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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

HISTÓRIAS DE VIDA

melgaçodomonteàribeira, 20.07.19

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morminda dos prazeres

 

HISTÓRIAS DE VIDA

Maria Orminda dos Prazeres

 

Nascida em 16 de Julho de 1927 no Porto, filha de Abílio José Marinho e de Irene dos Prazeres, ele de Celorico de Basto, chefe das águas de Melgaço (Peso) e ela natural de Melgaço.

Os primeiros anos (só 2) esteve na escola de Melgaço, mas quando se mudou para o Porto, foi para o Colégio onde estudou o resto dos anos. Este colégio teve origem para recolher as crianças sobreviventes da invasão Francesa e d desastre da Ponte das Barcas. Chamava-se por isso o Recolhimento da Senhora das Dores e de São José das meninas órfãos ou desamparadas.

Depois concorreu para telefonista dos Correios e não foi à primeira, nem à segunda, mas acabou por estagiar 6 meses, na Batalha. Depois foi para Melgaço para a casa da avó.

Chamaram-na duas vezes, mas não compareceu. Preferiu ficar com a família do que voltar para o Porto. Aí ajudava a família e trabalhou no campo, embora não gostasse do sacho. Era uma rapariga moderna naquela terra de antigos costumes, como Remoães, uma aldeia de Melgaço.

Acabou por ir para o Porto trabalhar na Av. Dos Aliados, na Pensão Universal até aos 25 anos quando resolveu ir para França, nos arredores de Paris.

Aí arranjou trabalho e defendeu-se na vida muito bem com altos e baixos como todos. Ajudava com dinheiro a família e educou a sua filha Maria Edite que vive nesta altura em França, perto do Luxemburgo, casada e com dois filhos, um casal, ainda solteiros.

A Orminda é da altura que havia um respeito grande pelo padre e até se beijava a mão ao sacerdote, assim como quando maiores ou juvenis beijavam a mão aos padrinhos, aos tios, aos avós, aos pais, pedindo a bênção.

“A sua bênção minha tia”. Agora estamos na época e na civilização do tu-tu-tu.

Nas águas do Peso de Melgaço a família vendia fruta aos que iam para o tratamento de águas, onde havia uma fonte para os diabéticos e outra para o fígado. Uma tia trabalhava numa dessas fontes.

Tudo se degradou e agora está a recompor-se, mas a crise económica pode trazer às termas uma recessão.

Naquele tempo iam para lá os ricos porque o Estado raramente dava uma ajuda aos pobres.

As Águas de Melgaço faziam parte de uma companhia conhecida, Vidago, Melgaço e Pedras Salgadas.

 

Retirado de:

                   www.imprensaregional.com.pt

O DOUTOR SUIÇA

melgaçodomonteàribeira, 05.01.19

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nº 60, casa da dona marieta

 

UM LUGAR ONDE NADA ACONTECIA…

II

Espalhou-se rápida nas tabernas e no café a notícia do internamento no hospital, do Amílcar da Lucrécia. O grupo de rapazes reunido numa mesa do café do Zé Félix, comentava o caso:

- Realmente fazia alguns dias, talvez mais de uma semana, que não aparecia no bilhar.

- A Maria da Rosa Pires que ultimamente cuidava dele, é que o levou ao hospital.

- Disseram que estava irreconhecível. Um rapagão que ele era, consumido pela febre.

- Tudo começou por uma dor de cabeça.

- Está com meningite e talvez não escape.

Quem afirmava isto era o Neca Pires, sempre bem informado e que acabara de se juntar ao grupo.

O Dr. Esteves, mais conhecido como Dr. Suíça pela marca de nascença que tinha no rosto, encostada à orelha esquerda, médico clínico do hospital, sentenciara:

- Meningite em estado adiantado, não tem jeito!

O Zeca da Cabana, funcionário municipal, de família influente e amigo do médico, presente na hora do diagnóstico interveio:

- Ó Esteves, vê o que podes fazer pelo rapaz, ele é um desocupado, mas é um ser humano.

- É um pária, imprestável, não merece qualquer tentativa…

Era o doutor António Cândido Esteves, radical em suas opiniões e aparentemente desprovido de sentimentos piedosos. Não acreditava em Deus nem em qualquer manifestação espiritual. Uma tarde, na alfaiataria do Augusto do Félix, do outro lado da rua, quase em frente à sua casa, onde passava alguns momentos do dia conversando, surgiu o assunto:

- Claro que Deus não existe, donde é que ele veio?

- Mas, senhor doutor, a terra, os planetas, o universo, quem os fez? – perguntava o Gú, filho do alfaiate.

- Apareceram por acaso. A maior parte das coisas aparecem por acaso.

- E Jesus Cristo? – perguntou o Augusto do Félix.

- É isso que é uma boa alma, como vocês dizem. Foi um sujeito bom, como tantos outros e o povo diz que é uma boa alma.

A conversa nesse dia acabara meio sem graça. Não obstante a sua instrução superior, o doutor Esteves não teve argumentos para evitar o sentimento de piedade que naquele momento lhe devotaram. Todavia convivia o doutor Suíça pacificamente com a religião chegando a participar de alguns actos do culto como se fossem eventos sociais, e era amigo de todos os padres da região, a quem respeitava e era respeitado.

As declarações de ateísmo do doutor Esteves eram contrariadas por suas atitudes de vida. Atendia a todos que o procuravam ou mandavam chamar, sem cobrar coisa alguma, mesmo porque a maioria do povo não tinha recursos monetários. Nos seus tempos de estudante na Faculdade em Lisboa, frequentara a Academia de Equitação, e, desde então tinha predilecção por cavalos e era óptimo cavaleiro. Sempre tinha um animal de boa linhagem, geralmente uma égua, que era o seu meio de transporte para atender aos enfermos nas povoações distantes, na montanha, onde o automóvel não ia.

Tinha um Citroen, modelo 1928, em bom estado, pelo pouco uso, não obstante os quase vinte anos. Quando resolvia utilizar o automóvel, para o tirar da garagem valia-se de alguns rapazotes que o empurravam até pegar. Pelo longo tempo de inactividade sempre a bateria estava descarregada. Nos sábados, dia de feira na Vila, à porta do doutor Esteves havia uma romaria de pessoas que vinham agradecer os seus préstimos; um parente que ele salvara, ou o próprio enfermo já recuperado. Como reconhecimento, faziam-se acompanhar de frangos, galinhas, cabritos, peixes do rio, frutas e outros produtos da terra.

- Ó Manel, vem cá! Leva estas trutas à casa da Marieta.

O Manel era o filho mais novo do Augusto do Félix, o vizinho alfaiate. A Marieta era a mulher oficial do doutor Suíça com quem tinha duas filhas. Não moravam juntos, nem eram casados.

Dava toda a assistência mantendo a casa da mulher no maior conforto e abastança. Parte dos pagamentos que os pacientes lhe traziam eram mandados para a casa da Marieta. Na sua casa na rua da Calçada, morava com sua mãe, a D. Teresa Pedreira, e uma criada. Um dos motivos para que a Marieta não morasse na casa do médico era a intransigência da mãe.

Todavia, segundo os mais velhos, ela, Teresa, tinha sido empregada naquela casa.

Tinha o doutor Esteves, e parece que era esse um dos seus pecados, aparte os conceitos filosóficos e teológicos, uma tremenda vaidade da sua colecção de objectos. Algumas pessoas que ele atendia tinham familiares emigrados em outros países a quem comunicavam o acontecido. Quando estas pessoas conseguiam ir de visita a seus familiares ou em regresso definitivo, traziam os mais variados e valiosos presentes para o doutor Suíça. Uma espingarda de caça, cano duplo, toda entalhada, o melhor que existia na época segundo os entendidos, que alguém levara da Bélgica; relógios idos da Suíça, máquina fotográfica de França e outros objectos de alto valor. Nunca, naquela terra, se ouvira falar em tal: um retornado dos Estados Unidos levou-lhe um barbeador eléctrico. Foi uma sensação!

Mas o doutor Esteves não saía de seus hábitos e não usava nenhum daqueles objectos. Eram como troféus dos quais era cioso e só uns poucos amigos podiam apreciar.

Para manter suas necessidades económicas e sua posição social, tinha considerável património de família. Auferia salário simbólico como clínico do hospital, porém tinha bons lucros com a transacção de gado bovino. Era entendido no assunto, frequentava as feiras especializadas, comprando e vendendo bois e vacas. Mantinha os animais ao ganho durante algum tempo, que consistia no seguinte: comprava os animais em época baixa, quando os lavradores precisavam de dinheiro para custear suas lavouras e vendia-os em época em que os mesmos precisavam dos animais para as fainas agrícolas. Nesse meio tempo os animais ficavam à guarda de proprietários rurais conhecidos ou amigos, que passavam a ser parceiros. Cuidavam dos animais utilizando-os em seus serviços de lavoura e quando o convencionassem vender, o lucro era dividido.

(continua)