MELGAÇO, ENTREVISTA A UM EMIGRANTE
estacionamento em agosto na vila anos 1980
ENTREVISTA
Nome: Entrevistada número 2
Idade: 29 anos
Género: Feminino
Profissão: Licenciada em Direito
País de Acolhimento: França
Inv: Porquê é que emigrou?
Id: Os meus pais ‘tão em França, e, eu nasci lá, sou francesa e portuguesa ao mesmo tempo. Felizmente, os dois países deixam haver dupla nacionalidade.
Inv: A situação política portuguesa, nomeadamente, a guerra colonial pesaram na sua decisão?
Id: Não sei, para os meus pais…, isso é do tempo deles. Mas, como ‘tão sempre a dizer mal de Portugal, é bem possível.
Inv: E o regime fascista do Estado Novo?
Id: Devias ter escolhido uma pessoa mais velha para fazer a entrevista.
Inv: Porque não se dirigiu para as antigas colónias portuguesas?
Id: Olha, nos dias de hoje, não seria má ideia. Quando entramos nas perguntas do picanço?
Inv: É rápido, não te preocupes.
Inv: Como imaginava a sociedade de acolhimento, antes de emigrar?
Id: Pois, essa só se for Portugal, eu, a bem dizer emigrei para Portugal. Sou francesa e passava mais tempo na França. É normal que sinta isso. Sou advogada e não posso exercer cá, se não fossem os meus pais a trabalharem ‘tava tramada, mas quero ficar cá, em Portugal, tenho que fazer o exame na Ordem. De Portugal conhecia Melgaço, era a imagem que tinha. Há dois meses ‘tive em Lisboa, no Algarve e no Alentejo, é muito bonito.
Inv: Conhece algumas artimanhas usadas pelos emigrantes para dar “o salto”?
Id: Em França? Nem sim nem não. Não tenho nada contra a França. Na faculdade, como sou loira e alta, quando dizia que era portuguesa não acreditavam. Na minha faculdade, que eu saiba, era a única portuguesa. Na França não se liga tanto como cá de onde vimos, há muita mistura. Os portugueses, em França, portando-se bem, não são notados. O problema deles é que se portam sempre bem. E os outros, os árabes, os asiáticos ficam com os direitos todos, passam-lhes a perna. Nem com a União Europeia se notou diferença, falam em direitos, mas não os dão. Quem gosta dos portugueses é o Le Pen. Esse é um hipócrita. Há uns anos chamou os portugueses de porcos, incluindo o presidente de Portugal e, nas eleições, precisa dos portugueses. Os emigrantes não sabem lutar pelos seus direitos.
Inv: Alguma vez se sentiu descriminada no país de acolhimento?
Id: São os mais velhos que falam disso, mas só falam disso nas férias, em França não falam, sentem vergonha. E, em Portugal, quase se gabam.
Inv: A sua integração no país de acolhimento foi difícil ou fácil? Poderia descrever algumas peripécias?
Id: Nasci lá, nunca senti nada disso, acho que os muçulmanos são descriminados. Na França, é proibido enviar currículos com o nome e fotografia porque eles não são empregados. Os portugueses não são descriminados, acho que são consentidos, se se portarem bem. Mas, há problemas com os portugueses, há portugueses a viverem muito mal. Mas, a isso ninguém liga, nem cá nem lá, desde que trabalhem e se considerem franceses, tudo bem.
Inv: São conhecidas as disputas (picanços) entre emigrantes e residentes, por exemplo, durante as férias, era realizado um jogo de futebol entre emigrantes e portugueses, qual nem sempre acabava da forma disciplinar mais correcta. Poderia descrever outras formas de “picanço”?
Id: Isso ainda existe, nas discotecas. Em Monção na (nome da discoteca) há sempre problemas, aqui, não há discotecas.
Inv: Como explica esse comportamento, por parte dos residentes? Ou seja, na sua opinião, qual seria a razão dos residentes” picarem” os emigrantes?
Id: Só os parvos é que picam os emigrantes. Às vezes, mandam uma boca, mas isso é tudo. Só os parvos é que vão mais longe.
Inv: Sendo portuguesa, alguma vez se sentiu descriminada ou mal tratada, em Portugal, pelo facto de ser emigrante?
Id: Só nas bocas, o resto, evito os sítios com essas pessoas parvas.
Inv: Durante as férias, quando o número de emigrantes era superior ao de residentes, os emigrantes e residentes frequentavam locais públicos diferentes. Na sua opinião, qual era a razão para tal comportamento?
Id: É o que acontece nas discotecas com os mais novos. Talvez porque só falam francês. É muito fácil assim.
Inv: Como explica o facto dos residentes, durante as férias, se reunirem somente entre eles?
Id: É a mesma coisa, mas ao contrário, quando era mais nova, nas discotecas, os rapazes de cá, vinham falar connosco e os rapazes emigrantes tinham ciúmes, na altura, até era giro, mas é realmente uma estupidez.
Inv: Em espaços públicos, por exemplo, num café, alguma vez foi “olhada de lado” pelos residentes não emigrantes?
Id: Pois, é… é bem assim. Explico: porque os portugueses nunca se juntaram, não têm força.
Inv: Como pode explicar esta afirmação normal entre os emigrantes: “Em França somos portugueses, em Portugal somos franceses”?
Id: Claro, sou francesa, mas é cá que me sinto melhor. Na França, as pessoas são mais isoladas, aqui, é mais fácil conhecer as pessoas, fazer confiança com elas. Foi por isso que, eu, vim para Portugal.
Inv: Acha que adquiriu formas de estar, de viver, do país de acolhimento? Quais?
Id: Em algumas coisas sim, noutras não. A sociedade francesa é mais fria, não querer saber das pessoas.
Inv: Acha que os residentes teriam a ganhar se adoptassem também essas práticas?
Id: Antigamente, reparava que, às vezes, não gostamos dos emigrantes e não ligava a isso. Mas, como ‘tou cá, às vezes, vejo que alguns emigrantes, realmente, não são normais.
Inv: Acha que os residentes tinham razão quando diziam que os emigrantes eram todos uns convencidos e uns arrogantes?
Id: E…
Inv: Como explica o facto de que Portugal, sendo o país dos descobrimentos espalhados pelos cinco continentes, “obriga-se” os portugueses a passarem pelas dificuldades de quem emigrava?
Id: É a história, nós somos emigrantes.
(Fecho da entrevista)
OS EFEITOS DO VAIVÉM DA EMIGRAÇÃO CONTINENTAL:
UM ESTUDO DE CASO EM MELGAÇO
Joaquim Filipe Peres de Castro
Universidade Fernando Pessoa
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
Porto, 2008