PORRA
UM LUGAR ONDE NADA ACONTECIA
XVII
Finalmente o caso do Lili do Teodorico ia definir-se. Tinha-se esgotado a inquirição das testemunhas, nenhuma a favor do rapaz. O médico, Dr. Esteves, também fora dado a entender que o Lili seria um inconsequente. O doutor Durães, o farmacêutico, estoriou a conduta quase ingénua do rapaz quando seu funcionário. Ninguém se empenhou em incriminar o Teodorico, mesmo porque não tinha cometido crime algum, apenas ingenuamente denunciara que outros haviam infringido as normas da economia nacional. Baseado nos testemunhos, o Juiz declarou inocente o Lili, com uma restrição: devido ao que foi dito sobre sua capacidade mental, ficava proibido de administrar a sua farmácia.
O Marmita apresentou queixa no tribunal ao Delegado contra o Farpas, que lhe tinha deflorado a filha de 14 anos.
Constou que numa tarde pegou a rapariga sozinha no cortelho onde guardava utensílios da lavoura e fez-lhe mal. Ele já era casado e tinha dois
filhos. Tinha uma vida bastante turbulenta. De família de agricultores vivia mais do contrabando e de furtos.
Metido a valentão era considerado à boca pequena um bandoleiro. Contavam mil diabruras a respeito do Farpas, alcunha porque era conhecido. Um dia, contavam, os carabineiros a quem ele havia vigarizado numa negociata de contrabando, prenderam-no. No meio de dois desses guardas-civis espanhóis, seguro pelos braços ia sendo levado para o posto. Pararam ao chegar à linha férrea para deixar passar o comboio que se aproximava. Num inesperado puxão desenvencilhou-se e pulou para o outro lado da linha a poucos metros do comboio. Quando a composição acabou de passar os carabineiros não mais viram o prisioneiro que jogava no rio e já estava do outro lado, em Portugal. Motivo de comentários também tinha sido o namoro com a mulher com quem casara. A Maricota, rapariga que fora para Lisboa trabalhar como empregada de servir, deu-se bem com os patrões que arranjou. Diplomatas, foram servir num país no centro da Europa e levaram a empregada. Passados anos, um belo dia a Maricota apareceu na terra visitando a família. Causou admiração aquela figura de mulher, bem trajada, com requintes de fidalguia e modos elegantes. Foi como uma alucinação para os rapazes casadouros. Vários se insinuaram mas o que teve receptividade foi o João do Louro. Rapaz de boa família, comportado, também envolvido no contrabando de maneira “honesta”. Uma reviravolta inesperada aconteceu! O Farpas interpôs-se, a Maricota desmanchou o compromisso e aceitou casar-se com o novo pretendente, de improviso. Coitada! Os maus tratos passaram a ser a rotina daquele casal e quando o caso da filha do Marmita aconteceu, ela, a Maricota, a bem posta e afidalgada, estava transformada num trapo e envelhecida. O João do Louro, para não se dar achado, passou a namorar a Perfeita, a filha do Zé da Carminda e em poucos meses casaram.
O Marmita na inocência da sua ignorância contava o acontecimento a sua filha e como para se justificar, dizia: “se fosse com a minha mulher não me arreliava tanto…”
Foi mais um caso de estupro que durante algum tempo distraiu aquela gente. O Delegado mandou que a rapariguinha fosse submetida a exame médico que comprovou a perda da virgindade.
O Farpas foi absolvido! Mesmo comprovada a perda da virgindade, como não houve testemunhas, a palavra da rapariga não foi suficiente.
Manuel Félix Igrejas
Publicado em: A Voz de Melgaço
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