemente pola policía portuguesa e considerados peligrosos como o comunista de Bande, Lelisindo Lopez Pazos e José Alemany; outros fuxidos menos significados como José de Sousa, O Gaiteiro, natural de Pereira (Entrimo), etc. Naquela extensa área que vai desde Alcobaça ata Ribeiro de Baixo estableceuse unha persistente vixilancia, que, sen embargo, resultaba demasiado ampla e difícil de controlar polos obstáculos naturais e a facilidade de refuxios, a meirande deles furnas ou grutas, que topaban os fuxidos na serra cando eran perseguidos.

Desde os postos de Portelinha e Castro Laboreiro tratouse de localizar e capturar ó refuxiado Pepe Trabazos, protexido por unha cidadá portuguesa residente na branda de Qeimadelo, quen coa chegada do inverno trasládase a inverneira no val de Pereira, mentres o seu protexido mantense arriba na branda. A policía portuguesa sigue organizando batidas, algúns dos refuxiados preocupan más ca outros. Ás veces son grupos de sete ou oito policías. Os primeiros dias de decembro de 1936 o tenente de infantería Fernando José Lopes destina un grupo de homes ós postos da serra e a Ribeiro de Baixo para averiguar sobre a “capitana dos refuxiados españois” daquela poboación, a devandita Rosa Alves. Nos dous Ribeiros, de Cima e de Baixo, lugares fixos, lévase tempo notando a presión policial. A PVDE captura a Rosa Alvas, A Africana o 26 de outubro de 1937, moi popular no val de Pereira e con familia na aldea arraiana galega de Olelas, fronte do lugarfixo de Várzea. A comunicación secular entre os dous Ribeiros e as aldeas entrimeñas de Bouzadrago e Pereira tiñan fomentado a creación de roteiros vinculados ó contrabando, empregados polos familiares dos escapados para abastecelos de comida e roupa, evitando ser controlados polos carabineiros españois ou pola guarda fiscal portuguesa.

En Lamas de Mouro a policía ten constancia tamén da presencia de refuxiados antifranquistas. Algúns deles optan por vestir elegantemente porque lles permite alixeirar certa presión das forzas represivas, aínda que prefiren ir armados por se se vem na obriga de defenderse.

Na branda de Seara, doutro lado da Pena de Anamán, hai varios refuxiados españois, entre eles Manuel Fernández González, O Curto, acollido na casa da súa amante. Sospeitando da persión das forzas represivas, pernocta nunhas fragas próximas. Algúns habitantes destas serras son reincidentes en agachar refuxiados españois na serra, polo que se vem sometidos frecuentemente a rexistros nas súas vivendas. Nessa mesma branda está agachada unha familia enteira. Como todos, esperan documentación para internarse ó centro do país, pero resúltales complexo porque Eudosia Lorenzo Diz, de vintecinco anos, quen antes do golpe militar era mestra en San Ginés no concello limítrofe de Lobeira, ten un fillo. Para non levantar sospeitas viste o traxe de típico de castrexa. Ademais, movese cos seus pais: Agustín Lorenzo, un home de cincuenta anos, que sofre as inclemencias dunha hernia, e Basilisa Diz, cinco anos máis nova e que ten un sinal característico na faciana. Outras testemuñas, conseguidas pola policía tras interrogar os veciños, sitúaos na inverneira de Entalada ou na branda de Rodeiro; outras din que están nos lugaresfixos de Ribeiro, quizais na inverneira de alagoa ou nas brandas dos Portos. En realidade, ó integrarse coa poboación local acompáñanos nas súas migracións anuais, e as veces, ante a abafante presión policial e dos confidentes, saltan a algunha aldea galega, como Cabanelas, onde tamém consiguen acocho.

 

Ler mais em: www.memoriahistoncademocratica.org

Entre brandas e inverneiras: refuxiados e guerra civil na fronteira entre Ourense e Portugal

Ángel Rodríguez Gallardo

HOJE COMO ONTEM - SOLIDÁRIOS

GUERRA CIVIL DE ESPANHA - REFUGIADOS EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 06.03.21

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BREVE ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE O NÚCLEO FAMILIAR TRADICIONAL DE CASTRO LABOREIRO

 

DEPOIMENTOS SOBRE A GUERRA CIVIL ESPANHOLA (1936-1939)

 

19/08/2014, Rodeiro

Houve um “casal” (não de matrimónio) que se refugiou no Rodeiro, numa casa que hoje se encontra em ruínas, ao lado de uma outra com uma “alminha” numa das paredes exteriores, no caminho que vai para o forno comunitário, em direcção às cascatas. Este senhor conta que a Guarda sabia da localização deste casal e um dia, a cavalo, dois guardas pararam em frente a esta casa e perguntaram pelo paradeiro destes refugiados. Como a resposta dos habitantes foi muda ou incerta, os dois guardas ataram as mãos de uma senhora de idade com uma corda e lentamente puxaram-na para que viesse a pé atrás dos cavalos, e os “refugiados” vendo isto expuseram-se. A verdade é que uns dos guardas enamorou-se pela rapariga refugiada e casou com ela. Ainda hoje estão casados e por vezes visitam o Rodeiro.

 

10/09/2014, Portelinha

A D. Maria José Fernandes, falecida, habitante de Portelinha, guardou um segredo no tempo da Guerra Civil Espanhola. Houve um médico galego que se refugiou em Castro Laboreiro nessa altura. O local de seu refúgio foi o moinho das Coriscadas, que pertencia à sua irmã, “que morreu com 96 anos”. Os familiares deste médico levavam-lhe comida e livros. “Durante o dia saía, e à noite pernoitava no moinho”. Mas este médico foi encontrado pelas autoridades e levado novamente para Espanha. “O montão de livros que ele deixou lá!”

 

Diana Carvalho

Mestranda em História e Património

ABELTERIVM

Volume III

Maio 2017

 

 

RUA DOS REMÉDIOS

melgaçodomonteàribeira, 04.01.20

1 ac 2 25 abril 115 - política de 1974 em melgaç

De facto, o esconderijo era aceitável. Emitir a um nível inferior ao pavimento da rua sem grandes hipóteses de montar a antena no exterior podia não resultar em qualidade, mas valia a pena experimentar.

A comunicação com Ponta Delgada foi importante, tendo obtido a informação que iriam ser infiltrados dois agentes do SOE que falavam espanhol… um para o norte e outro para o sul do continente, que falavam colaborar estreitamente com ele no comando das operações e composição de células. As coordenadas do terreno onde iriam ser lançados de paraquedas foram dadas pelos serviços portugueses, sendo os agentes e respetivo equipamento apoiados a norte em Castro Laboreiro pelos “argentinos” e no sul por ex-membros da PVDE e da Legião já contactados pelo agente E. Os lançamentos eram efetuados por aviões vindos das Canárias e dos Açores, onde já se encontravam os operacionais. Dependendo das condições meteorológicas estudadas pelos respetivos departamentos militares, se fossem benéficas e coincidissem com noite de lua favorável ao voo à baixa altitude do qual eram lançados as missões eram realizadas. Na véspera do lançamento a BBC emitiria a senha Das Pampas Los ejes de mi carretera interpretado por Yupanqui.

Passaram vários dias, ouvindo a emissão da BBC em português. Relatos de manobras militares, do esforço dos homens e mulheres do Reino Unido em colaborar com as vitórias de Churchill e contrainformação negra sobre os países do Eixo. Alguma música… Nada sobre Yupanqui. Eduardo sabia a ansiedade que os dias de espera provocavam nos operacionais e nos que os iriam receber no solo. Tudo dependia das condições meteorológicas. Até que Fernando Pessa depois de descrever os últimos desenvolvimentos da guerra… e agora Das Pampas Los ejes de mi carretera interpretado por Yupanqui. Oiçam esta voz maravilhosa… Até amanhã.

Estava dada a ordem. Eduardo não sabia quem eram os “argentinos” nem o agente E, mas tinha a certeza de que amanhã seriam lançados reforços no norte e sul. Estávamos no final de abril e em 2 meses estava montado o embrião da guerrilha em Portugal continental.

Entretanto em abril o Terceiro Reich no dia 6 bombardeou a cidade de Belgrado que se rendeu 6 dias depois. No Norte de África na Líbia Italiana começou a Batalha de Tobruk entre as forças das Potências do Eixo contra os Aliados maioritariamente constituídos por tropas Australianas. Erwin Rommel começou a investida do Afrika Korps. O Estado Independente da Croácia foi proclamado em 10 de abril de 1941 e foi reconhecido de imediato pela Alemanha e Itália.

Em 13 de abril o Império do Japão e a União Soviética assinaram o Pacto de Não Agressão nipónico-soviético. Perante a invasão alemã da Grécia que começou em 6 de abril o Primeiro-ministro grego Alexandros Koryzis suicidou-se no dia 18 quando Atenas ia ser ocupada. Três dias depois 230.000 soldados gregos renderam-se. O exército alemão ocupou a capital Atenas, em 27 de abril, avançando para a costa sul da Grécia anexada no dia 30 de abril com a captura de 7000 soldados das forças do Reino Unido, da Austrália e Nova Zelândia. A Grécia foi ocupada por forças militares da Alemanha, Itália e Bulgária. O Governo grego refugiou-se em Creta com o apoio de Aliados e uma feroz resistência civil.

Eduardo mantinha contactos regulares com Ponta Delgada e Londres, fornecendo informações sobre as atividades no terreno e recebendo instruções. Já o fazia de casa. A próxima e arriscada missão era a realização de duas reuniões em separado com os dois agentes SOE recentemente introduzidos em Portugal, que se deslocaram a Lisboa, uma vinda de Vila Real de Santo António e um outro do Minho, concretamente de Castro Laboreiro. Qualquer falha nestas reuniões comprometia a implementação da Resistência portuguesa. O facto de ser uma agente que chefiava a região sul não preocupava Eduardo. Tinha feito a preparação do SOE com algumas mulheres que se mostravam bem aguerridas e competentes. As reuniões seriam em dias diferentes e individualmente com cada um deles. Os locais também diferentes.

pp.193-195

 

RUA DOS REMÉDIOS

Fernando dos Santos

Edições Vieira da Silva

1ª Edição

2019

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Melgaço, do monte à ribeira à conversa com o autor

Mmr – Num livro em que a história se mistura com a ficção onde podemos situar Castro Laboreiro?  Ficção ou história?

FdS – O papel das gentes de Castro Laboreiro no apoio aos refugiados da Guerra Civil de Espanha foi bem efectiva e nada ficcional. Exaustos e perseguidos encontram aqui (contra as ordens de Salazar) o bálsamo da sobrevivência. Alguém conseguiu para eles passaportes falsos da Argentina. Por isso eram conhecidos por “argentinos”.

Mnr – Qual o contributo da gente de Castro Laboreiro na Guerra Civil Espanhola?

FdS – O povo português ajuda sempre os necessitados. Seguramente havia em Castro Laboreiro quem não visse com bons olhos os republicanos espanhóis e em contraste quem os apoiasse à revelia do status salazarista. Mas já alguém viu um natural de Castro Laboreiro recusar alimento ou guarida a quem sofre?