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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

HISTÓRIA DOS MUNICÍPIOS

melgaçodomonteàribeira, 14.05.22

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MELGAÇO: SENTINELA AVANÇADA

 

Melgaço é de todos os municípios portugueses o que se situa mais a norte e mais profundamente penetra na Galiza. Não são muito claras as circunstâncias históricas em que foi outorgado o seu antigo foral. É, porém, evidente que existiu um processo negocial e os hiatos verificados no decorrer do mesmo serão até responsáveis por que a datação ficasse ambígua (1183-1185).

Alguns documentos do antigo Cartulário de Fiães dão conta do movimento que acompanhou a erecção do município. Em 30 de Junho de 1185, os juízes e o concelho de Melgaço fizeram um acordo com o Abade do mosteiro de Fiães sobre a construção da nova igreja paroquial. No entanto, o projecto de construção da igreja não foi avante, talvez pela incapacidade do mosteiro, há posta em dúvida num dos documentos anteriores: “sit facta ecclesia ab abbate et conventu si tamen potuerint”. Em Abril de 1187, fazia-se um novo acordo, desta vez entre “omnes homines de Melgazo tam viri quam mulieres” e o arcediago Garcia, em que ambas as partes se comprometiam a ajudar-se mutuamente na edificação do templo “tali pacto ut facias illam et edifices nobiscum te adiuvantibus et de necessarii ecclesie tibi ministrantibus donec sit perfectam et consumatam”.  Dali a cinco anos o templo estava concluído, conforme consta de um acordo, de Abril de 1205, entre o arcediago e o abade de Fiães, sobre o serviço na igreja de Melgaço, o qual é assinado, em representação do concelho, pelos juízes Paio Garcia e João Rodrigues.

As negociações relativas ao foral decorreriam sob as ordens de D. Sancho I, associado à governação nos últimos anos da vida de seu pai, D. Afonso Henriques. O rei povoador estaria já a preparar as acções militares que planeara para os primeiros anos do seu reinado na fronteira do Minho, se não para a estender, pelo menos para a consolidar, e interessar-lhe-ia garantir o apoio do activo grupo de migrantes que, descendo pelas margens do rio, avançara mais para ocidente que outros, nos caminhos que prolongavam a estrada que atravessava o norte da Península e veio a ser conhecida pelo nome de estrada de Santiago.

O modelo que os moradores propuseram ao monarca foi o de Ribadávia, povoação que se localizava nesse caminho. A carta de foro desta comunidade foi outorgada em 1164 e reproduzia a que tinha sido concedida a Allariz e iria ser comunicada a outros lugares. A sua mais remota referência é o foral de Sahagún.

 

HISTÓRIA DOS MUNICÍPIOS

(1050-1383)

António Matos Reis

Livros Horizonte, Lda.

Lisboa, 2006

pp. 330-332

O CARRO DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 05.09.20

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UM LUGAR ONDE NADA ACONTECIA

XI

O carro dos bombeiros, em seus passeios dominicais, não estava no seu posto, quando foi preciso. Aquilo revoltou o povo e a partir dali não mais aconteceram aquelas viagens recreativas.

Fundada em 1927 a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Melgaço teve destacada actuação em 1930, quando ficou conhecida e laureada em Portugal e Espanha.

Do outro lado do rio Minho, em frente a Melgaço, na Espanha, o comboio expresso Madrid-Vigo, descarrilou. O acidente foi presenciado pelos curiosos que gostavam de ver passar aquele bonito comboio. Foi dado o alarme e logo o sino da matriz tocou a rebate, convocando bombeiros e povo. De barco e a nado, atravessaram o rio, socorrendo os acidentados e resgatando seus pertences que boiavam rio abaixo. Foi um momento épico.

Os jornais espanhóis e portugueses deram grande destaque ao acontecimento. Elogiando os bombeiros de Melgaço. A organização nacional dos bombeiros, de Lisboa, mandou um instrutor, algum material e o povo custeou a compra de uma bomba para a recente fundada organização, carente de recursos técnicos, mas recheada de altruísmo.

A bomba era o que de melhor existia na época, de tracção braçal, montada em uma espécie de carroça, para ser puxada por muares, mas que sempre foi impulsionada pelas pessoas, puxando ou empurrando.

Na mesma época, o Simão Araújo, filho da terra, que emigrara para o Brasil e aí fizera fortuna, já tinha construído o seu luxuoso palacete e tinha na garagem um automóvel Buick, seis cilindros, modelo 1928. Como a maior parte do ano esse carro ficava inactivo, o Simão Araújo, empolgado com a bravura dos bombeiros da sua terra, deu-lhes esse automóvel.

Além de abnegados soldados da paz, revelaram-se, esses rapazes melgacenses, primorosos artífices.

Transformaram o luxuoso carro de passeio em sensacional carro de bombeiros. Retirada a carroçaria, adaptaram ao chassi seis poltronas com estrutura em ferro, um grande cilindro central, elevado, destinado a conter os artigos de primeiros socorros. Machados e picaretas embutidos no chassi e duas grandes roldanas com as mangueiras. Na frente, o banco do motorista era corrido onde cabiam mais três pessoas, nos estribos laterais, em pé, ia o resto da guarnição. No cimo do capo uma sineta avisava a sua aproximação, o que seria desnecessário uma vez que para maior desenvolvimento retiraram o escapamento e os seis cilindros do poderoso motor fazia um barulho ensurdecedor. Haviam reforçado os feixes de molas para suportar o grande peso. Pintado todo em vermelho-sangue com os dizeres em branco nas laterais do cilindro: VIDA POR VIDA. Era uma jóia de artesanato sem utilidade. Deveria ter-lhe sido adaptada uma bomba a gasolina, o que nunca aconteceu.

O belo carro dos bombeiros era só utilizado em desfiles cívicos de quando em quando e já nos anos quarenta foi a Lisboa buscar o cadáver do Sr. Lascasas para sepultar em Melgaço.

Para não prejudicar o seu funcionamento era necessário interromper seu longo repouso, com algumas saídas. Era esse o argumento apresentado por um grupinho que, aos domingos, solicitava autorização para um passeio. O Professor Abílio Domingues, que por imposição era o Presidente da Câmara, também era o comandante dos bombeiros, pessoa cordata que exercia cargos que não pedira e para os quais não tinha a mínima aptidão, acedia.

Um domingo, na estrada da Orada, na curva da fonte da Assadura, um automóvel colheu um rapaz, que, inconsequentemente, rodava em bicicleta, em grande velocidade, pelo meio da estrada. Accionaram os bombeiros para atender ao sinistro e transportar o acidentado para o hospital. Os bombeiros estavam merendando em S. Gregório, onde tinham ido desenferrujar o bonito carro vermelho. O rapaz faleceu.

 

                                                                                  Manuel Igrejas

Publicado em: A Voz de Melgaço

 

 

 

O CONCELHO DE CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 25.08.20

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DE CONCELHO EXTINTO À ATUALIDADE

 

A 11 de Maio de 1758, Castro Laboreiro, pertencia à comarca de Valença, arcebispado de Valença, sendo terra do rei. Tinha a Irmandade das Almas e duas Confrarias, a do Santíssimo Sacramento e a de Nossa Senhora do Rosário. Era reitoria com apresentação da Casa de Bragança e a renda dos dízamos era de 650$000 réis, recebendo anualmente de côngrua o reitor 40$000 réis, pagos em dois quartéis, 20$000 pelo Natal e o restante pelo São João, e o mais em pé de altar, que rendia cerca de 160$000 réis. Em 1812, a 3 de setembro, foi emitido o alvará nomeando o último comendador conhecido, Marino Miguel Franzine. Em 1816, o Reitor de Castro Laboreiro, tendo apenas de côngrua 10$000 réis e 20 alqueires de centeio, solicita a D. João VI a concessão de um subsídio de 50$000 réis para o Reitor da freguesia, para poder pagar esta quantia, em dinheiro, ao seu Coadjutor, em virtude de muitos e custosos trabalhos para bem paroquiar a freguesia. Com a Revolução Liberal, após 1832, Castro Laboreiro passa a integrar-se na Comarca de Ponte de Lima e mantém-se concelho. Durante o período de estabilização, a partir de 1842, Castro Laboreiro integra-se no Distrito de Viana do Castelo. Entretanto o código administrativo de 17 de julho de 1835, e, posteriormente, o código administrativo de 31 de dezembro de 1836, fixam a divisão administrativa do reino em distritos, subdividindo-se estes em concelhos e freguesias. Fixam igualmente o pessoal administrativo, jinto do qual estabelecem corpos administrativos: a Junta Geral do Distrito, junto do governador civil (ou administrador geral) a Câmara Municipal junto do administrador do concelho e a Junta de Paróquia junto do comissário (ou regedor) de paróquia.

Contudo, Castro Laboreiro, que consegue escapar à “chacina” (extinção de concelhos) de 31 de dezembro de 1853, não teria a mesma sorte a 24 de outubro de 1855, data em que é decretada a extinção do concelho de Castro Laboreiro. Em 1878, passou a fazer parte do julgado de Fiães e, posteriormente, do concelho de Melgaço, passando, então, a ser uma Junta de Paróquia.

Com a implantação da República a 5 de Outubro de 1910, a qual provoca a separação do Estado e da Igreja, entra novamente em vigor o Código Administrativo de 1878, que retira a presidência aos párocos. A Lei nº 88, de 7 de agosto de 1913, promove a organização das paróquias civis, distinguindo-as das paróquias eclesiásticas, embora assumam o mesmo limite territorial. Mais tarde, a Lei nº 621, de 23 de junho de 1916, altera definitivamente a designação da junta de paróquia para junta de freguesia, mantendo-se práticamente sem alterações até hoje as suas componentes políticas e administrativas.

Entre 1910 e abril de 1913 intitula-se Comissão Republicana Paroquial de Santa Maria de Castro Laboreiro. Contudo, entre 1913 e 1916 os escrivãos tanto abrem as sessões referindo Junta de Paróquia da Freguesia de Castro Laboreiro ou Freguesia de Castro Laboreiro. Consolidam o termo administrativo Junta de Freguesia de Castro Laboreiro a partir da ata de 6 de junho de 1920. Estará assim até 18 de abril de 1975, um ano após a queda do Estado Novo. Nesta data instaura-se a Comissão Administrativa da Junta de Freguesia de Castro Laboreiro que vem durar até 23 de janeiro de 1977, data em que se lavra a primeira ata da nova Junta de Freguesia de Castro Laboreiro. Assim se mantém até à reforma administrativa de 2013 que consuma uma união política com a freguesia vizinha de Lamas de Mouro, formando a União de Freguesias de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro.

O resultado de todo este enquadramento foi a composição de uma brevíssima história local que não contempla nenhuma documentação ou bibliografia que ateste uma natureza tutelar clara sobre estas estruturas.

 

Diana Alexandra Simões Carvalho

Castro Laboreiro – Do Pão da Terra aos Fornos Comunitários

Uma proposta de mediação patrimonial

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Maio de 2017

 

 

 

 

MIL E DUZENTAS MISSAS

melgaçodomonteàribeira, 28.07.20

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casa da serra - prado

DIOGO MANUEL DE SOUSA GOUVEIA E GAMA (P.e)

 

Nasceu em Prado aos 8 de Fevereiro de 1714 e como seguiu a carreira eclesiástica, seus pais lhe fizeram o património em 19 de Agosto de 1735. Dez anos depois saiu da casa paterna para a freguesia da Bela no termo de Monção, que paroquiou como vigário e como vigário também paroquiou depois a freguesia de Santiago de Penso. Pelo testemunho escrito a seu pedido a 7 de Maio de 1783 apura-se ter sido este padre o reformador da fortuna da Casa da Serra, pois com o dinheiro de seu bolso particular pagou as dívidas dos pais, readquiriu os bens alienados por seus antepassados em horas amargas, melhorou os bens vinculados fazendo o canastro de pedra, o lagar e a respectiva casa, tomou a iniciativa de comprar outros bens e de nenhum deles nem mesmo do seu património recebeu rendimentos tempo algum.

De resto tudo quanto conseguiu agenciar na vida, o deixou ao seu irmão morgado,

«atendendo ás muitas obrigaçoins que devia a seu irmão Luís Caetano de Sousa Gama Cappittão Mayor deste termo e affecto e amor que lhe tinha por aspirar sempre a honra que herdara de seus Pays e conserva-la, acção que elle testador sempre dezejou em toda a sua vida e por lhe pedir seu Pay e Senhor no ultimo da sua vida que o amparasse para que não deslustrasse o seu nascimento e como sempre lhe foi obediente e amigo leal comprazendo em tudo com a sua vontade...»

pois o instituiu seu herdeiro universal.

O P.e Diogo Manuel e outros colegas formaram certa mesa do Santuário da Senhora da Peneda e como depois julgaram má a sua administração, este mesário teve de pagar de seu bolso o correspondente à sua quota parte de prejuízos dados àquela confraria.

E como a doença o não deixou exercer a provedoria da Santa Casa nem fazer a função dos Passos, por indicação sua comprou-se uma túnica e o respectivo cordão para a imagem mais comovente da Misericórdia,

«cuja túnica e cordão será obrigado o seu irmão Luis Caetano de Souza e Gama e sua Irmã Donna Joanna e seu genro Caetano Joze de Abreu a levarem a dita túnica e cordão nesse mesmo dia e mandarem cantar huma missa ao Senhor dos Passos por alma delle testador».

Vê-se ainda no referido testamento: a alma deste padre foi sufragada com quatrocentas missas rezadas no convento de Pastoriza e mais oitocentas repartidas pelos padres do termo.

 

 

O MEU LIVRO DAS GERAÇÕES MELGACENSES

Volume I

Edição da Nora do Autor

Melgaço

1989

pp. 635-636

 

 

O FORAL DE AFONSO HENRIQUES A CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 14.07.20

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cruzeiro de s. julião na antiga gafaria se s. gião

 

CAMINHOS E CASTELOS MEDIEVAIS

 

Violando a impraticabilidade desta barreira natural dos montes Laboreiro rasgaram-se caminhos de ligação, novelando ribanceiras, levantando pontes e fazendo calçadas, por onde circulam livremente pessoas, animais e produtos, mas que, em tempo de guerra, se podem revelar perigosas vias directas de penetração para a pesada estrutura de uma hoste medieval.

Começando pela zona ribeirinha, vindo da Galiza, entrava em Portugal pela Ponte Barjas o velho caminho que passava debaixo do alpendre da capela da Orada em direcção a Melgaço, seguindo depois pela margem esquerda do Minho para Monção e Valença. À margem deste caminho, documentando o trânsito considerável para a Galiza, já no tempo de Sancho II existia uma gafaria na quinta de S. Gião. O melhor testemunho autêntico dessa leprosaria medieval continua a ser a capela de S. Julião, construída, de acordo com as deduções de Luís de Magalhães Fernandes Pinto, no segundo terço do século XIII.

O castelo de Melgaço seria a principal sentinela avançada da segurança desta via, que penetrava no reino de Portugal a setentrião dos montes Laboreiro, coadjuvado pelas populações locais e pelo fronteiriço mosteiro de Fiães.

Do lado oposto, pelo sul, vinha de Galiza um velho caminho que entrava no reino de Portugal pelo Lindoso, em direcção ao centro da terra de Nóbrega. Aqui existia um vetusto castelo já referido em documento de 1059, do cartulário de Mumadona. Reconstruído no século XII por Honorigo Honorigues, que, na época de 1180, recebeu do rei de Portugal dois casais em Penelas (concelho de Ponte da Barca), por ter construído o castelo da Nóbrega à sua custa. Também os inquiridores de 1220 registaram que D. Afonso Henriques dera S. Martinho de Paço Vedro ao mesmo Honorigo Honorigues, “quia fecit illi castellum de Anovrega”.

Mas este castelo ficava bastante recuado da linha de fronteira, por isso, para cerrar essa débil passagem fronteiriça, foi necessário levantar o castelo de Lindoso, que se sabe já existir na segunda metade do século XIII e teria sido iniciado no ano de 1217, segundo Figueiredo da Guerra.

Enquanto não foi levantado este ouriço fronteiriço de Lindoso, esta zona seria um ponto vulnerável de penetração no reino de Portugal, não só em direcção ao Entre Cávado e Lima, como também ao próprio Entre Lima e Minho. Por isso não admira que fosse uma preocupação primordial do nosso primeiro monarca, impondo a sua guarda aos aguerridos montanheses de Castro Laboreiro. Esta preocupação agrava-se com a proximidade ameaçadora da fortaleza de Araújo.

Este caminho ligava directamente a Orense e, em determinada altura, bifurcava-se em direcção a Castro Laboreiro. Penso que pode ter sido este o imaginário rumo tomado por D. Sancho I, partindo do castelo de Castro Laboreiro, para ir atacar o castelo de Araújo, passando o Lima no afamado Porto de Araújo – isto para completar o raciocínio suspenso quando abordei a questão da estadia deste monarca em Castro Laboreiro. Seguindo a rota inversa – do castelo de Araújo em direcção a Castro Laboreiro – “marchando do nascente pela província de Trás-os-Montes”, também poder ser este o caminho de Afonso VII quando veio a Valdevez. Por ora não tenho qualquer fundamento documental para esta conjectura, pelo que continuarei a seguira do P. Bernardo Pintor e seus doutos argumentos.

Esta via rasgava o âmago dos montes Laboreiro, desde Milmanda e Celanova, passando por Castro Laboreiro, vinha ter ao Porto dos Asnos, seguindo pelo vale de Lamas de Mouro em direcção a Padrão de Sistelo, Porto do Cousso, em Cabreiro, passava o rio na ponte medieval desta freguesia de Cabreiro, até às Choças, no coração da terra medieva de Valdevez. Tudo leva a crer que teria sido esta a via calcorreada por Afonso VII de Castela, quando se deu o Bafordo de Valdevez. A tradicional passagem do imperador por Lamas de Mouro foi coligida por José Augusto Vieira. Padrão de Sistelo, à margem deste caminho, provavelmente por causa das invasões de Leão, uma vez que o próprio monarca adverte que se de novo houver guerra forte entre Portugal e Leão possam retirar-se com todos os seus pertences, regressando logo que a paz seja restaurada.

Os pontos mais vulneráveis deste caminho merecem a maior atenção do poder central, recaindo sobre os moradores locais a obrigação de os vigiarem. Assim os de Cabreiro “se guerra vem do regno de Leom, vam guardar o porto de Couso”, tal como os de Vilar, da mesma freguesia, “vam guardar o porto de Couso. Mas este ponto, como adverte Iria Gonçalves, era “já bastante internado e talvez a servir de reforço de vigia no caso de entrada de hostes pelo sopé do monte Laboreiro”.

Muito antes do Porto do Couço impunha-se a guarda do Porto dos Asnos, que, como já se disse, o P. Bernardo Pintor identificou com o Porto de Araújo do foral de Castro Laboreiro e sob alçada dos seus moradores. Discordando dessa interpretação, considero poder identificar esta portela com as passagens frágeis do monte de Laboreiro que os de Riba de Mouro tinham que guardar e, à voz de apelido, a repelirem de mão armada os inimigos do castelo de Laboreiro, que, em contrapartida, em caso de perigo, os refugiava dentro dos seus muros seguros e protectores, conforme testemunharam às inquirições afonsinas de 1258.

 

O FORAL DE D. AFONSO HENRIQUES A CASTRO LABOREIRO.

“ÁDITO” PARA O DEBATE.

José Domingues

Porto, 2003

http://www.academia.edu/3470740/O Foral de D. Afonso Henriques a Castro Laboreiro. Adito para o debate

jdominguesul@hotmail.com

 

6 de Maio de 2013

 

 

 

ARTE ROMÂNICA EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 16.06.20

 

A ARTE ROMÂNICA NA ANTIGA DIOCESE DE TUI

Margarita Vásquez Corbal

Na arte românica da antiga diocese tudense, a arquitectura tem uma estreita relação de interdependência com a escultura. Embora seja considerada rural e mesmo pobre, devemos enfatizar a sua singularidade, especialmente quanto ao uso de decoração escultórica. As estruturas e motivos são o resultado de um importante processo de absorção das correntes artísticas europeias, feita através das catedrais de Tui, Compostela, Braga, Ourense e das igrejas cistercienses de finais do século XII, e da reutilização do passado como exemplo: a influência castreja que aparece no gosto pelas formas geométricas nas hexapétalas herdadas da decoração dos castros como o de Castro Laboreiro (Melgaço, Portugal) e Santa Tegra (A Guarda, Pontevedra), que se reflectem em exemplares românicos como o de Santa María de Castrelos (Vigo, Pontevedra). A herança pré-românica reflectida no uso do sogueado no capitel historeado de São Salvador de Paderne (Melgaço, Portugal) ou na decoração de uma arquivolta de S. Vicente de Barrantes (Tomiño, Pontevedra) que apresenta uns arquinhos similares aos da igreja de S. Pedro de Balsemão (Lamego, Portugal). Outro nexo comum destas relações artísticas Galaico-Minhotas está nas tradições e na cultura popular comum, como acontece com os motivos apotropaicos e de longa tradição popular, como o serpentiforme de San Fins de Friestas (Valença, Portugal) ou o canídeo ou leão de Santa Maria da Porta (Melgaço, Portugal), referindo a atitude de guarda e protecção que devem ter os que entram na igreja e no espaço sagrado, embora os animais da Capela da Nossa Senhora da Orada (Melgaço, Portugal) sejam parte do motivo da árvore da vida, que também aparecem na área galega da diocese no tímpano de S. Miguel de Pexegueiro (Tui, Pontevedra), que se relacionam com o grifo e o dragão em luta, representação da batalha entre o bem e o mal do tímpano norte de São Cristóvão de Rio Mau.

 

Retirado de:

www.ptdocz.com/doc/241321/a-arte-românica-na-antiga-diocese-de-tui

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porta lateral da igreja de santa maria da porta - igreja matriz

 

 

MENDIGOS E VAGABUNDOS NO CONCELHO DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 26.05.20

166 - 2 Arte Pintura António Ramalho Mendigo 1896

antónio ramalho - mendigo - 1896

 

ENTRE A POBREZA E A MARGINALIDADE: MENDIGOS E VAGABUNDOS NO ALTO MINHO DE OITOCENTOS

Alexandra Esteves

Segundo o número 8, do artigo 249.º, do ( …) Código Administrativo de 1842, competia aos administradores dos concelhos o exercício da vigilância e polícia sobre os mendigos e vadios. Em 1869, o governador civil do distrito de Viana do Castelo recordava que nenhum mendigo podia esmolar no respectivo concelho de residência sem estar munido de licença. Determinava ainda que só poderia ser concedida permissão para mendigar aos indivíduos naturais do concelho, ou que nele residissem há mais de dois anos, e desde que fossem reconhecidamente pobres e estivessem  impossibilitados de trabalhar. A indigência, a idade e a residência dos peticionários tinham que ser comprovadas pelos párocos e regedores, ao passo que a incapacidade física ou mental devia ser atestada por documento médico. Considere-se, a propósito, o requerimento para pedir esmola, formulado por João Manuel Esteves e confirmado pelo regedor da freguesia de Castro Laboreiro:

 

“Diz João Manoel Esteves solteiro da Villa de Castro Laboreiro da Comarca de Melgaço que achando-se já de idade de sessenta anos, e sem meios alguns de subsistência como mostra pelos documentos juntos, do Reverendo Parocho, e do Administrador do Concelho, e alem disso sem vista por cauza das cataratas, e lezo do corpo da parte direita de hum ataque que sofreu do estupor já há mais de quatro annos, durante os quaes tem sido socorrido por hum seu irmão, porque do contrario já teria sido vitima da morte: hé neste estado miserável que o supplicante implora a benovolência de V. EX. a fim de que todas as juntas de Parochia do Districto concorrão com hum subsidio; bem como todos os thezoureiros das Misericórdias e confrarias segundo suas forças  para a conservação de seus dias; pois por esta graça o supplicante não cessara de rogar a deus pela conservação de V. EX.ª”.

 

Através de editais afixados nas freguesias, mencionando os documentos a apresentar, os mendigos eram convocados para comparecerem na administração do concelho. Na ocasião, deviam estar presentes os regedores, para conferiram a sua identidade, e os médicos, para analisarem o seu estado de saúde. Concluído o processo de triagem, os que fossem considerados aptos para trabalhar tinham que assinar uma declaração onde se comprometiam a abandonar a mendicidade e procurar uma ocupação. Se fossem encontrados a mendigar sem causa superveniente e sem licença, eram entregues ao poder judicial para serem punidos na conformidade da lei.

 

INTERCONEXÕES

Revista de Ciências Sociais

Vol. 1  N.º 1

 

http://academia.edu

 

 

ARCHIVO HISTORICO DE PORTUGAL III

melgaçodomonteàribeira, 14.03.20

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azulejo de manuel igrejas

 

Durante a guerra da invasão napoleónica, não menos digna foi a attitude de Melgaço.

Esta foi a primeira praça de armas que saccudiu o jugo do odioso Attila moderno. Foi d’ali que partiu o primeiro grito da libertação, e de lá também se levantou a famosa plêiade de valentes, que pondo à sua frente o general Sepúlveda, tão nobremente contribuíram para o resultado da lucta.

Cabe a esta villa também a honra de ter sahido da família dos Castros de Melgaço o laureado ministro da nossa marinha, Martinho de Mello e Castro, nome altamente sympático e bemquisto da nação.

Nasceu o illustre varão a 11 de novembro de 1716.

Seguiu a carreira eclesiástica e em 1739 foi nomeado cónego da sé patriachal. Seguiu depois a carreira diplomática, e estava ministro em Londres, quando rebentou a guerra entre a nação dos piratas, a Hespanha e a França.

O patriótico ministro prestou então valorosos serviços ao paiz, já enviando armas e munições de guerra, já envidando todos os meios para dar lustre ao nome portuguez. Coube-lhe a elle assignar a paz em Paris, o que realisou, salvaguardando a honra e os interesses nacionais como um verdadeiro portuguez.

José I nomeou-o ministro e secretário de estado dos negócios da marinha, em 1777.

Martinho de Mello tomou o mais vivo interesse no desenvolvimento da marinha de guerra portugueza, e esteve sempre ao lado do grande marquez de Pombal, em todos os commettimentos de utilidade pátria. Comquanto não fosse affeiçoado ao severo ministro, que tanta influência teve no reinado de D. José, coadjuvou-o sempre que se tratava do engrandecimento e prosperidade nacional. Depois da queda de Sebastião José de Carvalho e Mello, continuou a dirigir a pasta da marinha com a mais evidente intelligência e sollicitude.

A este hábil ministro se deveu a magnífica esquadra que então houvemos. Ainda quando D. João VI fugiu covarde e criminozamente para o Brazil, deixando a pátria nas garras do inimigo bonapartista e do pirateiro aliado, se compunha a esquadra de guerra portugueza de doze fragatas, e doze naus de linha, afora muitas outras embarcações de menor importância.

Isto em 29 de novembro de 1807…

Hoje temos o Pimpão e meia dúzia de chavecos, incapazes de aguentarem os embates do oceano em revoltas de borrasca.

Ah! Mas é que já não existem homens como o marquez de Pombal e Martinho de Mello, à frente da administração pública!

O digno estadista conservou a pasta da marinha até à data do seu falecimento, em 24 de março de 1795. Possuía inalteravelmente a mais clara inteligência, e foi activo no desempenho da sua nobre missão até que a morte o prostou, velho nos annos, sempre novo na pujança do espírito, e no discernimento da acção.

Em Loanda conhecemos ainda um transporte de guerra com o nome do illustre ministro. Há annos desarmou esse vaso da nossa marinha, e ainda não houve quem se lembrasse de dar o nome de Martinho de Mello a outra qualquer embarcação de guerra.

Em troca há-os que teem nomes que nada significam, a não ser a máxima insignificância.

Tem Melgaço um templo digno de menção, edificado sobre uma elevação sobranceira ao rio Minho, o qual, como se sabe, separa esta villa do reino vizinho. O átrio d’este santuário é atravessado por uma estrada, que vindo da povoação parte para a Galliza.

Perde-se nos dédalos do tempo a história d’este templo, sabendo-se, porém, que já estava construído na época dos godos.

Em 1170 estava quasi totalmente arruinado, e D. Affonso Henriques mandou-o reconstruir, conforme consta de uma escriptura de doação feita por D. Sancho I, em Santarém, em setembro de 1207, e assignado pelo rei, todos os seus filhos e prelados do reino. Até 1834 conservou-se esta escriptura no Livro das Datas, depois foi inglesada com tudo mais quanto serviu de repasto à voracidade anonyma.

O templo, da invocação da Nossa Senhora da Orada, é construído de boa cantaria e foi até 1834 da jurisdicção dos monges do convento de Santa Maria de Fiães, por doação de D. Sancho, que o havia herdado de seu pae.

Desde a egreja à povoação é a estrada ladeada de formosas hortas, pomares, fontes abundantes de magníficas águas, vistosos campos e casas, o que dá o mais alegre e grato aspecto ao sítio.

Do dia da Ascenção até ao domingo do Espírito Santo era outr’ora muito concorrida a estrada pelos romeiros do concelho de Melgaço, Valladares e Monção, os quaes iam offerecer à Virgem da Orada o resíduo paschal, levando cada freguezia os seus parochos, e ao menos uma pessoa de cada família.

Tinham estas romagens por motivo um voto que os povos das mencionadas freguesias fizeram durante uma terrível epidemia de peste, que, tendo assolado e deixando desertas innumeras povoações, àquellas não havia causado o mínimo damno.

Hoje, comquanto ainda tenha devotos, não é a egreja procurada como d’antes. A civilização fazendo pouco a pouco luz no espírito humano tem-lhe ensinado que o verdadeiro templo é a consciência própria, que todos devem honrar e respeitar como um santuário que Deus nos collocou dentro do peito.

Finalmente: não é a villa de Melgaço rica de pergaminhos artísticos, de que tantas outras povoações se envaidecem, porém, a sua carreira histórica dá-lhe foros de illustre.

E o castelhano que com ella defrontar hade comprehender que ali naquelle pedaço de terreno frigidíssimo, rude, mal agradecido aos labores do proletário; que ali, sob aquelle céu ora de um azul espelhado e frio como uma lâmina de aço polido, ora nevoento e opaco como uma desgraça latente, há corações que abrigam o fogo sagrado dos mais nobilitantes sentimentos.

E poderá pensar que nas veias dos filhos de Melgaço corre um sangue tão puramente portuguez como aquelle que gravou na lusitana história, n’aquelle dia solemne de Aljubarrota, o verbo sagrado – Independência!

Quando uma povoação tem tão heroicos antecedentes, pode com altivez medir-se em glórias com a mais opulentada cidade.

 

FREGUEZIAS D’ESTE CONCELHO DIGNAS DE MENÇÃO

 

CASTRO LABOREIRO – Esta povoação foi conquistada aos mouros, em 1136, por D. Affonso Henriques, que mandou circumdar de muralhas o castello que já ali existia desde remotos tempos. D. Affonso III concedeu-lhe foral em Lisboa, a 15 de janeiro de 1372, e a elevou à cathegoria de villa com o nome de Laboreiro. Foi reedificada por D. Dinis, pelos annos de 1290, assim como o castello, que havia sido completamente arrazado no princípio do século XIV, em consequência de um raio lhe ter incendiado o paiol da pólvora.

Este venerando baluarte, hoje completamente arruinado, fica ao sul da villa, sobre um elevadíssimo pico que terá de altura uns 400 e tantos metros, e ergue-se sobre uma base de modesta circumferência, o que o torna espantosamente aprumado. Teve quartéis em recuadas eras e um poço de água nativa, o que se torna admirável n’aquella espantosa altura.

Gosou esta povoação o privilégio, concedido por vários monarcas e confirmado por D. João V, de não dar mancebos para o exército.

D. Manuel concedeu-lhe foral em Lisboa, a 20 de novembro de 1513, e n’elle é citada villa pelo nome de Castro Laboreiro.

Há anos, e não sabemos se ainda hoje, emigravam de Castro Laboreiro para o Douro, Tráz-os-Montes, Beira Alta e outras terras, desde que entrava o mez de setembro, bastantes indivíduos do sexo masculino de oito annos para cima até à idade mais provecta, não recolhendo senão na Paschoa.

Dava isto em resultado ficar a villa tão despovoada de homens que os defuntos eram conduzidos para a egreja por mulheres, havendo antes d’esse acto, em casa dos doridos um banquete para todas as pessoas que quizessem assistir a elle, o que grande número d’ellas aproveitava.

Adiante do féretro ia uma comitiva de mulheres, conduzindo à cabeça broas de milho, açafates com bacalhau e outros comestíveis, que na egreja entregavam ao paracho.

Ao enterramento assistiam com uma vela na mão, arrancando gemidos, e soluços e manifestando hypocritamente com os trejeitos ridículos que faziam, dor e mágoa profundas!

 

LAMAS DE MOURO – No anno 812, no sítio chamado Valle do Mouro, d’esta freguezia, teve logar uma grande batalha, dada pelo bravo Bernardo del Carpio, parente e vassalo de D. Affonso, o Casto, de Leão, contra Ali-Aton, rei de Córdova, que ficou derrotado e perdeu grande número de soldados. Ali-Aton havia tomado muitas terras aos luzitanos, que, em consequência d’este desastre, tornou a perder.

Dizem alguns chronistas que por esta povoação entrou, em 1129, D. Affonso VII de Castella, que foi derrotado na Veiga da Matança, junto aos Arcos de Val-de-Vez, por seu filho D. Affonso Henriques, primeiro rei de Portugal. Também por ali entrou para ir atacar Valença, em 1657, o general castelhano D. Vicente Gonzaga.

 

PADERNE – Na doação que D. Affonso Henriques, em 1141, fez do couto de Paderne a D. Elvira, prioreza do convento das cónegas de Santo Agostinho, fundado n’esta povoação em 1130, pela condessa D. Paterna, viúva de D. Hermenegildo, conde de Tuy, diz o monarca que lh’a fizera pelos bons serviços que as freiras lhe haviam prestado quando elle estava sitiando Castro Laboreiro, mandando-lhe mantimentos e alguns cavallos, sendo um d’elles magnífico e ricamente ajaezado, para el-rei montar.

Durante a guerra da restauração, o Prior de Paderne, D. Simão da Paixão, commetteu actos de bravura como guerreiro e como capitão-mor do seu couto.

 

ARCHIVO HISTORICO DE PORTUGAL

Narrativa da Fundação das Cidades e Villas do Reino, seus Brazões D’Armas, etc.

2ª Série

Numº 43

Anno de 1890

 

ARCHIVO HISTORICO DE PORTUGAL II

melgaçodomonteàribeira, 29.02.20

afonso III.JPG

No período que medeia de 1384 a 1393, sustentou Portugal encarniçadas batalhas com os pretendentes castelhanos João I e Henrique III.

Depois do assassinato do conde Andeiro, a rainha D. Leonor Telles repleta de ódios contra Portugal, chamou o genro de Castella, para que tomasse conta do paíz. Desde logo o monarca veiu sobre Portugal, invadindo e perpetrando várias barbaridades, mas a heroica attitude de Nunalvares, a sábia direcção política de João das Regras, e a sensatez e brios do valoroso mestre de Aviz, lograram salvar o paíz das algemas da escravidão. Não há, ou pelo menos não deve haver, um só português que ignore os feitos brilhantes dos nossos avós d’aquella época de riscos, de angústias e indecisões, aggravada tão lastimosa situação ainda pela peste que se alastrava na Europa.

O epílogo d’estes combates titânicos foi a assombrosa batalha de Aljubarrota, em que as portuguezas hostes se ergueram ás proporções de legendários heroes. Foi ali que vinte mil guerreiros inimigos, bem equipados e instruídos na guerra, ficaram derrotados por um exército indisciplinado, ignorante, e cujo número não passava de dez mil homens. Mas em cada um d’esses homens havia um coração gigante, transbordando de amor pátrio! Iam dispostos a morrer, mas não a presencearem a morte da adorada mater. Com elles estava o homem digno, que n’aquelle grande dia symbolisava a Pátria, e esse, o sympathico Mestre de Aviz, bateu-se como um leão, incutindo audácia aos seus com a palavra e com o exemplo.

Este ilustre varão, que tão immortalisado tinha de ficar na gratidão portugueza por seus feitos e pelos seus preclaros filhos, viu fugir em debandada o numeroso exército inimigo, que tão soberbo e provocante se apresentara, contando de antemão com o triumpho decisivo.

Fiava-se o insolente castelhano na desproporção numérica dos nossos combatentes, olvidado dos heroísmos de que a fronteira lhe dera já severa lição. É certo que a princípio nos tinham tomado grande parte das povoações fortificadas do Alto Minho, mas os portuguezes retomaram o forte castelo de Neiva. Vianna, que estava sob o governo de um castelhano, por nome Vasco Lourenço da Lira foi salva de similhante ignomínia por um popular chamado Frisus, o qual pondo-se à frente do povo atacou valentemente o castello, e aprisionou toda a guarnição castelhana. Frisus morreu na refega, porém a posteridade immortalisa-o no capitólio da glória.

Villa Nova de Cerveira, Caminha e Monção foram igualmente reavidas pela ousadia patriótica dos povos. Ponte de Lima foi resgatada pelos heroicos esforços dos seus habitantes em prémio do que o bom rei D. João I lhes mandou collocar os bustos sobre as vergas das portas.

Voltemos, porém, ao nosso propósito de exemplificar o quanto valem e o quanto bem merecem da Pátria as mulheres de Melgaço.

Permanecia ainda esta villa sob o domínio castelhano, defendendo o castello Alvaro Paes Sotto-Maior, alcaide-mor, que tinha às ordens uma guarnição de trezentos infantes e trezentos cavallos.

Enfastiado pela resistência, foi o valente D. João I pessoalmente pôr cerco a Melgaço, mas os dias decorriam sem haver ensejo para mais de ligeiras escaramuças sem importância para a decisão do pleito. Ao décimo dia o rei-guerreiro, já exasperado pela situação, tomou a resolução de mandar fazer um castello de madeira, que ficasse a cavalleiro das muralhas. Vinte dias levou o plano a executar-se. Vendo os inimigos propinque um assalto, deram signal de um armistício, e mandaram à praça um emissário para entabularem negociações.

Alvaro Paes, o velho amigo de D. João, taes condições poz, que não pode resolver-se coisa alguma, e então o monarca ordenou que se desse o assalto, o qual seria por elle mesmo commandado.

Deu-se isto pelo anno de 1387; D. João havia-se matrimoniado recentemente com a virtuosa e intelligentíssima princeza D. Filippa de Alencastre, que tão salutar, honesta, e gloriosa influência exerceu no ânimo do esposo e na educação dos heroicos filhos. A jovem rainha estava em Monção com as suas damas e acompanhada pelo famoso João das Regras, sábio mestre e alma da política d’aquelles tempos. Viera do Porto para ver o esposo real, e tencionava residir no convento de Fiães emquanto durasse o cerco. Espírito varonil e angélico ao mesmo tempo, não a atemorizava o perigo, antes d’elle se approximava como uma estrella de amor, que lançava os seus castíssimos reberveros no coração dos reivindicadores dos direitos de sua nova pátria, pátria que a doce e bella rainha tanto amou e soube honrar!

Dentro da praça havia uma mulher destemida, espécie de virago, que sendo natural de Melgaço, renegara a sua origem e se dera de alma e coração aos castelhanos. Ora no arraial dos portuguezes achava-se também uma mulher de muita valentia, do que havia dado bastas provas. Esta, cujo nome era Ignez Negra, abrigava no coração os mais sagrados princípios patrióticos, e daria a sua vida pela honra de sua terra. Sabedora a renegada da existência da valente portugueza nas sua vizinhanças, mandou-a desafiar a um combate singular.

Ignez Negra não repelliu a proposta, e dirigiu-se immediatamente para o lugar da justa, que ficava a meia distância do arraial e da villa. Chegada ali encontrou a sua antagonista já perfilada, arregaçada e capaz de luctar com o próprio Hércules. Não se intimidou Ignez, mas antes se encheu de nobre indignação, em presença da deshonrada virago que atraiçoara a mãe pátria.

Feriu-se o combate com extraordinário ardor. Parece que ambas andavam armadas, mas não especialisa a chronica a espécie de armas de que se serviram, sabendo-se apenas que essas armas ficaram despedaçadas na refega. Por fim valeram-se de unhas e dentes.

Afinal a arrenegada, como então de se dizia, ficou vencida, rotas as vestes, esmurradas as narinas, escalavrada a cara, e n’esse vergonhoso estado de derrota teve de fugir, deixando como tropheus à vencedora os cabellos e os farrapos do vestuário.

Grande foi a assuada que os castelhanos soffreram do arraial portuguez, e a nossa destemida compatriota foi victoriada como de justiça era.

No dia immediato cahia a villa no regaço da mãe pátria e, Ignez Negra, guerreira entre os guerreiros, lá estava no alto da plataforma do castello, cercada de besteiros, olhando amoravelmente o pendão das quinas, que de novo conquistara o seu lugar.

Então, no auge do seu enthusiasmo exclamou triumphantemente, collocando as mãos sobre o generoso coração que parecia disposto a saltar-lhe do seio:

«Mas vencemos-te! Tornaste ao nosso poder. És do rei de Portugal!»

Salvé brilhante heroína de Melgaço! A Pátria agradecida te cobre de bênçãos a gloriosa memória!

 

ARCHIVO HISTORICO DE PORTUGAL I

melgaçodomonteàribeira, 15.02.20

 

48 a2 - antigo escudo da vila, desaparecido.jpg

antigo brasão de melgaço

ARCHIVO HISTORICO DE PORTUGAL

MELGAÇO

Fica esta villa na província do Minho, e pertence ao arcebispado de Braga.

É praça de guerra, cabeça de comarca e dista 430 kilometros de Lisboa e 72 ao noroeste de Braga.

A origem de Melgaço perde-se na penumbra da história. Sabe-se que é povoação antiquíssima, mas ignora-se quando e por quem foi fundada. Querem uns que a sua fundação fosse devida aos luzitanos, outros que ella fosse obra dos romanos. Não há vestígios de espécie alguma que dêem qualquer idéa do que foi esta povoação na sua primeira idade. Nenhum monumento, nenhuma revelação archeologica tem aparecido a fazer luz n’esta obscuridade de origem.

Que existia no tempo da dominação árabe é incontestável, porem já a esse tempo era Melgaço antiquíssima povoação, visto ter D. Affonso Henriques encontrado ali uma grande fortaleza inteiramente arruinada.

Era este castello denominado castello do Minho, e foi com certeza construído pelos árabes. Em volta d’elle apinhavam-se alguns casebres, talvez construídos com o fim de acolherem os seus habitantes á protecção do forte, pois que n’aquelles tempos não havia segurança longe d’esses colossos de pedra, que continham em respeito os aventureiros.

Qual a importância que tivesse esta villa não é dado, pois, saber-se positivamente. No entanto, o facto de n’ella terem os árabes edificado uma fortaleza, prova que não era destituída de consideração dos seus possuidores.

No tempo de D. Affonso Henriques achava-se, porém em misérrimas circumstancia, e abandonada pelos seus habitantes. Não são também conhecidas as razões que levaram os mouros a essa emigração. Talvez possa explicar-se o facto pela guerra acérrima que os christãos lhes moviam. O audacioso e aguerrido filho do conde D. Henrique encontrando a terra deserta, mandou-a povoar por christãos e reedificar-lhe o castello, em 1170.

Em 1197 o prior do mosteiro de frades crúzios, D. Pedro Pires, mandou á sua custa edificar a fortaleza e a torre.

Era este prior muito abastado de fortuna e dedicado ao engrandecimento do paiz. O mosteiro a que pertencia era o de Longosvales.

Em 21 de Julho de 1181 deu D. Affonso Henriques o primeiro foral a Melgaço e fez doação da aldeia de Chaviães aos seus moradores.

D’este foral trata o sapientíssimo historiador Alexandre Herculano na sua História de Portugal, vol. IV, pag. 114. Referindo-se ás garantias e liberdades que usofruiam alguns concelhos, escreve o imortal auctor do Eurico: Quanto, porém, ás liberdades mais importantes, eis o que lemos no foral de Melgaço concedido por Affonso I em 1181:

«O vigário d’elrei seja um morador da villa. Se alguém o ferir ou matar, pague cem soldos de multa, como de outro qualquer homem.»

«O que quizer ser vizinho, vindo morar convosco, pague um soldo, seis dinheiros para os juízes da villa, e seis para o senhor da terra.»

«Se algum mercador vier com estofos, venha o fardo por atacado e não a retalho, salvo sendo na feira, e se assim o não fizer, pague trinta soldos que se dividirão entre o meu vigário, e os juízes de vossa villa».

«Se alguns homens travarem lucta e se arrepelarem (per capillos se traxerint) dentro da villa, quer seja em concelho reunido, quer na egreja, a ninguém deem satisfação disso senão a si mesmos, se quizerem fazel-o, etc.»

«Se, porém, algum dos dous recusar a reparação, e o outro der querela por intervenção do vigário, execute-se o que sentenciarem os juízes da villa, dando-se metade (da condemnação) ao espancado e metade ao vigário.»

«Se entre vós o vizinho matar seu vizinho, venha a justiça da villa com o vigário d’elrei á porta do homicida e peçam-lhe um penhor: dado este, peçam-lhe um fiador por cinco soldos: dado o fiador, restituam-lhe o penhor dentro de nove dias: passados os nove dias, venham as dictas justiças e vigário, e exijam do criminoso cem soldos pelo homicídio. Se, porém, não o acharem na terra, o fiador pague cinco soldos, e o homicídio recaia sobre a casa e prédios ruraes do auzente, e ninguém mais lhe faça mal senão os seus inimigos.»

Isto quer dizer que a vingança ficaria aos parentes do morto pelo direito de revindicta, sem que a justiça interviesse n’isso, tendo tirado os cem soldos de multa por execução nos bens do criminoso.

El-rei D. Affonso III lhe deu outro foral em Braga, a 29 de abril de 1258.

Tratando d’este segundo foral, diz ainda o imortal Alexandre Herculano em uma nota da sua História, que se encontra a pag. 169, que ali se estabelecia que os moradores da villa fossem 350, devendo pagar 350 morabitinos de direitos reaes. D’este foral, transcreve o mesmo auctor:

«Mandae-me immediatamente um cavalleiro português, que me faça menagem do castello de Melgaço, tal que possa ter e defender o dito castello e fazer delle direito.»

Estes foraes são escriptos em latim bárbaro, e encontram-se no archivo da Torre do Tombo, na gaveta especial de foraes antigos.

Pertenceu esta villa á caza dos Braganças, e pelos duques eram dados todos os offícios.

De Melgaço são oriundas várias famílias nobres de Portugal, taes como os marquezes de Niza, condessa da Ribeira, barão de Proença-a-Velha, Castros Pittas, de Caminha, e outras ilustres famílias, mais ou menos aparentadas com o antigo senhor de Lapella, morgado de Covas, Gaspar de Castro Caldas.

Se Melgaço não é conhecida na sua origem, se não tem a illustral-a nem columnas nem templos, preciosas relíquias da civilisação pagã, a sua história desde os tempos em que foi povoada pelos christãos é insufficientemente honesta e heroica para lhe grangear títulos de nobreza.

De quantas vezes a pátria precisou do seu auxílio, de lá correram valentes e  intrépidos patriotas, affrontando perigos, determinando-se bravamente a todos os sacrifícios. Nas longas e successivas guerras com Castella os melgacenses souberam sempre honrar a sua terra e a lusitana bandeira.  

E não só os homens como também as filhas de Melgaço são heroicas e arrojadas na defeza da integridade do território pátrio. Exemplos teem dado dos seus nobillísimos sentimentos, e d’este vamos fazer a narração de um, que de per si basta a orgulhar as formosas e honestas mulheres d’esta briosa villa.