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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MUNDO DO FANTÁSTICO NO VALE DO MINHO

melgaçodomonteàribeira, 03.02.24

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convento de paderne

A PROCISSÃO DE DEFUNTOS

“Morava eu com os meus tios. O meu tio, que se chamava Cândido, era um corpo aberto: falava sozinho…, arrastava os socos…, tinha, assim, um comportamento diferente, mas era boa pessoa!

Uma noite, estava eu a arrumar a cozinha, mesmo ali perto da janela que dava para um caminho que ia para Castro Laboreiro. Mesmo junto havia uma Capela do Santo Cristo. Eu estava, então, a arrumar a cozinha e fui abrir a janela. Por ali passavam as gentes de Castro Laboreiro para irem para as feiras. Eles iam às feiras da Barca, dos Arcos, e saíam à quarta-feira. Traziam os porcos, os animais e outras coisas. Lá ao fundo, na entrada da vila, havia um posto de gasolina onde as camionetas paravam para meter gasolina. Quando era noite, as luzes, assim viradas para cima, para Castro, enchiam tudo de luz. Antigamente era tudo escuro…, não havia luz como agora! E eu ouvia os castrejos a rir e a falar, o ruído dos porcos… Era um divertimento! Naquele tempo não havia nada, nem rádio. Aquilo para mim era uma alegria.

O meu tio chegou à minha beira e disse: Rapariga! – Que é que me quer? – Fecha a janela! E eu respondi: - Não fecho! Pois eu estava ali só a me divertir… Mas ele disse-me assim: ou fechas a janela ou levas uma bofetada! Ele nunca me tinha falado assim! Vi que era coisa grave e fechei a janela.

Fechei a janela e deixei-o ir para a sala. A sala era grande e ficava ao fundo da casa. Ele lá foi, com os socos a rasto e a falar sozinho… era seu hábito… hui!, quantas vezes eu já o tinha escutado a falar assim… Mas depois, para me vingar dele, abri a janela. Ao abrir a janela vi aquelas luzes todas…, de várias cores: umas eram como a luz do sol, clarinhas; outras de um cor-de-rosa também clarinho; outras verdinhas…, mas muitas luzes!

Quando fixei melhor o olhar, aquilo saltitava de um lado para o outro…, umas mais altas e outras mais baixas (os homens são mais altos e as mulheres são mais baixas… nos enterros vão homens e mulheres). E saltitavam e iam a correr ali pela estrada fora, pelo caminho. Eu fiquei assim um pouco tonta: isto não é uma procissão de velas…, não vejo nenhuma pessoa!, só vejo ali as velas. Como é que elas saltam? E depois na frente vi uma grande luz, e essa grande luz ia lá no alto, por cima de todas! No outro dia vi o enterro e compreendi: era o mordomo que ia à frente e levava o crucifixo lá no alto. E a cabeça do Santo Cristo, aquela imagem na cruz, parecia uma roda de luz como uma tigela cheia de luz, fluorescente. Tinha uma cor… assim encarnado que não era bem encarnado… um cor-de-rosa…

E aquela luz ia na frente e comandava as outras luzes. As outras iam todas atrás dela. E eu não tive medo nenhum! Hoje é estrada, mas antigamente era um caminho fundo. E aquelas luzes meteram-se para o caminho do cemitério, e foram desaparecendo com a outra luz lá em cima.

No dia seguinte morreu um homem que vinha lá à Quinta, que eu conhecia muito bem. Ele tinha trinta e três anos e deixou uma mulher com trinta e três, trinta e um anos, com dois filhinhos. Eu fui ver o enterro, na beira da estrada, e aí vi que Cristo era mesmo a luz que ia lá em cima. Não disse nada ao meu tio porque tinha medo que ele me batesse, pois talvez ele pensasse que me acontecesse o mesmo que lhe acontecera a ele, como me contou a minha avó.

Quando ele tinha dezasseis anos, e diziam até que era um homem muito bonito… Um dia vinha de tapar uma água ali para os lados do cemitério, com um bonito chapéu (daqueles redondinhos como se usava naquele tempo) na cabeça. Então, passou por ele um grande cavalo branco que ia no caminho para Castro Laboreiro, e que atirou o chapéu dele para longe, e ele assustou-se! Assustou-se e ficou com o corpo aberto. Depois quando morria uma pessoa, ele sabia-o na véspera. Eu própria sou testemunha, pois a minha cama ficava encostada à parede do quarto ao lado do dele. De noite, ouvia-o gemer. E perguntava-lhe: Tio Cândido, o que é que teve ontem à noite? – Ah moça, eles “judiam” de mim… botam a burra à camisa; a canga às calças… judiam de mim!

Ele quando passou pelo cavalo ficou maluquinho. Mas a minha avó disse que fora com ele a uma mulher e que o fecharam com sete chaves de sete igrejas. Mas ele ficou sempre assim com o corpo aberto a estas coisas. Depois não era maluco, mas era assim bonzinho…, não se metia com ninguém. Via-se que, às vezes, com “a vista à ferida”… aquela vista, assim fixa nas pessoas… O maior sofrimento dele era à noite. Sempre a gemer, queixava-se que as pessoas se metiam com ele: “Judiam de mim!”.

Um dia encontrei-o de baixo de uma “lata”, assim deitado com os olhos abertos… Pensei que tinha tido um ataque: - Ó Tio Cândido, vossemecê o que é que tem? – Atiraram comigo…, atiraram comigo… Passaram com uma burra muito grande… - Mas aqui não passa uma burra! – Atiraram comigo moça…”.

Dª CONCEIÇÃO DE PADERNE, MELGAÇO, COM 56 ANOS

CAMINHANDO PELO MUNDO DO FANTÁSTICO DO VALE DO MINHO

ÁLVARO CAMPÊLO

REVISTA ANTROPOLÓGICAS Nº 6

2002

UM LENÇOL NO CASTELO DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 18.01.20

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LUGAR DAS CHEDAS

O lugar das Chedas fica situado na freguesia de Cristóval, na encosta da serra da Aguieira, entre o monte baldio das terças e os cotos da Atabaia, limitado pelo antigo caminho que fazia ligação entre as Lamas da Aveleira e Fiães. Uma zona com bastante arvoredo, onde predomina o carvalho, o vido e a giesta, e existem ainda alguns anelhos de feno.

Desde criança sempre ouvi dizer que naquele local tinha morado gente.

Segundo me contou o sr. António Marques, conhecido pelo Tónio “Trinta”, ao lado da sua propriedade existem ainda as paredes de uma casa paupérrima.

Como conheço o local, no dia 9 de Julho de 2001, pus os pés ao caminho, fui ver umas propriedades pertenças da família nas Terças e na Ameixeira. Andei mais um pouco e desloquei-me ao local indicado pelo Tónio “Trinta”.

Com bastante dificuldade, devido à densa vegetação, mas lá consegui encontrar o local da dita casa, para tirar algumas fotografias que confirmam e testemunham a existência das paredes de uma casa bastante antiga.

As paredes da dita casa encontram-se do lado direito da carrelheira de acesso ao anelho de feno do Tónio “Trinta”, numa tapada que pertence à família do falecido José do Val, conhecido por Zé “Palhaço”.

Pelo que o avô do Tónio “Trinta” lhe contava, essa casa foi utilizada pelo salteador Tomaz das Quingostas, Capitão da quadrilha do Alto Minho.

Dado se tratar de um local isolado e afastado das populações, era o local ideal para o dito Capitão reunir com a sua quadrilha e planear os assaltos a fazer naquelas redondezas.

Contou-me ainda que um dia o Tomaz Codeço de seu verdadeiro nome foi à casa do avô do Tónio “Trinta” para lhe comprar uma junta de bois. O velho homem disse que não vendia, claro, sabia que não lhos ia pagar.

Mas de nada lhe valeu, o Tomaz disse: «Compre outros que estes são meus» e lá lhe levou os bois, contra a força não há resistência, ninguém se opunha ao poderoso Capitão da Quadrilha de Salteadores.

Passados uns dias, Tomaz Codeço foi a casa do dito senhor, levar-lhe o dinheiro dos bois.

O senhor olha para o dinheiro, viu-o cheio de zebro e disse: “este dinheiro é falso”. O Capitão disse-lhe: “Há seu burro, passe-o pelo cabelo da cabeça, limpe e verá que é verdadeiro”. O senhor fez o que o capitão lhe ordenou. Na verdade, o dinheiro era verdadeiro.

O capitão Tomaz diz ao senhor: “Não precisa dizer-me que é verdadeiro, esses pesos são de prata e ainda ontem à noite estavam na casa do padre de Monte Redondo”.

O dinheiro com que o Tomaz Quingostas tinha pago os bois era proveniente do último assalto praticado pela quadrilha do capitão.

Dado tratar-se de quem era, o avô do Tónio “Trinta” tinha pensado: “lá se vão os meus boizinhos, não vou receber dinheiro nenhum”. Mas não, o capitão cumpriu a palavra: “compre outros bois que estes são meus”. O pobre do homem só Deus sabe quanto sofreu, enquanto não recebeu o dinheiro.

Os ladrões por vezes também têm boas acções, e esta foi uma delas.

Como digo, em princípio, as pessoas antigas vão rareando e os mais novos pouco ou nada ligam, e estas coisas vão-se perdendo com o tempo.

Isto é verdade, passou-se comigo, há cerca de 40 anos ouvi várias histórias sobre o Tomaz das Quingostas e não passei cartuxo, como se costuma dizer. Hoje não penso assim, acho que devemos preservar e ouvir com atenção aquilo que os mais velhos nos dizem.

Estava a conversar com um senhor de Alvaredo, chamado Joaquim Basteiro e conhecido por Joaquim “Torno”, à porta da sua casa no Maninho em Alvaredo e passou uma rapariga e ele disse: “Aquela se fosse no tempo do Tomaz das Quingostas o pai tinha que levar-lha a casa, dele”. Não liguei ao que o sr. Joaquim “Torno” queria dizer com aquilo.

Quando há tempos conversei com o António “Trinta” sobre o Tomaz das Quingostas, depois de me ter contado as histórias que já contei, disse-me: “Olha Zé, além do que já te disse sobre esse homem, vou-te dizer uma coisa que não te havia de dizer. Se tinhas uma filha boa, se ta mandasse levar a casa, tinhas que levar-lha, ou senão eras linchado, também ouvi isto ao meu avô”.

Pensei um pouco, olhei para ele e disse-lhe: “Já não és o primeiro a dizer-me isto”. De repente, veio-me à minha mente aquilo que o Joaquim “Torno” me queria dizer há cerca de 40 anos atrás e eu não prestei a devida atenção.

Sobre este testemunho aos leitores não é difícil adivinhar qual a intenção do Tomaz das Quingostas. Sem comentários, não tenho palavras para comentar este acto deste salteador.

Não posso confirmar nem desmentir, pelo que ouvi e li, este homem monstruoso trazia o povo do Alto Minho aterrorizado.

No entanto, havia quem dizia que roubava aos ricos para dar aos pobres. Isto passou-se entre finais do século XVIII e o primeiro quartel do século XIX. Será que nessa altura já era financiado algum grupo político ou terrorista?

Uma coisa é certa, segundo afirmam, quando saía a tropa para o prender, alguém subia ao castelo de Melgaço e dependurava um lençol, de maneira a ser visto das Quingostas. Era sinal para ele fugir que as forças da ordem o iam prender.

Certamente que havia algum agente infiltrado nas forças da ordem, que protegia o capitão da quadrilha de malfeitores do Alto Minho.

Acerca deste assunto, os leitores que o desejarem, podem encontrar na Casa da Cultura literatura escrita pelo Dr. Augusto Esteves, com mais pormenores, sobre o referido capitão de quadrilha do Alto Minho “Tomaz Codeço”.

 

Melgaço, Minha Terra – Minha Gente

Histórias de um Marinheiro

José Joaquim da Ribeira

Edição: Câmara Municipal de Melgaço

             José Joaquim da Ribeira

2006

pp.73-75

l

A CRUZ DE PENAGACHE - VERSÃO 2

melgaçodomonteàribeira, 02.11.19

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monte de penagache por teresalaloba

 

(continuação)

 

2

 

Outra versão que corre lá pelo mesmo pueblo raiano e que já devia ter história bem antes da existência da cruz, por isso será do domínio da fantasia, acha o narrador, tem a ver com a existência de uma gruta debaixo dos cotos de Penagache. Todos os avós contavam que ali, como noutros lugares semelhantes, se encontrava escondido um grande tesouro. As moedas de ouro e prata, as pedras preciosas e as joias eram tantas que uma pessoa sozinha não seria capaz de os tirar de lá, por isso a procura do tesouro seria uma tarefa de equipa. Uma noite, saíram três amigos que se davam como irmãos para tentarem a sua sorte na gruta. Não lhes faltava ousadia, mas a noite sempre arrefece o ânimo, tanta coisa pode sair das sombras, tantas almas penadas escolhem os lugares mais recônditos para cobrarem pelos seus pecados, o melhor era manterem-se bem juntos, até porque a lanterna alumiava pouco e a fraca luz faz fraca a forte gente.

Ter-se-ão introduzido na gruta de que conheciam a entrada e os perigos associados ao seu interior, o que terão encontrado ninguém o sabe ao certo, mas o que foi do domínio público foi a desavença ocorrida lá mesmo, nas entranhas da terra, debaixo dos cotos de Penagache. Dois dos pesquisadores do tesouro agarraram-se ao mesmo cordão, cada um puxando para seu lado no fito de levar a melhor sobre o outro. Uma rajada de vento, surgida sem se perceber como, apagou a lanterna e deixou-os na maior escuridão. Enquanto os dois que se gladiavam pela corrente de ouro continuavam a sua peleja, o terceiro, borrado de medo, conseguiu alcançar a entrada da gruta e saiu à procura do céu estrelado e do luar. Respirando a plenos pulmões, aproveitou para exortar os outros a pararem, mas não deu conta de mais nada, não via, não ouvia, ninguém dava qualquer sinal. A solidão era tão pesada como o medo do escuro que o fizera abandonar a cova, pelo que meteu os pés ao caminho e correu para casa, tropeçando aqui, caindo, levantando-se, retomando o regresso ao convívio dos seus. No dia seguinte foi à procura dos amigos, mas não estavam em casa. E no outro também não. Só quando a ausência se tornou intrigante é que teve coragem de contar a façanha em que se tinham metido. Meia dúzia de homens empreenderam a caminhada até aos cotos de Penagache, o rapaz com eles para os orientar na entrada da lapa. Deram com os dois caídos no chão, um com uma navalha espetada na garganta, o outro com a cabeça empapada em sangue, parecia ter batido numa pedra e ali ficara. O primeiro estava morto, o segundo moribundo, quase inaudíveis as palavras que conseguia balbuciar.

Do tesouro não havia sinal e não fora a dor verdadeira que emanava do sobrevivente daquela aventura ninguém acreditaria nele. Ainda houve quem quisesse culpá-lo da morte dos dois amigos, mas o estado de catatonia em que ficou, incapaz de dizer coisa com coisa, autoflagelando-se e sem sentido de orientação livraram-no da justiça. A família dos finados para dignificar o lugar de partida de almas arrancadas ao corpo contrariando a lei natural da vida.

 

(continua)

 

A CRUZ DE PENAGACHE - VERSÃO 1

melgaçodomonteàribeira, 26.10.19

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davidexordos - pt.wikiloc.com

 

A CRUZ DE PENAGACHE

(uma história, três versões)

 

1

 

Os mais antigos falam dela como de algo quase imaterial, inacessível, mas com uma presença na memória que a passagem do tempo não diminui. Poucos a viram, mas o que testemunharam e sobretudo ouviram não dá para esquecer os arrepios que o desconhecido provoca quando algo inexplicável se nos impõe e lembra a fragilidade de que somos feitos, como a vida é um presente que nos dão mas também nos podem tirar, sem respeito nenhum pela condição de filhos de Deus, que a todos cria da mesma maneira, iguais. Os mais novos, desafiando a distância e os maus caminhos, singram, planalto fora, nas motas que o dinheiro e a vaidade de parecer, de ter o que os outros têm, e se possível ainda melhor (a inveja é um mal geral), chegam lá e detêm-se a espiolhar tudo, com um vagar que os anciãos não tinham. Não têm fardos à espera para fazer chegar a um qualquer destino, do lado de lá ou de cá da raia, os negócios que por ali ainda se fazem estão facilitados e têm subtilezas que afastam os que têm alguns escrúpulos. Também não têm afazeres no eido, o ócio é nos dias que correm a ocupação principal de uma juventude mais ou menos letrada que vive a expensas da família até terem cabelos brancos.

Pelo registo na pedra que a encima, 1911 ou 1912, o escriba fala de ouvido, não há ninguém para dar testemunho nem da sua construção nem do porquê da mesma. Os mais antigos do lugar mais próximo do lado espanhol contam, esvaziada a chávena do café e a copa da aguardente, que ali mataram um português, um ajuste de contas para lavar a honra de uma irmã iludida e enganada. Não era muito comum, mas acontecia portugueses e galegos conviverem nos montes quando guardavam o gado e os rapazes frequentarem os bailes e festarolas de um e outro lado da fronteira. Um rapaz do Souto e uma rapariga de Santo Amaro conheceram-se numa romaria e os encontros passaram de ocasionais a procurados. A moça tomou-se de amores, pensou que era correspondida e o que tinha de acontecer aconteceu. Algum tempo decorrido tornou-se o namoro evidente, a rapariga não conseguia esconder a proeminência progressiva do ventre. Instada pelos irmãos a denunciar o oportunista, quis ela remediar, avisando o namorado que urgia assumir a sua responsabilidade. Aparentemente, o amor não o consumia e não estava pronto para ser homem, perdida a honra da moça, perdia ele a sua, abandonando-a, não estava sozinha no mundo, tinha muitos irmãos para a ajudarem a criar o filho.

Os três irmãos uniram-se para cobrar a desfeita, até um garoto ainda menor de idade tomou parte no desforço. Observaram as idas e vindas do bandalho pelos caminhos da serra e uma noite surpreenderam-no nas pedras de Penagache. A probabilidade de encontrarem alguém era mais do que mínima e, sem testemunhas, fizeram-no pagar a sua dívida com o bem mais precioso que tinha: a vida. Deixaram o corpo exposto ao tempo, sem qualquer resquício de respeito, abandonado no lugar onde foi encontrado em adiantado estado de decomposição. Foi identificado pela roupa e pelo anel que usava no dedo mindinho da mão direita. A família, amargurada por uma vida ceifada tão antes de tempo, mandou fazer uma cruz no alto da pedra na base da qual o tinham encontrado. Das razões que o teriam levado àquele fim não queriam saber, ou sabiam e calavam-se para não dar mais força às vozes viperinas do povo.

 

ERA UMA VEZ...

melgaçodomonteàribeira, 09.02.19

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A INÊS NEGRA

LENDA DE MELGAÇO

Era uma vez…

 

… Antigamente, havia muitas lutas e batalhas entre Portugueses e Espanhóis, porque ambos queriam ser donos das melhores terras! Numa altura em que Melgaço pertencia a Espanha (Castela), travou-se uma dessas batalhas, em que dentro das muralhas estavam os soldados de Castela, a tentar proteger as terras, e fora das muralhas, os soldados Portugueses, que tentavam reconquistá-las!

Apesar de primeiro terem tentado chegar a acordo, para evitar conflitos, os Reis não se entenderam, e por isso o Rei de Portugal acabou por decidir atacar as muralhas! Mas entretanto, uma mulher, a quem chamavam de Arrenegada por ter preferido ficar do lado de Castela, encheu-se de orgulho e de coragem, e decidiu desafiar uma outra mulher, que vivia fora das muralhas, Inês Negra.

 

Inês era uma mulher do povo, que tinha abandonado Melgaço quando esta Vila se pôs ao lado do Rei de Castela. A Arrenegada desafiou Inês para uma luta entre as duas, e com a concordância dos dois Reis, ficou decidido que quem ganhasse, ficaria dono das terras de Melgaço!

 

No dia da luta entre Inês Negra e a Arrenegada, toda a gente veio assistir, cada um gritando pela sua favorita, como num jogo de futebol, em que cada um grita pelo seu clube! A luta foi forte, com armas, unhas e dentes, ora uma parecia ganhar vantagem, ora a outra, até que finalmente, se ouviu um forte grito… por breves momentos, ninguém conseguiu perceber o que estava a acontecer, até que a Arrenegada se levantou e fugiu para o castelo, escondendo as nódoas e o sangue com as suas mãos! Inês Negra venceu!

 

Com a vitória de Inês, os soldados castelhanos abandonaram as muralhas, praticamente sem oferecer resistência, e Melgaço voltou a ser de Portugal!

 

LENDAS ENCANTADAS DO VALE DO MINHO

LIVRO DE CONTOS TRADICIONAIS E ACTIVIDADES

Edição: Associação dos Municípios do Vale do Minho

2011

 www.valedominho.pt

 

O LOBO DE CUBALHÃO

melgaçodomonteàribeira, 10.11.18

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OS LOBOS

 

No tempo em que de noite não havia luz em lado nenhum, os lobos vinham com frequência visitar as casas. Nas noites escuras de Inverno, quando certos barulhos circundavam as casas, todos se arrepiavam, pensando no lobo esfomeado.

As histórias de pessoas e rebanhos devorados pelos lobos ouviam-se com frequência junto à lareira. Naquele dia o Agostinho tinha ido a Castro Laboreiro com o seu carro de bois. Ganhava a vida carregando feno, vinho ou lenha dos montes. Camiões e camionetas era coisa que não existia. Nesse dia carregara o carro com uma pipa de vinho para o Laboreiro e, no regresso, para aproveitar o frete, trazia um carro de feno, abundante lá para Castro Laboreiro. Já que tinha que fazer o caminho, assim ganhava duas vezes, ocupando sempre o carro.

Quando regressou, como a viagem era longa e o caminho difícil para a segurança da carga, já fazia noite. Vinha sozinho com os bois entrepostos pela ladeira a baixo, com um aguilhão para picar o gado. No meio da escuridão, o gado parecia conhecer melhor o caminho do que o tio Agostinho, que ora seguia à frente dos animais, ora se colocava ao lado, conforme os locais e a disposição.

Havia passado Lamas de Mouro e estava perto de Cubalhão, num sítio a que chamam «as Grandes Botas de Cubalhão». Num raio de 4 ou 5 km não se vê viva alma ou casa habitada. Ali não existe nada! As pessoas diziam que aquelas «botas» eram muito medrosas por ali ter sucedido há muito tempo acontecimentos estranhos com lobos. Conta-se que ali, numa encruzilhada, aparecia um lobo que comia as pessoas. Todo o que por aquele local passava, a uma certa hora, era comido! É verdade que alguns diziam terem visto no dito lugar botas, bocados de pés…  Acontece que uma vez um homem muito valente, quando soube que tinham aparecido mais umas botas e pernas disse: “Eu vou desafiar o lobo! Vou matar esse lobo maldito!” Ninguém queria acreditar no que estava a ouvir. Os outros homens bem tentaram dizer-lhe que o que pretendia era uma loucura, e que iria morrer, como os outros; que ele sozinho não conseguia matar o lobo. Mas ele fez ouvidos de mercador e, depois de se apanhar com uma boa caneca de vinho, foi para a encruzilhada a esperar o lobo, levando consigo um valente pau com que estava habituado a lutar nas festas e nas feiras da região.

A dado momento apareceu o lobo. Assim que o viu, o homem levantou o pau, em posição de espera, ora rodando à direita, ora à esquerda, na tentativa de não ser surpreendido pelo lobo. O lobo foi-se aproximando, confiante, mas sem grande entusiasmo, como querendo estudar os golpes do seu adversário. O homem bem tentava «botar-lhe» o pau, mas o lobo, de tão manhoso e inteligente, apanhava o pau ao homem com o rabo! O pobre do homem por mais ágil que fosse, não conseguia acertar nem na cabeça nem no corpo do lobo, porque este desviava sempre o pau com o rabo. Durante a noite o homem foi lutando sempre, na expectativa de acertar na cabeça, mas sem sucesso. Começava a ficar cansado e a baixar cada vez mais a vara. Parecia que o lobo sabia o que estava a fazer: levar o pobre do homem a tal fadiga que, não podendo depois defender-se, o poderia comer a seu belo prazer.

Na aldeia a espera já angustiava os mais hesitantes. Então, um dos amigos, foi atrás dele: - “Esse desgraçado vai fazer-se comer! Deixa-me ir acudi-lo”. Pegou num outro pau e lá foi, não sem antes deixar de levar consigo lume, para assustar o lobo. Quando chegou junto do amigo, estava ele ainda a lutar com o lobo, e o lobo a deitar-lhe o rabo… Resolveu atacar o lobo pelo outro lado, a ver se lhe acertava na cabeça, pois ele não se podia defender dos dois ao mesmo tempo. Desta forma conseguiram dominar o lobo e matar a fera que a todos assustava.

Estava o tio Agostinho a pensar nesta luta, quando viu aproximar-se dele um grande cão, que logo viu ser um lobo! Perante tal visão, sentiu um arrepio pelo corpo todo. Segurou com força o aguilhão do gado, e colocou-se na frente dos bois, sem nunca tirar os olhos daquele animal que não deixava, agora, de o seguir. Durante 2 km o lobo acompanhou-o, sem mostrar qualquer receio, nem esboçar qualquer ar de ferocidade. Não teria ele fome? Estaria ele ali só para lhe lembrar que aquele era o seu território, exigindo o respeito que lhe era devido? A resposta era difícil de encontrar, mas o certo é que, já perto de Cubalhão, às primeiras casas, o latir dos cães ao barulho dos rodados do carro fez parar o lobo. Tio Agostinho sentiu que o sangue voltava, na certeza que dali para baixo já não era terra de lobos.

 

 

CAMPELO, Álvaro, Lendas do Vale do Minho, Valença,

Associação de Municípios do Vale do Minho, 2002, p.89-91

 

Retirado de: CEAO Centro de Estudos Ataíde Oliveira

 

http://www.lendarium.org/narrative/os-lobos/?place=78

 

 

1861, A FERA EM FIÃES

melgaçodomonteàribeira, 06.10.18

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fonte da madalena, fiães

 

FIÃES

 

 

Em 1861 foram devastadas as povoações gallegas de Padrenda, Monte Redondo e Gazgoa, por uma féra, que uns diziam ser lobo, outros tigre, outros javalis, etc.

D’alli passou a Portugal e encheu de terror as povoações de Castro Laboreiro e immediatas, fazendo muitas victimas.

Só em um dia, matou duas creanças de 11 anos, em Castro Laboreiro, devorando uma e despedaçando outra. Não era raro encontrar aqui um braço, acolá uma perna, além um craneo; principalmente nas freguezias gallegas.

Tudo andava horrorisado. Ninguem sahia de noite; e, mesmo de dia, só bem armado e nunca só.

O povo, sempre propenso ao maravilhoso, ligou varias historias sobrenaturaes a este acontecimento. Segundo uns, era a féra – um filho indigno, amaldiçoado por seus paes. Segundo outros era um Caim que tinha assassinado um seu irmão. Outros pretendiam que era uma alma do outro mundo. Os mais espertos sustentavam que era um lobishomem – e os mais serios, teimavam que era, nem mais nem menos, o diabo em pessoa.

Combinaram-se todos os povos d’estes sitios para fazerem uma grande montaria ao animal feroz, qualquer que fosse a especie a que pertencesse. Reuniu-se grande numero de povo no terreiro da capella d’Alcobaça, limites de Fiães e Castro Laboreiro, e mais de 300 homens investiram com a floresta das Ramalheiras.

Não appareceu a fera, mas achou-se um rapaz, de 14 annos, horrorosamente ferido por ella, e salvo por umas vaccas, que andava guardando, as quaes se atiraram resolutamente ao animal feroz, e o fizeram fugir. O rapaz escapou. Esta féra appareceu n’estes sitios por duas vezes, com intervallo de dois annos, demorando-se de cada uma alguns mezes.

Desappareceu sem se saber como, nem para onde.

Tambem nunca se chegou a saber positivamente que especie de animal era.

Pelos signaes que davam os que tiveram a infelicidade de o ver, suppõe-se ser um grande tigre, fugido da jaula de qualquer domador de féras.

 

PINHO LEAL, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de,

Portugal Antigo e Moderno, Lisboa, Livraria Editora Tavares

Cardoso & Irmão, 2006 (1873), p. Tomo III, p.184

 

Retirado de:

 

CEAO – Centro de Estudos Ataíde Oliveira

 

http://www.lendarium.org/narrative/fiaes/?place=78

 

 

 

O DIA DE INÊS NEGRA

melgaçodomonteàribeira, 18.03.17

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    INÊS NEGRA

 

 

Três vivas à Inês Negra

brava mulher de Melgaço

que venceu a Arrenegada

e lhe meteu grande cagaço

 

Três vivas à Inês Negra

que fez descer a terreiro

a sua crença valente

sem ter armas de guerreiro

 

Três vivas à Inês Negra

que mostrou à Arrenegada

a força que tem a alma

de uma pátria libertada

 

Três vivas à Inês Negra

neste largo arraial

onde se joga em duelo

a sorte de Portugal

 

Três vivas à Inês Negra

com o estandarte de Aviz

e a festa dos soldados

reconquistando o país

 

Três vivas à Inês Negra

por ser guerreira e mulher

e por ter no dia certo

a força que faz vencer

quem sabe tomar partido

quem tem razão para escolher

 

José Jorge Letria

1995 

 

LENDAS DO VALE DO MINHO

melgaçodomonteàribeira, 13.02.16

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O Vale do Minho é um espaço de forte identidade cultural, com características muito próprias e particulares, subjacentes à riqueza do seu património (arqueológico, edificado, gastronómico e etnográfico), e a um tipo de vivência que referencia e cataloga a sua população.

Estamos perante uma região detentora de produtos culturais de excelência, reconhecida pela sua tradição em festas e romarias, pelo folclore e artesanato e por uma elevada qualidade de vida.

No cerne desta riqueza cultural destaca-se o património lendário da Vale do Minho, o qual tem vindo a sofrer ao longo do tempo um tratamento menos adequado, de deturpações e perdas permanentes e irremediáveis.

Perante a necessidade de recuperar este legado histórico de valor e variedade notáveis emergiu uma vontade colectiva de garantir a sua preservação e continuidade através das gerações mais novas.

Neste contexto, a Associação de Municípios do Vale do Minho assumiu este desfio e, no âmbito do projecto “Promoção e Gestão da Imagem do Vale do Minho”, co-financiado pela Medida 1.4. – Valorização e Promoção Regional e Local – da ON/Operação Regional Norte, promoveu o levantamento das lendas do Vale do Minho.

Esta tarefa, que implicou um criterioso trabalho de pesquisa e de estudo da região, foi desenvolvida e concretizada pelo Centro de Estudos de Antropologia Aplicada da Universidade Fernando Pessoa.

Como resultado, considerou-se oportuno e enriquecedor proceder à edição da presente monografia que retratasse o Mundo Lendário da Vale do Minho, surgindo como uma narração de qualidade do património oral desta região e um meio de sustentar e garantir a sua preservação e divulgação junto de todos os que evidenciem curiosidade por este testemunho da cultura popular das gentes do Vale do Minho.

 

Valença, Maio de 2002

 

O Conselho de Administração da Associação de Municípios do Vale do Minho

 

 

Lendas do Vale do Minho

Álvaro Campelo

Edição Associação de Municípios do Vale do Minho

2002

 

O COTO DA MOURA

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

   Há muitos, muitos anos, no lugar onde hoje existe uma fonte que enche um regato e rega muitos campos, havia uma Moura encantada que todos os dias, ao nascer do sol, saía para estender o seu tesouro no cimo de um penedo, a que chamaram Coto da Moura. Servia este penedo de soalheiro ao tesouro da Moura. Depois de estender o seu tesouro, a moura sentava-se no cimo do penedo e, enquanto cantava, ia penteando os seus belíssimos cabelos louros com um maravilhoso pente de ouro. Refulgia ao longe tal conjunto. Pensava-se que a Moura assim fazia para atrair, com o deslumbramento das jóias, alguém que a pudesse desencantar.

   Os que por ali passavam contavam tal visão, mas a maior parte do povo, ou se mostrava incrédulo, ou temia aproximar-se. Então, um certo dia, um dos homens mais corajosos da aldeia foi ver se o que contavam era verdade.

   Quando chegou junto da fonte, viu uma Moura com o cabelo e pente de ouro. Estava ela sentada sobre o penedo a pentear-se. Aproximou-se lentamente, para a surpreender, de forma a que ela não pudesse escapar. Então ela, pressentindo a presença do homem disse-lhe:

   — Meu caro senhor, tenho um pente e uma “peina”. Qual deles queres?

O homem não esperava tal oferta! Até porque diziam que a Moura guardava com grande cuidado o seu tesouro. Restabelecido da surpresa, mas julgando pouco provável serem de ouro os cabelos da Moura, apesar de brilharem como esse metal, respondeu depois de breves momentos:

   — Quero o pente!

   — Ai homem, que me acabaste de dobrar a “fada”!

A Moura, depois de o fixar com um triste olhar, atirou o pente para o regato. E enquanto o homem o foi apanhar, motivado pela ganância, a Moura desapareceu.

   Em vão o homem procurou o pente. E ainda hoje se julga que o som das águas a cair no regato se parecem com o choro de uma donzela. Por isso se diz que o fado da Moura ainda contínua, já que o encanto só seria quebrado se o homem tivesse pedido a “peina” da Moura, que era a sua bela cabeleira.

 

(in Lendas do Vale do Minho)

 

RETIRADO DE: PORTUGAL A NORTE

 

http://www.nortept.com/lendas.aspx?concelho=melgaço