Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

CHUVADA EM AGOSTO

melgaçodomonteàribeira, 10.09.16

110 - Castro Laboreiro - Vila fascinante..JPG

 

 

 

Caminhos e Fronteira na Serra da Peneda

Alguns exemplos nos séculos XV e XVI e na actualidade

 

                                                                                                               Suzanne Daveau

 

Muito forte era na serra, nos anos 70, a marca da emigração para França, sobretudo em Castro Laboreiro. Construíam-se, durante o Verão, vivendas vistosas nas brandas que dominam a vila. Os emigrantes invadiam a montanha durante as suas vacanças, que aproveitavam para celebrar festas e alegres casamentos. No dia 30 de Agosto de 1976, pude ver autocarros carregadíssimos, que se preparavam para deixar a praça central de Melgaço em direcção a diversos pontos de França. A Peneda parecia-se então mais com um anexo afastado de França do que com a ponta avançada de Portugal para norte.

Durante a noite de 28/29 de Agosto de 1976 caiu em Castro Laboreiro uma forte chuvada, que inundou o andar térreo da nova pensão, obra de emigrantes, vistosamente instalada a pouca distância da antiga vila, num lugar baixo para onde convergiam vários caminhos murados. Os donos da pensão, desenraizados da realidade serrana, ignoravam que o clima da Peneda já não é mediterrâneo e incluiu abundantes chuvadas ocasionais no Verão. Ignoravam também as consequências práticas dos pormenores topográficos do lugar. Depois de um dia de muito trabalho, onde tinham servido um banquete de casamento, acordaram sobressaltados em plena noite, no momento em que a água alagava as suas camas e tinha já afogado o motor dos carros de numerosos hóspedes.

A peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora da Peneda, em Setembro, é outro acontecimento que mostra quanto a vida da serra mantém relações estreitas com as regiões periféricas. Teria o maior interesse o estudo aprofundado da sua origem e evolução, bem como do seu raio de acção, em Portugal e na Galiza. Provavelmente as ligações detectadas no século XV com os habitantes das bacias galegas a leste da serra, ter-se-ão prolongado até hoje, através desta importante romaria, que se fazia outrora a pé, mas sobretudo de carro, nos anos mais recentes.

 

Revista da Faculdade de Letras – Geografia

I série, vol. XIX, Porto, 2003, pp. 81-96

 

Retirado de: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/308.pdf

SOBRE O SANTUÁRIO DA PENEDA

melgaçodomonteàribeira, 03.05.14

 

De boina galega e barba branca, o irmão Afonso, missionário em África, vê jogar à  petanca na Peneda

 

 

O SANTUÁRIO NO FIM DO SÉCULO XVIII

 

DESCRIÇÃO QUE SE ENCONTRA NO TOMBO DA FREGUESIA DO SOAJO E SUA ANEXA, A DA GAVIEIRA, ELABORADO EM 1795, TOMBO QUE SE ENCONTRA ARQUIVADO NA BIBLIOTACA PÚBLICA DE BRAGA.

 

   Declarou mais que dentro do limite da freguesia da Gavieira se acha o magnífico santuário da Virgem Santíssima com a evocação das Neves da Peneda, em cujo santuário tem o cura da dita freguesia da Gavieira a posse da chave do sacrário e o direito de sessenta réis de cada missa cantada, de assento cento e vinte réis de cada uma a que assistir, e na mesma igreja da Peneda há uma irmandade que administram vários e diversos oficiais recebendo as avultadas esmolas dos fiéis conforme seus estatutos e sentenças ou provisões reais, no qual santuário há muitos e bons quartéis edificados para agasalho dos romeiros que concorrem por todo o tempo do ano especialmente nos meses de Agosto e Setembro, e com clamores de várias igrejas que constam dos estatutos imemoriais da mesma confraria.

   Aos dezoito dias do mês de Setembro de mil setecentos e noventa e cinco anos, em o sítio do santuário da Senhora da Peneda adonde foi vindo o doutor Jacinto Lemos de Barbosa Lobo de Castro, juiz daquele tombo comigo escrivão dele e o reverendo José António Lobo de Barbosa abade da freguesia de Soajo, e os louvados informadores João Gonçalves Taças e João Domingues de Carvalho para efeito de se proceder na medição deste santuário e declarações deles pertencentes, ao que ele Doutor Juiz mandou proceder na forma seguinte:

   Declarou ele reverendo abade que desde o tempo antiquíssimo da fundação do dito santuário estava ele e seu cura da Gavieira na posse da chave do sacrário e direitos paroquiais de cada missa que nela se cantava sessenta réis, e assistindo a ela cento e vinte réis. Declarou mais que havia no mesmo santuário uma irmandade da Virgem Nossa Senhora das Neves da Peneda com estatutos que se achavam no desembargo requerendo confirmação e outras providências para a administração do mesmo santuário. Item a igreja do mesmo santuário da Peneda pela parte de dentro desde a porta principal até ao altar maior de comprido vinte varas de cinco palmos cada uma e de largo sete varas e dois palmos e pela parte de fora tem de comprido vinte e duas varas e três palmos e pela testa por detrás da capela maior da parte do nascente oito varas e meia, e na frontaria da parte poente onze varas e três palmos onde se incluiu uma torre, que está unida à mesma frontaria, com seu sino. Tem três altares de talha dourada; no maior se acha colocada a imagem da mesma Virgem Senhora das Neves da Peneda, e no altar da parte direita tem a imagem do Senhor Crucificado, e no altar da parte esquerda as imagens de Nossa Senhora do Rosário e São Joaquim e Santa Ana. Tem a dita igreja seu coro de madeira pintado como também seu púlpito e uma admirável porta férrea que divide a capela maior, a qual e todo o corpo da igreja é de abóbadas de cantaria pintada, que, tudo com boa proporção, fazem um magnífico templo ornado com cortinas de seda, muitos e vários ornamentos preciosos com que se celebra o culto divino majestosamente.

   Tem muitos e bons quartéis feitos para a acomodação do imenso povo que concorre com votos, orações e promessas quotidianamente e muito mais nos meses de todo Agosto e Setembro.

   Para este santuário se entra por uma soberba portaria de cantaria lavrada com excelente risco e secção, seguindo logo um padrão que também há-de servir de chafariz, em cujo este se contém a seguinte inscrição: Governando a Igreja Católica o Santíssimo Papa Pio sexto no ano treze do seu felicíssimo pontificado, reinando em Portugal Maria primeira, pia, augusta, fidelíssima, no ano décimo de seu Império, regendo a Igreja Bracarense o arcebispo Dom Gaspar, príncipe, singular, magnífico, no ano vinte e oito do seu governo, os administradores deste santuário, depois de restaurarem suas ruínas, impetrarem a graça do jubileu sagrado, colocarem o Santíssimo Sacramento no tabernáculo santo, ampliarem o antigo terreiro, fundaram estes santos e magníficos edifícios, puseram esta pedra para monumento eterno de seu zelo, triunfo da religião e glória imortal da Santíssima Virgem na era de Cristo de mil setecentos e oitenta e sete.

   Continuam a subir para o terreiro de uma e outra parte importantes passos de cantaria e abóbada lavradas, as quais se acham incompletas, ignorando-se o seu destino.

 

Obra Histórica

Padre Manuel António Bernardo Pintor

Edição Rotary Club de Monção

2005

pp. 205-206

 

UN CAN NA PENEDA

melgaçodomonteàribeira, 25.06.13

 

Peneda – 1913

 

 

A ROMERIA DE NOSA SEÑORA DA PENEDA

 

 

   O dia 6 de agosto erguinme moi cedo para facer a romeria de Nosa Señora da Peneda, camiñando a través das poulas, das gramas, das gándaras; pólos cotos onde pacen, ceibes, as vacas piscas.

   Ía eu na compaña dos meus pais e mais duns cantos da miña aldeã de Casardeita, incluído o abade, aos que, axiña, se xuntaron outros camiñantes de Leirado que levaban a mesma rota. Estabamos moi ledos todos nós. Eu gozaba aquelas vacacións escolares como nunca gozara outras.

   Chegados ao santuario, após de longas horas de duro andar, instalámonos nunhas leiriñas de aló para pasarmos o día e sentirlles cantar o vira ás voces delgadas da raia, que parece que se che espetan na alma.

   A mamai fora ás misas e o papai presentoume dous señores. Un era baixote de barbicha arroxada, careca, que vestía uniforme e resultou ser o Capitán da Guarda Fiscal de Melgaço. O outro, mais mozo, ollos claros e prominentes, alto e de bigote ralo, chamábase João de Sousa Mendes; foime fulminantemente simpático e puxémonos a ligar unha improvisada conversa sobre o saudosismo. Desempeñaba, este segundo señor, as funcións de profesor de Primaria en Castro Laboreiro.

   Pois ben, cando Sousa Mendes se inclinaba para deixar no riacho a folla de bacallau de mollo para o xantar, mentres asobiaba ledamente a Marcha Turca de Mozart, foi agredido por un animal enorme. Un can negro coma o demo que o trabou na gorxa e o deixou morto instantáneo sen que ningún dos presentes fose capaz de lle facer separar as queixadas. Só se detivo o bruto, que era da raza enxebre daquelas serras, cando o Capitán o abateu a tiros da sua arma regulamentar.

   Pouco antes do ataque e de tan terribel morte, o infortunado Profesor, ledamente sorprendido polas miñas afeccións literarias, tan excepcionais ou escasas nos países da raia, entregárame, cun sorriso tímido que lle suliñaba a pouca espesura do bigote, un manuscrito narrativo intitulado O Castelo das poulas, que tirou ao efecto dun peto do seu casaco. Comprobei, na altura, que o Profesor ía moi perfumado. Tales papeis son os que repruducín anteriormente de modo literal, ainda que lixeiramente modificado o texto pola transcripcíon galega.

   Con todo, conservo, melenconicamente, o orixinal en português por se algún esprito cursidoso quixese contrastar. Escuso decer que o luctuoso feito diu moito que falar no estraño triángulo cuxos vértices se sitúan en Celanova, Montalegre e os Arcos de Valdevez.

 

(Castelo)

 

Retirado de:

 

Revista Arraianos

 

http://www.arraianos.com/Arraianos%20n1%208-2004%20Web.pdf

 

Ó SENHORA DA PENEDA

melgaçodomonteàribeira, 04.03.13

 

Santuário da Senhora da Peneda

 

 

Acasalámos em Penso no período das romarias. Palmilhámos até as duas mais soadas romarias: Virgem del Carmo, sobranceira ao rio Minho e Senhora da Peneda.

Lá ouvimos a gaita del pais, muñeras e pandeiradas que conheciamos do circuito: Orense, Ferrol, Corunha, Vigo, La Guardia. Para a Peneda a caminhada esfalfou; desde madrugada por Cousso, Cubalhão - que fresca malga de leite nos ofereceram!- Ribeira, Lagarto, e descer o estreito vale até ao magestoso escadório com patamares e seus obeliscos.

Meio dia a dar no Santuário, quando enfiámos no arraial bilingue. Dançava-se o vira estrepassado, cruzado, o Malhão de Portuzelo, a jota e o fandango. Com a galega que para aqui se desloca desde o principio das novenas, misturam-se a castreja de coques e polainas de branqueta, a melecense de argolas e repas ao lado, a suajense com o saco de borlas p´ra merenda e a arcoense.

Pela meadinha, torcicolos da encosta, a pés-e-pelo desce até adro o povo de Cobalhão e Gave. A súcia com harmónica, viola e pandeireta vinda dos Arcos, Suajo ou Melgaço encaminha-se até aos extremos do vale.

Os foguetes anunciam, de longe até à igreja, as romagens das diversas freguesias com seus amortalhados metidos em caixões. Promessa macabra, mas é mais agastadoura a penitência dos que os carregam aos ombros.

 

Ó Senhora da Peneda,

este ano lá hei-de ir;

hei-de levar-lhe um cravo

que do céu há-de cair.

 

Confrange ver as promessas dos que, de joelhos, sobem trezentos degraus!

Distinguem-se os píncaros escalvados de Espanha; a ribeira pouco se alonga até demarcar a raia.

No arraial, nada de barracas para comedorias. Vendem-se artigos de mercearia e andam de mão em mão púcaras com café.

Nos quarteis da confraria, casarão para os romeiros, com lareiras para os cozinhados, amontoam-se pelo sobrado, com mantas sobre palhas, casais galegos, minhotos e qualquer adventício.

Ali nos estirámos, às escuras, para aquela trituração óssea e para as picadas das setas espigueiras. Pelas janelas abertas via-se o fogo de artifício às luzeiras e estoiros.

Acamaradámos em tal hospedagem com mendigos, atoleimados e muchachas palradoras, indiscretas. Então naquela insónia esfalfante, um dos parceiros que fora fogueteiro entreteve-nos a descrever os grupos de foguetes. "Aquilo são chuvas brilhantes... agora de confettis...de prata e ouro...estrelas...assobios e castanholas... grinaldas... pérolas tremidas... lagartos... bichinhos de seda... bichinhos..." E com eles adormecemos, exaustos!

 

 

 No regresso descansámos em Cobalhão, porque preparavam para após a ceia os cortiços, espadeleiros, linho e raminhos de alfádega para a espadelada.

Ao fundo do lagedo da areia, dois canastros corridos, esteados. As lavradeiras de lenços atados, sentadas em bancada semicircular a espadelarem sobre os cortiços. Atrás, em conversata segredeira, os namorados com violas e outros instrumentos.

O rapazio encarregara-se de regar as falas, daqui para ali, com os cabaços de vinho.

A lua em quarto crescente parecia que ia descendo devagarinho os declives serranos. E o linho crespo amacia-se, aveluda-se com o fio das espadelas. Sumiu-se o luar, mas lá estavam as candeias suspensas nos caniços e mai-lo vinho e o pão para espertinarem, ao cabo da tarefa.

Já a distância, pela noite, por ermos e pedragosos caminhos, ainda ouvíamos cantar na eira, e o singelo coro predileto desse noitada ficou-nos na outiva, sincronizado com a silhueta das minhotas a espadelar.

 

Por Armando Leça

Colecção Folclore

Música Popular Portuguesa

Editorial Domingos Barreira – Porto

Pag. 133/134

 

 

A Caminho da Peneda

 

Recordo os dias em que saía ao nascer do sol, ao encontro dos amigos e ála que se faz tarde e a Sr.ª da Peneda não é ao virar da esquina! Tínhamos que chegar a Lamas de Mouro, subir, subir, até ao Coto do Lagarto que era como uma miragem; acaba a subida e: vamos rapazes que é sempre a descer e a festa já está ali. E o que víamos pelo caminho? Serras a tocar o Céu com os picos assentes num manto de algodão, o cheiro do farnel a fazer morder os lábios que ainda não são horas de comer, as piadas deles p'ra elas e a resposta sempre na ponta da língua, porque nunca foram mulheres para aguentar e calar. A serra, pedregulhos para ali atirados por deuses zangados, o sussurrar sereno do regato que tempos depois será o "ai meu Deus" , que tudo leva em frente, o degelo das neves não é coisa com que se brinque. E sempre à espera do sorriso ou piscar de olho daquela que é a mais arisca mas também a mais namoradeira.! E a festa é já ali, pode-se abrir o farnel.... Bombos, concertinas os braços levantados das moças, enquanto rodam... rodopiam... dançam!

 

Camborio Refugiado