Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

BRANDAS E INVERNEIRAS EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 13.07.24

916 b foto gonçalo delgado WINTERNOMADISM_NOTICIA

foto gonçalo delgado

EM CASTRO LABOREIRO, AINDA HÁ NÓMADAS QUE LEVAM A CASA ÀS COSTAS

DE INVERNO OU DE VERÃO

CATARINA PIRES

30/01/2018

Curva e contracurva. Montanha adentro. Rochas de granito. Muitos carvalhos. Quem entra em Castro Laboreiro pelos caminhos do Soajo parece que desliza por um trilho secreto pouco percorrido, tal a estreiteza da estrada e a natureza em estado de graça. Num instante as nuvens se tornam o chão mais branco onde a vista pousa.

São dez da manhã mas, para Isalina Fernandes e Leonor Rodrigues, mãe e filha, já pouco falta para o jantar, que aqui quer dizer almoço. A esta hora, na mala da carrinha pick-up, à porta de casa, já se veem caixas empilhadas e cestas acauteladas, coroadas por uma tábua de passar a ferro. Não há dúvida: estamos no fim do verão.

Há meses que a estação estival ficou para trás no calendário, mas este dia de inverno assinala a mudança que o mesmo não regista: a tradição secular dos aglomerados à volta da vila de Melgaço, distribuídos pelas duas margens do rio Laboreiro, segundo a qual, duas vezes por ano, a população se desloca entre as terras mais altas, as brandas, entre os 1050 e os 1150 metros de altitude, e as mais baixas, as inverneiras (700 a 800 metros), num nomadismo cunhado pelo sabor das estações.

De dezembro a março a população castreja foge das temperaturas baixas e da neve nas regiões mais altas e, no verão, do calor das regiões mais baixas. As brandas são também os terrenos mais férteis, daí que a maior parte do ano seja passado nestas terras.

Aqui, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês, vivem umas 500 pessoas e já são poucas as famílias castrejas com as duas residências anuais. Mas Isalina e Leonor aqui estão para manter a história e a tradição. «É uma vida de ciganos», solta a mulher de 72 anos enquanto ciranda entre a lida da mudança. «Andamos sempre com tudo às costas». Entra no galinheiro, ultrapassando certeira a gaiola onde já encurralou as galinhas. Agora é a vez de pegar nos coelhos pelas orelhas.

Enquanto trabalha tagarela. O galego sai-lhe boca fora com a naturalidade de língua materna. Estamos na raia, a Galiza é já ali. Toda a vida de Isalina, como a dos castrejos da sua geração, foi com um pé cá, outro lá. «Pronto, agora hemos a levar isto abaixo. Que trabalheira», resmunga enquanto pega nas gaiolas dos animais, com um sorriso que não denuncia lamentos.

Sentada no pátio da casa na branda de Padrosouro, um dos 46 aglomerados que compõe Castro Laboreiro, Isalina, com o lenço negro enfiado na cabeça, bochechas rosadas do frio, plainas brancas atadas às canelas e toda trajada de negro, é o retrato vivo da mulher castreja doutros tempos.

O som dos chocalhos que chega desde a estrada desperta-a. Não precisa de ver Rubia e Bonita, as vacas, para saber que são elas que chegam com Leonor. «Distingo-as pelo chocalho. Não há dois iguais». De um salto se levanta para as ir pôr a pastar. Há que abastecê-las para a viagem desta tarde, rumo à inverneira de Cainheiras. Apenas o gado faz a travessia caminhando. «Antigamente até os potes de cozinhar se levavam. Hoje só levamos para a outra casa a roupa de vestir», diz Leonor.

A mudança é bem mais simples agora. Isalina e Leonor põem tudo o que levam na carrinha. Antigamente tudo se fazia a pé e carregado em carros de bois: a roupa para vestir e para a cama, os utensílios domésticos e as ferramentas agrícolas, como uma romaria a cruzar as montanhas. «E por arriba dos carros de bois iam os gatos presos por uma corda», recorda Isalina, para quem estas histórias não são mais que a sua própria. «Quando havia doentes, fazia-se-lhes uma caminha no carro de bois e lá se ia com elas por aí fora. Quantos não morreram por esses montes durante as mudanças!»

Não se sabe quão antiga é esta tradição. Segundo José Domingues, investigador da Universidade Lusíada do Porto, o primeiro registo a dar conta desta tradição data de 1527. Mas «não se torna difícil conjeturar que este nomadismo do Laboreiro tenha as suas raízes em deslocações de pastores, intrínsecas aos povos mediterrânicos de montanha, desde tempos muito recuados», escreve em Brandas e Inverneiras: o Nomadismo Peculiar de Castro Laboreiro (2007).

Isalina é filha de mãe solteira. Ela e cinco irmãos. «Todos filhos de pais diferentes. Mas a minha mãe nunca nos fez faltar nada. Todos aprendemos a ler e escrever. E sempre foi o campo que nos deu de comer». Com a mesma valentia com que a mãe criou seis filhos sem qualquer marido, Isalina seguiu-lhe os passos. À semelhança das mulheres da sua geração, teve o marido – que morreu há quatro anos – emigrado em França por quatro décadas. «Só cá vinha uma vez por ano. Às vezes, de dois em dois», diz com naturalidade. «Tinha de ser, era preciso trabalhar».

A independência é traço que lhe assenta na perfeição. Tanto ela como a filha Leonor viveram sempre do campo, sozinhas cuidaram do seu império. E não se pode dizer que seja coisa pouca. Se hoje a agricultura é ajudada por maquinaria, num passado recente a força do corpo era ferramenta vital. «Aprendemos a fazer tudo desde cedo», diz Leonor. «A cortar feno à foice, plantar, pastar o gado pelas montanhas, adubar os campos carregando estrume nos carros de bois, a domar as vacas. É preciso ensiná-las porque não nascem a saber trabalhar. Não é fácil, elas são bravas».

Depois de deixarem a carrinha na inverneira de Cainheiras, com a primeira remessa de pertences, mãe e filha fazem a segunda viagem da muda. Hoje contam com a ajuda dum vizinho, que lhes dá boleia outra vez até à casa de verão. Leonor põe-se agora ao comando do trator e, com a mãe sentada no atrelado, junto dos cães, começa a descer lentamente os trilhos até mais baixas altitudes, fazendo as curvas do caminho como se nelas se espreguiçasse.

A viagem é lenta, observa-se com vagar cada pedra, cada folha e cada ribeiro que cruzam o caminho. É tudo isto que Isalina vê também, de lenço negro ao vento, sentada no atrelado, afagando distraidamente a mão no focinho da cadela Lassie. «Esta é a terra do descanso, a terra da liberdade. Aqui ninguém nos invade».

Castro Laboreiro é hoje uma vila de população reduzida, mas houve dias diferentes. «Quando era jovem, isto era uma alegria. Íamos para os montes fazer bailes, andávamos sempre por aí. Era uma vida dura mas feliz. Quando veio o 25 de abril evoluiu tudo. Tínhamos um doutor todas as semanas, dinheiro, casas». Isalina vai puxando pela memória. «Mas veio a televisão e foi uma desgraça, estragou o processo. Antes juntávamo-nos a fazer serões a fiar. Está certo que hoje é um viver mais tranquilo, mas é um viver triste».

Depois dos dois carregamentos, falta o gado. Isalina já não voltará a subir à branda. Agora é hora de caminhar, como antigamente. Quem vem ajudar Leonor é a tia Amabélia. Juntas comandam a procissão bovina, falando com as vacas numa língua de urros e exclamações. Nesta travessia, a distância de uma casa à outra não se mede em quilómetros – serão uns dois ou três - mas antes através da disposição das vacas em colaborar com um marchar sem desvios. Quem manda é a vara que Leonor e Amabélia carregam, para as vergastadas no lombo dos animais.

Uma hora depois, quando chegamos à inverneira de Cainheiras, Isalina está à porta, com as mãos na cintura. Outra vez, os chocalhos denunciam. A mudança está feita. «Estou feliz da vida, ainda faço a tradição. A Leonor, por ela, ficava sempre lá em cima. Eu prefiro aqui. A casa lá de cima é melhor, mas gosto daqui. Foi a primeira casa que construí, há cinquenta anos. E foi aqui que morreu o meu marido. Eu, se calhar, também aqui morro. Enquanto mandar, havemos de fazer a muda. Quando morrer a minha filha fará o que quiser».

Comparada com a branda de Padrosouro, onde a casa parece plantada no céu, com a vista limpa para qualquer rota sideral, aqui tudo é resguardado. Mas basta subir a escadaria que leva à cozinha para, do alpendre, ver que os colossais pedregulhos continuam a traçar o horizonte, irreverentes a brotar da terra. É esta a vista para os próximos meses. Até voltarem a subir a serra outra vez.

NOTÍCIAS MAGAZINE

noticiasmagazine.pt

916 c WINTERNOMADISM_NOTICIASMAGAZINE_GD_CASTROLAB

foto gonçalo delgado

 

COUTO MIXTO EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 13.04.24

925 b couto mixto foto vortegmax.net.jpg

couto mixto  foto: vortegmax.net

EMBAIXADA DO COUTO MIXTO EN MELGAÇO

Xosé Glez.

Redondela

13/08/2019

(…)

Tivo que transcorrer case un século para que os versos publicados en “Ares da Raya” en 1902 deixaran de ser un laio e unha utopia. Hoxe, cando as fronteiras que nos separaban foron suprimidas, no Museo Espaço e Memória da Fronteira de Melgaço están rexistradas as historias das miserias dos pobos dun e doutro lado do rio por falta de medios para subsistirem.

O concello de Melgaço é o máis galego de todos os que son raianos. Porque linda con varios concellos das provincias de Pontevedra e Ourense. Por isso compartimos unha mesma antropoloxia como estudou a socióloga francesa Fabienne Wateau no seu ensaio sobre a organización social no Val de Melgaço “Conflitos e Água de Rega”. Un dereito consuetudinario de oríxe xermánica que serviu para regulamentar usos e costumes común que ten as súas oríxes na Gallaecia, antes de que existisse o actual Portugal.

Acordei disto cando mirei a festa conmemorativa do costume da xente do rural que repartían os meses do ano vivindo nas brandas e nas inverneiras. Subían ás brandas (serras) en abril e voltaban en setembro ás inverneiras (aldeas do val). A festa, como non podía ser doutro xeito, foi amenizado polas gaitas que é o instrumento musical que comparten connosco. O vindeiro día 16 volveremos cruzar o río pola ponte de Arbo, camiño da antiga vila balnearia do Peço, na que estivo acubillado durante algún tempo Pepe Velo, o noso egrexio revolucionario máis universal, que foi capaz de soñar unha acción e realizala, secuestrando o “Santa Maria”, un buque de pasaxeiros de bandeira portuguesa, para chamar a atención do mundo das ditaduras salazarista e franquista. Algún día – tamén somos de soñar – pedirémoslle á Cámara Municipal a colocación dun monólito que lembre a importancia estratéxica que tivo aquela freguesía para acoller aos fuxidos da sublevación militar española, como xa fixemos en Turei, a freguesía lindante co Couto Mixto, onde o mestre Manuel Barros déulles apoio a Luís Soto e outros compañeiros fuxidos da represión.

A Asociación de Amigos do Couto Mixto en colaboración coa Cámara Municipal celebrará na Praza da República de Melgaço, ás 12:00 horas, a presentación da historia do Couto Misto cunha representación do grupo teatral Xeitura seguida dunha mesa redonda e a proxección dun documental no Museo Espaço, Memória e Fronteira na que participarán, amais do presidente da Cámara, Manoel Batista, Luís Garcia Mañá, Padre Fontes e Xosé Rodríguez Cruz. Será unha xornada lúdica que coincidará no tempo coa celebración da Festa do Emigrante e a feira semanal, que encherán as prazas e rúas de miñotos en ledo convívio amenizado polo grupo de música tradicional Airiños de Caldelas.

GALICIA CONFIDENCIAL  

http://galiciaconfidencial.com

 

CASTRO LABOREIRO, HISTÓRIA DA HABITAÇÃO

melgaçodomonteàribeira, 06.05.23

821 b c l -Vido.JPG

 vido

ARQUITECTURA VERNACULAR AGRO-PASTORIL

CASTRO LABOREIRO

HISTÓRIA DA HABITAÇÃO

Os inícios da ocupação humana na zona do PNPG, na qual a freguesia de Castro Laboreiro é pertencente, datam de 5000 a.C. As provas desta presença consistem nos túmulos megalíticos, tais como as mamoas, as antas ou as cistas, existentes nos planaltos de Castro Laboreiro e de Mourela, e também nas serras da Peneda, Soajo e Gerês (Rocha, J., 1993: 121). Com efeito, foi na região em estudo que se verificou o surgimento sucessivo de duas culturas com grande relevo – a dolménica e a castreja (Rocha, J., 1993: 122).

Verifica-se então que os aglomerados populacionais de Castro Laboreiro tiveram provavelmente génese nos castros, povoados que datam do final da Idade do Bronze, tendo o seu apogeu com a Idade do Ferro (Marcos, J., 1996:29). Com efeito, várias características, como a nomenclatura dos povoados, a sua posição geográfica, as técnicas, a pobreza do meio, entre outras, são reflexo da influência da “primitiva civilização castreja-céltica, ramo Noroeste Peninsular, que teria nos altos pontos montanhosos a sua principal área de expansão” (Geraldes, A., 1996:12). O isolamento da comunidade de Castro Laboreiro fez com que esta conquistasse individualidade; por outro lado, não pôde usufruir de técnicas agrícolas mais avançadas e de uma vida económica melhor. Enquanto que outras regiões do país tiveram grande influência da civilização romana, tal não aconteceu neste local, verificando-se a inexistência da regularização da divisão do território, do espalhamento da população, do surgimento da urbanização e das funções da mercantilização (Geraldes, A., 1996:12).

Embora a vertente da defesa fosse de grande importância, os castros reflectiam igualmente a sedentarização, com a domesticação de animais e o cultivo; estas actividades ainda hoje são praticadas por alguns dos habitantes de Castro Laboreiro. Os castros normalmente edificavam-se à beira-mar ou junto aos rios, aqueles que se encontravam no interior (Silva, A., 1983: 121).

As habitações castrejas originais possuíam planta circular, típica do empirismo natural do Homem. Outra razão para terem esta forma é a de que os habitantes da época não tinham conhecimentos construtivos e técnicos que lhes permitissem edificar uma planta rectangular; só com a Celtização é que se adaptou essa tipologia (Marcos. J., 1996:71). No entanto, apesar da simplicidade, consegue-se encontrar nos castros nortenhos variações ao nível da “forma, altura e natureza das paredes, tipo de aparelho e cobertura, etc., conforme as regiões e os povoados, os materiais naturais – o granito, o xisto, o barro, a madeira…” (Dias, J., 1946: 75)

As descrições iniciais relativas à primeira grande mudança dos edifícios de Castro Laboreiro remontam a finais do século XVIII; a maioria das habitações seriam caracterizadas pela sua simplicidade, quer ao nível da forma, quer da estrutura, relacionando-se com as casas rudimentares existentes em diversas regiões da Europa Medieval (Chapelot e Fossier, 1980: 222, 223, cit. in Lima, A., 1996: 31). Estas habitações apresentavam principalmente três materiais: a pedra (granito), a madeira (carvalho) e o colmo (palha centeia). Possuíam um único piso, assim como uma só divisão, sendo o solo em terra batida. Ao contrário do que viria a existir em tempos posteriores, as cortes do gado ficavam em anexo (Lima, A., 1996: 31).

De acordo com a autora Alexandra Lima, este período representa uma primeira mudança significativa nas tipologias das habitações presentes em Castro Laboreiro, sendo que a segunda corresponderia às alterações efectuadas pelos emigrantes em meados do século XX. Assim, as casas estudadas neste trabalho correspondem às que restam (sem modificações) após o século XVIII (Lima. A., 1996: 31).

 

UNIVERSIDADE LUSÍADA DO PORTO

A SUSTENTABILIDADE E REABILITAÇÃO DA ARQUITECTURA VERNACULAR – INTERVENÇÃO NA INVERNEIRA DE PONTES

JOÃO DANIEL DA PONTE MARTINS GRAÇA DE MATOS

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

PORTO, 2013

BRANDAS E INVERNEIRAS DE CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 22.04.23

825 b cl portos (2).jpg

 branda de portos

UMA PRÁTICA SEM PARALELO EM PORTUGAL

 

“O carácter deste deslocamento estacional da população é diferente dos movimentos de transumância que em algumas regiões portuguesas deslocam rebanhos e pastores da planície ou da Ribeira para as pastagens elevadas de Verão. Aqui é uma migração de que todos participam, determinada essencialmente pela exploração agrícola, embora o gado grosso e miúdo dela aproveite.” (Ribeiro, 1991, vol. IV: 255).

 

Refere-nos Orlando Ribeiro que o tipo de transumância praticado em Castro Laboreiro não tem paralelo com mais nenhum lugar de Portugal, dizendo-nos que nas outras serras portuguesas não conhece nada de semelhante. Por exemplo, nas serras do Gerês, do Barroso, do Montemuro e da Estrela apenas se verifica a exploração transumante com o gado e não com populações inteiras. Acrescentando que mesmo na Península Ibérica só conhece casos de transumância semelhantes ao de Castro Laboreiro no noroeste, mais precisamente nas Astúrias, (Ribeiro, 1991, vol. IV: 255).

No norte de Portugal, as montanhas acima dos 700 metros de altitude contemplam uma natureza que propícia um modo de vida e de economia diferente das zonas mais baixas, como as terras chãs onde é corrente a prática agrícola. Na montanha tudo favorece a atividade pastoril. Nas épocas quentes, os pastores, pagos ou alternadamente escolhidos pela comunidade, vão buscar às cortes o gado para o levar a pastar ao alto das montanhas, precisamente nos terrenos incultos, impróprios para a prática agrícola. O gado, que costuma pastar nas montanhas portuguesas é essencialmente ovino, bovino e caprino.

A transumância é a designação que se dá à emigração periódica do gado com o fim de aproveitar os pastos invernais ou estivais. As terras baixas, pouco elevadas acima do nível das águas do mar, só tem pastos de inverno enquanto que as montanhas, por contemplarem maior pluviosidade, são dotadas de bons pastos no verão.

Em Portugal, o termo transumância associa-se normalmente às deslocações do gado ovino, no entanto, por associação, referi-lo-emos também para designar as deslocações dos pastores ou populações inteiras que acompanham a migração dos animais, como verificamos em Castro Laboreiro.

A transumância praticada nas montanhas portuguesas pode ser estival ou invernal – a primeira consiste na deslocação de gados da planície para a montanha e ocorre durante a época quente; a segunda consiste na descida dos gados da montanha para a planície e ocorre na época fria, (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1998, vol. XXXII: 553).

A transumância é também prática frequente nas serras de Montemuro e da Estrela. Nestas, o gado ovino é deslocado para as partes baixas na estação fria onde permanece nas cortes até à chegada do calor, altura em que é deslocado para as montanhas.

No noroeste português – em especial nas serras do Gerês e do Barroso – verifica-se existir a deslocação do gado bovino para as montanhas na época quente, no entanto essa deslocação estival ocorre com fraca amplitude, sem uma periodicidade regular, (Ribeiro, 1991, vol. IV: 162).

Para apoiar a prática transumante, os homens ergueram nas montanhas construções que são comummente designadas por brandas. No nosso caso do Parque Nacional Peneda-Gerês existem vários tipos de brandas, as quais  em termos genéricos se agrupam em brandas de cultivo e brandas de pastoreio.

As brandas de cultivo encontram-se construídas nos solos aptos para a agricultura e servem de apoio a esta prática apenas no verão, servindo também nesta altura de apoio à atividade pastoril, sendo nessas brandas que os pastores se recolhem com os seus animais.

As brandas de pastoreio situam-se nas terras altas e correspondem aos locais para onde os pastores deslocam o gado também no verão. No entanto, a população destes lugares é correntemente sedentária e o pastor é o único homem a deslocar-se até ao alto da montanha e a servir-se das brandas – estando este, sujeito a um sistema de vezeiras, onde os pastores alternam entre si a subida à montanha, (Dias, 2002: 191). As brandas de pastoreio, como as das serras da Peneda, do Soajo, do Gerês e Amarela, são construções apropriadas às necessidades do pastor. Consistem em abrigos de apoio ao pastor e gado, apenas utilizados quando o pastor, por algum motivo, não consegue regressar ao seu aglomerado populacional. A grande distância entre os lugares de pastoreio e o aglomerado principal – situado nos vales – é apontado como um dos principais fatores, para a construção deste tipo de abrigos.

Só em Castro Laboreiro encontramos brandas que servem para usufruto de populações inteiras durante a época quente. Na época fria estas populações, em conjunto com todo o seu gado, deslocam-se em massa para as inverneiras situadas em lugares mais baixos. Assim, pratica-se um tipo de transumância único em Portugal.

A cada branda corresponde um tipo de arquitetura específica com necessidades próprias. As brandas de cultivo de Castro Laboreiro consistem em construções apropriadas para apoio às suas diversas necessidades, como abrigo dos castrejos, armazenamento das alfaias agrícolas e dos próprios animais. Estas funções encontram-se também presentes nas inverneiras.

 

ARQUITETURA DE TRANSUMÂNCIA: ENTRE AS BRANDAS E INVERNEIRAS DE CASTRO LABOREIRO

Vânia Patrícia Sousa Reis

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre

Universidade Lusíada do Porto

Porto, 2014

 

TRANSUMÂNCIA EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 11.02.23

teso cl.jpg

teso

MOVIMENTOS TRANSUMANTES DA POPULAÇÃO ENTRE AS BRANDAS E INVERNEIRAS

 

“Em várias das serras existem, como nas montanhas galegas e asturianas, brandas ou brañas, umas de cultura (centeio, milho, algumas fruteiras), outras de pastagem de gado miúdo (Raquel Soeiro de Brito). Casas toscas, de pedra solta, sumariamente divididas e mobiladas, servem para habitação de umas semanas de Verão ou quando a família sobe, por uns dias, a amanhar a terra. Casas e terras pertenciam sempre a gente das aldeias próximas, que aí tem as suas habitações fixas e as casas de lavoura permanentes. Só na Serra da Peneda, em torno da vila do antigo concelho de Castro Laboreiro, existem povoações desdobradas: umas três fixas, a 900-1000 m, são habitadas todo o ano: para o norte ficam as brandas (de venerata), povoações de Verão, habitadas até ao princípio do Inverno, onde se cultivam centeio e batatas e apascentam gados, para o sul, num veleiro fundo e apertado, as inverneiras, com campos de milho em alternância com prados, batatas, umas quantas parreiras junto às casas e algumas árvores de fruto. A grande descida faz-se pelas vésperas do Natal, os gados pelo seu pé, as pessoas também, os trastes armados em carros de bois e até o gato atado a um fueiro por uma guita. As casas da inverneira são mais sumariamente construídas, de tosca pedra solta e telhado de colmo, e as pessoas sentem-se menos à vontade «porque as terras são mais apertadas». Uma grande confusão introduzida por casamentos e heranças faz com que brandas e inverneiras não correspondam exactamente, havendo vários habitantes de uma branda que descem a várias inverneiras e vice-versa. Por Abril voltam à serra, vindo às inverneiras por poucos dias olhar o milho, apanhar as batatas, regar o feno e fazer o vinho.” (Ribeiro, 1995: vol. VI, 293-294)

 

O rio Laboreiro constitui o principal elemento ordenador da disposição das brandas e das inverneiras no território. As brandas localizam-se a norte, na parte montante do rio e seus afluentes – precisamente naquela porção de território que avança sobre a Galiza. Já as inverneiras localizam-se a sul, na parte jusante. Também junto ao rio e a meia distância entre as brandas e as inverneiras localiza-se o lugar de Castro Laboreiro – a sede da freguesia – que é um lugar fixo, tal como outros que se localizam um pouco a norte, a montante do rio e imediatamente antes de um conjunto de brandas.

Dentro do clima genérico, que caracteriza a região, formam-se os microclimas próprios e individualizados que variam conforme a altitude dos lugares. As brandas são procuradas durante as estações do ano mais quentes, onde o clima possibilita a pastorícia e o cultivo das terras. Já as inverneiras são procuradas durante as estações do ano mais frias que, devido à sua localização nas partes mais baixas da montanha, são lugares seguros e aconchegantes, onde as encostas do vale protegem os aglomerados da neve e do frio, (Geraldes, 1996: 23).

As brandas encontram-se junto às ribeiras do planalto, nas vertentes das montanhas ou nas lombas junto aos vales e a altitude da sua implantação varia entre os 1000 e 1200 metros. As brandas de Castro Laboreiro são brandes de cultivo e pastoreio, acolhem o pastor, a família, os animais e os respetivos utensílios pessoais. O aspeto «airoso» das brandas, a localização geográfica, o clima, a qualidade dos solos e a possibilidade de expansão das áreas de cultivo, transformam as brandas em locais de eleição para viver, (Geraldes, 1996: 17-19).

As inverneiras implantam-se no vale, a uma altitude compreendida entre os 750 e 1000 metros. São lugares acolhedores e protegidos das intempéries. Estas são procuradas quando as temperaturas ficam negativas e impossibilitam tanto ao homem como aos animais permanecerem nas brandas, (Geraldes, 1996: 19). As inverneiras implantam-se em vales, logo abaixo da superfície do planalto ou mais distantes, encontram-se abrigadas do vento frio e expostas ao clima favorável do meio-dia invernoso, (Ribeiro, 1991, vol. IV: 254).

A ocupação da branda é feita por altura da Páscoa. A população permanece no planalto cerca de 9 meses até à chegada do Natal, altura em que toda a população deve já ocupar as inverneiras.

O meio das brandas é favorável à agricultura e à criação de gado, a existência de água, o clima tão peculiar, o relevo, a arborização e as zonas de montanha, permitem o cultivo e extração de bens da terra. Das terras de montanha extrai-se essencialmente milho, centeio e, por vezes, também a batata, enquanto o trigo se extrai preferencialmente de locais húmidos e férteis. As áreas para cultivo são divididas em barbeitos e leiras, prados e hortas.

A ocupação sazonal proporcionou vivências próprias e únicas, que culminaram num tipo de arquitetura característico de Castro Laboreiro. O clima inóspito e a topografia acidentada fizeram com que, além do duplo povoamento, a arquitetura se caracterizasse pela sobriedade e pela racionalidade, não só ao nível da habitação como também do aglomerado populacional no seu conjunto, (Território Povoamento Construção Manual, 1999: 29-32).

 

ARQUITECTURA DE TRANSUMÂNCIA: ENTRE AS BRANDAS E INVERNEIRAS DE CASTRO LABOREIRO

Vânia Patrícia Sousa Reis

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre

Universidade Lusíada do Porto

Porto, 2014

 

BRANDAS E INVERNEIRAS NOS MONTES LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

    Embora concentradas em Castro Laboreiro, em determinados locais da serra da Peneda, da serra do Soajo e no planalto de Castro Laboreiro, existem as denominadas brandas e inverneiras, sendo estes vestígios de um sistema de habitação sazonal e o reflexo da necessidade das populações utilizarem os pastos localizados na serra para alimentar o gado.

A linguagem corrente designa as brandas de “lugares de cima” e de “airosos” e as inverneiras de “lugares de baixo” e “abrigados” (Geraldes, 1996).

   As brandas são os aldeamentos tradicionais habitados durante a Primavera e o Verão. São locais que normalmente se encontram em locais de altitude superior a + 600 m. A primeira fixação de populações nestes espaços fica cronologicamente situada na Idade Média. Nas brandas as populações dedicam-se à pastorícia e à agricultura, efectuando-se aqui as sementeiras, que crescem até ao Verão (Geraldes 1996).

   As condições climatéricas das inverneiras são, bastante mais favoráveis do que as brandas, para passar os invernos: a temperatura não atinge valores tão baixos e a queda de neve, quando ocorre é de fraca quantidade. Nas inverneiras, as populações dedicam-se quase exclusivamente ao pastoreio, pois, a água de muitos dos riachos que cortam o espaço das inverneiras seca durante o Verão, o que causa transtorno na rega das culturas e no consumo diário de água (Geraldes 1996).

   De 12 a 20 de Dezembro, as famílias das brandas efectuam a mudança para os lugares do vale, as inverneiras, logo o Natal é sempre passado na inverneira. Estas transformações são devidamente planeadas, deslocando-se não só a população como o gado e todos os seus bens essenciais. A estadia nas inverneiras termina por volta de fins de Março, sendo a Pascoa a festa que impõe a data limite da chegada às brandas, efectuando-se a transmutação a tempo das casas ficarem preparadas para receberem a cruz pascal (Geraldes 1996).

   Este sistema de mudança de casa tem vindo a diminuir, devido ao acesso das populações à compra de produtos alimentares para o gado (Geraldes 1996).

   Segundo alguns habitantes, os seus antepassados remotos tiveram como primeiro local de permanência as inverneiras e só mais tarde passaram a habitar as brandas, em virtude dos locais onde são implantadas lhes terem oferecido condições mais favoráveis a uma estadia prolongada, nomeadamente o clima menos rigoroso e melhores condições para a agricultura (Geraldes 1996).

 

 Luciana de Jesus dos Santos Peixoto

 

http://www.dct.uminho.pt/mest/pgg/docs/tese_peixoto.pdf