Santuário da Senhora da Peneda
Acasalámos em Penso no período das romarias. Palmilhámos até as duas mais soadas romarias: Virgem del Carmo, sobranceira ao rio Minho e Senhora da Peneda.
Lá ouvimos a gaita del pais, muñeras e pandeiradas que conheciamos do circuito: Orense, Ferrol, Corunha, Vigo, La Guardia. Para a Peneda a caminhada esfalfou; desde madrugada por Cousso, Cubalhão - que fresca malga de leite nos ofereceram!- Ribeira, Lagarto, e descer o estreito vale até ao magestoso escadório com patamares e seus obeliscos.
Meio dia a dar no Santuário, quando enfiámos no arraial bilingue. Dançava-se o vira estrepassado, cruzado, o Malhão de Portuzelo, a jota e o fandango. Com a galega que para aqui se desloca desde o principio das novenas, misturam-se a castreja de coques e polainas de branqueta, a melecense de argolas e repas ao lado, a suajense com o saco de borlas p´ra merenda e a arcoense.
Pela meadinha, torcicolos da encosta, a pés-e-pelo desce até adro o povo de Cobalhão e Gave. A súcia com harmónica, viola e pandeireta vinda dos Arcos, Suajo ou Melgaço encaminha-se até aos extremos do vale.
Os foguetes anunciam, de longe até à igreja, as romagens das diversas freguesias com seus amortalhados metidos em caixões. Promessa macabra, mas é mais agastadoura a penitência dos que os carregam aos ombros.
Ó Senhora da Peneda,
este ano lá hei-de ir;
hei-de levar-lhe um cravo
que do céu há-de cair.
Confrange ver as promessas dos que, de joelhos, sobem trezentos degraus!
Distinguem-se os píncaros escalvados de Espanha; a ribeira pouco se alonga até demarcar a raia.
No arraial, nada de barracas para comedorias. Vendem-se artigos de mercearia e andam de mão em mão púcaras com café.
Nos quarteis da confraria, casarão para os romeiros, com lareiras para os cozinhados, amontoam-se pelo sobrado, com mantas sobre palhas, casais galegos, minhotos e qualquer adventício.
Ali nos estirámos, às escuras, para aquela trituração óssea e para as picadas das setas espigueiras. Pelas janelas abertas via-se o fogo de artifício às luzeiras e estoiros.
Acamaradámos em tal hospedagem com mendigos, atoleimados e muchachas palradoras, indiscretas. Então naquela insónia esfalfante, um dos parceiros que fora fogueteiro entreteve-nos a descrever os grupos de foguetes. "Aquilo são chuvas brilhantes... agora de confettis...de prata e ouro...estrelas...assobios e castanholas... grinaldas... pérolas tremidas... lagartos... bichinhos de seda... bichinhos..." E com eles adormecemos, exaustos!
No regresso descansámos em Cobalhão, porque preparavam para após a ceia os cortiços, espadeleiros, linho e raminhos de alfádega para a espadelada.
Ao fundo do lagedo da areia, dois canastros corridos, esteados. As lavradeiras de lenços atados, sentadas em bancada semicircular a espadelarem sobre os cortiços. Atrás, em conversata segredeira, os namorados com violas e outros instrumentos.
O rapazio encarregara-se de regar as falas, daqui para ali, com os cabaços de vinho.
A lua em quarto crescente parecia que ia descendo devagarinho os declives serranos. E o linho crespo amacia-se, aveluda-se com o fio das espadelas. Sumiu-se o luar, mas lá estavam as candeias suspensas nos caniços e mai-lo vinho e o pão para espertinarem, ao cabo da tarefa.
Já a distância, pela noite, por ermos e pedragosos caminhos, ainda ouvíamos cantar na eira, e o singelo coro predileto desse noitada ficou-nos na outiva, sincronizado com a silhueta das minhotas a espadelar.
Por Armando Leça
Colecção Folclore
Música Popular Portuguesa
Editorial Domingos Barreira – Porto
Pag. 133/134
A Caminho da Peneda
Recordo os dias em que saía ao nascer do sol, ao encontro dos amigos e ála que se faz tarde e a Sr.ª da Peneda não é ao virar da esquina! Tínhamos que chegar a Lamas de Mouro, subir, subir, até ao Coto do Lagarto que era como uma miragem; acaba a subida e: vamos rapazes que é sempre a descer e a festa já está ali. E o que víamos pelo caminho? Serras a tocar o Céu com os picos assentes num manto de algodão, o cheiro do farnel a fazer morder os lábios que ainda não são horas de comer, as piadas deles p'ra elas e a resposta sempre na ponta da língua, porque nunca foram mulheres para aguentar e calar. A serra, pedregulhos para ali atirados por deuses zangados, o sussurrar sereno do regato que tempos depois será o "ai meu Deus" , que tudo leva em frente, o degelo das neves não é coisa com que se brinque. E sempre à espera do sorriso ou piscar de olho daquela que é a mais arisca mas também a mais namoradeira.! E a festa é já ali, pode-se abrir o farnel.... Bombos, concertinas os braços levantados das moças, enquanto rodam... rodopiam... dançam!
Camborio Refugiado