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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MANJAR DOS REIS DO MOSTEIRO DE FIÃES

melgaçodomonteàribeira, 05.10.19

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MANJAR DOS REIS DO MOSTEIRO DE FIÃES

 

Este doce conventual, tipicamente natalício, foi criado pelos monges cistercienses do antigo Mosteiro de Fiães, situado no concelho de Melgaço, no extremo norte de Portugal.

Sendo um doce de origem conventual, não podiam faltar as gemas em abundância e a amêndoa. Trata-se de uma receita simples, que permite fazer o aproveitamento de arroz cozido, resultando num doce que é um verdadeiro manjar.

 

Ingredientes:

 

12 gemas

125 g de amêndoas moídas

125 g de arroz cozido

300 ml de água

500 g de açúcar

Raspa de limão q. b.

 

Confecção:

 

Leve o açúcar ao lume com a água e deixe ferver durante 2 minutos, até formar ponto de pasta (introduzindo uma colher, a calda corre facilmente, mas há uma pequena camada que adere).

Retire do lume e junte a amêndoa, o arroz escorrido e as gemas. Mexa bem.

Leve novamente ao lume para engrossar, mexendo sempre para não queimar.

Sirva o doce em taças ou numa travessa.

 

Se fizer esta receita, mande-nos a sua foto para o email docesregionais.mail@gmail.com e nós faremos a divulgação com a indicação da sua autoria.

 

 www.docesregionais.com/manjar-dos-reis-do.mosteiro-de-fiães/#more-7404

 

EL REY DOM MANOEL E OS CRIMINOSOS GALEGOS

melgaçodomonteàribeira, 16.09.17

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COLLECÇÃO CHRONOLOGICA DA LEGISLAÇÃO PORTUGUEZA

 

 

DOM MANOEL, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves etc. A quantos esta nossa Carta virem, fazemos saber, que o Juiz e Officiaes da Villa de Melgaço nos enviaram dizer, que, por se evitarem algumas mortes, roubos e males, que muitas vezes na dita Villa se faziam, por alguns galegos do Reino de Galiza se á dita Villa se vierem acolher e estar, tendo no dito Reino commettidos e feitos graves maleficios; e por ser de vosso escusarem isso mesmo, e outros inconvenientes de nosso serviço, elles fizeram accordo em Camara, que os taes galegos de capa em colo, que os ditos maleficios graves no dito Reino de Galiza commettessem, nom fossem consentidos nem acolhidos em a dita Villa; pedindo-nos que, por quanto em alguma maneira o Alcaide-mór Pero de Crasto lhes ia contra seu accordo, em acolher comsigo os taes: mandassemos que seu accordo que sobre isto tinham feito, lhes seja em tudo guardado e cumprido, e lho confirmássemos. E visto por nós, e por nos parecer seu requerimento justo e honesto, temos por bem e confirmamos-lho, e queremos e mandamos que os taes galegos de capa em colo, e que assim os ditos maleficios graves commetterem e fizerem no dito Reino de Galiza, nom sejam acolhidos nem consentidos na dita Villa, e se cumpra e guarde o accordo dos Officiaes, sobre isto feito, como nelle é contheudo, porque assim é nossa mercê. E mandamos a todos nossos Corregedores, Juízes e Justiças, que assim o façam cumprir e guardar. Dada em a nossa Villa de Almeirim, a 13 dias de Junho. Alvaro Fernandes a fez. Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1500.

Pedindo-me por mercê o dito Concelho e homens bons da dita Villa de Melgaço, que lhe confirmasse a dita Carta, e visto por mim seu requerimento, querendo-lhes fazer graça e mercê, tenho por bem e lha confirmo, e mando que se cumpra e guarde, como se nella contem.

Bastião Lamego a fez, em Lisboa, a 23 de Outubro do anno de 1529 = EL-REI.

 

 

Retirado de: Collecção Chronologica da Legislação Portugueza

                     Compilada e Anotada por:

                     José Justino de Andrade e Silva

                        bacharel formado em direito

                     Lisboa Imprensa Nacional 1859

 

http://books.google.pt

 

MORREU A KAYA

2005 - 2017 

 

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kaya, na rua de baixo, desafia o dono para um passeio e, quem sabe, contar-lhe a história da família

 

 

OS FORAIS DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 28.01.17

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A cultura tem constituído preocupação primária na nossa política municipal. A Câmara de Melgaço tem investido na recuperação do património e na criação de infra-estruturas e equipamentos, assim como na acção cultural e na publicação de livros e textos que registam passagens importantes da nossa história colectiva.

Com a concessão do primeiro foral em 1183, D. Afonso Henriques deu estatuto jurídico e administrativo a Melgaço, fundando assim o nosso concelho.

Ao longo da Idade Média e Moderna foram concedidos mais dois forais, um em 1258 por D. Afonso III e o outro em 1513 por D. Manuel I, vendo assim Melgaço reconhecida a sua autoridade concelhia.

Estando a decorrer a passagem dos 820 anos do primeiro foral de Melgaço, considerou a Câmara Municipal que a publicação dos três forais constituía um investimento cultural que se impunha por se tratar de documentos que são autênticos símbolos de autoridade concelhia e de grande valor patrimonial que marcam três fases importantes da vida da nossa terra.

Ao darmos a conhecer aos Melgacenses e ao exterior marcos tão importantes da nossa história estamos a preservar as nossas raízes e a promover o nosso concelho.

Uma palavra final de agradecimento sincero ao ilustre Melgacense Prof. Doutor José Marques que com esta publicação presta mais um enorme serviço ao nosso Município.

Continuamos a construir o futuro de Melgaço, preservando e engrandecendo os valores da nossa cultura.

 

                      O Presidente da Câmara Municipal

 

 

Os Forais de Melgaço

José Marques

Edição Câmara Municipal de Melgaço

2003

 

UM REGRESSO QUE SE SAÚDA

melgaçodomonteàribeira, 01.10.16

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Relançar o Boletim Cultural de Melgaço impõe-se também como forma de afirmação da identidade, contrariando a tendência para esbater as diferenças entre municípios que o fenómeno da globalização tende a favorecer.
Publicações como esta exigem de nós a reflexão dos mais diversificados assuntos locais, acolhendo investigações sobre o território que plasmadas no papel perpetuam para a história os valores culturais de Melgaço. Este número traz-nos conhecimento de diferentes áreas do saber que entendemos serem importantes para o nosso entendimento enquanto território e todos os que dele fazem parte. Através desta publicação divulgamos Melgaço, pois é com esta obra que estabelecemos permutas com outras instituições quer portuguesas quer espanholas, num intercâmbio que enriquece o fundo documental da nossa Biblioteca Municipal.
O Boletim Cultural é ainda um fórum disponível a todos os investigadores e estudiosos das diferentes áreas do conhecimento para divulgarem o seu trabalho e principalmente enriquecerem o nosso saber.
O retomar da edição do Boletim Cultural insere-se num plano de ação cultural mais vasto que estamos a desenvolver e que privilegia ações que destinguem e afirmam o nosso território, a História, a Cultura e a autenticidade. Em articulação com a comunidade local, regional, nacional e internacional pretendemos - e estamos a conseguir - a afirmação cultural do nosso Município e da sua Cultura.
Por último, mas com um sentimento de profunda gratidão e apreço cabe-me dar os parabéns a todos os colaboradores, que sendo ou não de Melgaço, que estando cá ou fora de Melgaço, escolhem o nosso concelho para realizarem os seus estudos e investigações e que agora publicamos de forma a todos termos acesso ao seu trabalho.

 

                                        O Presidente,

 

                           Manoel Batista Calçada Pombal

FARO DE VIGO, 10/9/2016

melgaçodomonteàribeira, 24.09.16

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CINE E FRONTEIRA

 

Xavier Nogueira, viaxeiro, historiador, xeógrafo, escribe ao Fondo dos Espellos. “O caso (cóntanos) é que a comezo dos oitenta coñecín en Melgaço certo personaxe digno de lembranza. Presentoumo alguén do lugar que coñecía a súa historia e peripécia (…) Aquel home, xa maior, vivía cerca da Cámara, na rúa que descende lateralmente desde a Praça da República ata a de Hermenegildo Solheiro. Con grande amabilidade relatou como polos anos trinta (ou antes) se dedicara a percorrer as vilas e as festas da contorna nun carromato no que, ademais de servirlle de habitación, transportaba unha máquina de cine, coa que gañaba a vida. Non soamente levaba a cabo proxeccións nas vilas portuguesas senón tamén naquelas outras galegas próximas á raia. Como Bande ou Entrimo. Nomeou, se mal non lembro, varias mais, como Portoquintela, Lobeira e ata creo que Celanova, pero soamente das dúas primeiras teño a certeza”. Despois doutras interessantes consideracións a respecto da película de Manoel de Oliveira sobre o Castro Laboreiro e a raia, tan pouco coñecida entre nós, e logo de referirse ao museo do cine de Melgaço, Xavier Nogueira formula un desexo. Que entre todos consigamos reunir mais datos e documentación sobre “aquel singular personaxe, merecente de ser historiado ainda que só fosse sobre os traballos e atrancos que sem dúbida tivo que passar polos infernais camiños daquelas penedias serranas coa maravillosa máquina de soños no carromato”.
Desgrazadamente, nin na Terra de Celanova nin en calquera outra zona de fronteira da Raia Seca, ou noutras partes, sentín falar desse señor de Melgaço que andaba polo mundo proxectando películas, segundo parece na primeira metade do século XX. Polo menos valía a pena incorpurar a súa memória ao museu de cinema de Melgaço e facer a crónica das súas andadas. En canto a ollada de Manoel de Oliveira, en Viagem ao Princípio do Mundo, á rota prodixiosa que vai de Caminha ao Crasto (sic) Laboreiro, é algo para ser tratado noutra ocasión e de xeito preferente.
Polo momento, pidamos axuda a todos aqueles que poidan proporcionarnos información sobre o señor de Melgaço que percorria a fronteira cunha máquina de cine no seu carro.

Todos aqueles que queixeren colaborar coa súa opinión en NO FONDO DOS ESPELLOS podem escribir por correo ordinário a:

X. L. Méndez Ferrín
Faro de Vigo
Policarpo Sanz, 22
Aptdo. Correos 91
VIGO

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ROUSSAS: O MILAGRE DE GREGÓRIO VAZ

melgaçodomonteàribeira, 05.10.14

 Capela da Senhora da Graça - Roussas

 

A CAPELA DA SENHORA DA GRAÇA

 

   Á padroeira d’esta ermida se attribuem muitos milagres; mencionarei apenas um reputado como tal, por prender com a nossa história.

   Pelos annos de 1660, durante a guerra da Restauração, hindo Gregorio Vaz, natural d’esta freguezia, e soldado de exército portuguez, com mais dois camaradas, reconhecer os movimentos do exército castelhano, que se achava acampado nos Arcos (Galliza), cahiram todos tres em poder do inimigo.

   Gregorio Vaz, invocou o patrocínio de Nossa Senhora da Graça, e prometteu-lhe, se o livrasse da morte, de ser eremitão da sua capella e de a servir toda a vida.

   Filipe IV, mandava enforcar todos os prisioneiros que cahiam nas garras dos seus soldados, e os nossos tres portuguezes tiveram a mesma sorte.

   Gregorio foi o ultimo a ser enforcado, mas a corda partiu-se e o desgraçado cahiu no chão, sem sentidos, e com a garganta horrivelmente ferida.

   Foi julgado morto, e, como os seus camaradas, foi abandonado aos pés da forca; mas, quando no dia seguinte vieram os frades franciscanos para lhes darem sepultura, acharam Gregorio sentado, encostado a uma mão, e tendo na outra umas contas.

   Os frades também eram castelhanos, e portanto, tão inimigos dos portuguezes como as tropas do Diabo do Meio Dia, e, em vez de terem caridade com tão grande infeliz, o entregaram ao carrasco, que lhe deu duas lançadas, que o atravessaram do peito às costas.

   Os frades o levaram a enterrar, mas, pelo caminho, viram que elle dava ainda signaes de vida. D’esta vez, emfim, attribuiram o caso a milagre, e o curaram.

   Foi depois remetido para Corunha (então capital da Galliza), e mettido em um cárcere.

   Filipe IV teve noticia d’este facto, e attribuindo-o também a milagre, fez o milagre (ainda maior) de o mandar soltar, e deixar vir em paz para Portugal.

   Gregorio cumpriu o voto e foi viver para junto da ermida da Senhora, como seu eremitão, mudando o nome para Gregorio da Graça, e alli falleceu de avançada edade, pois ainda vivia em 1712, quando Frei Agostinho de Santa Maria publicou o 4º volume do seu Santuario Mariano. Ainda então conservava as cicatrizes das feridas.

   Isto consta de documentos que existem na secretaria das Mercês, e de um alvará, assignado por D. Pedro II, e pelo qual o rei mandou dar a Gregorio da Graça um tostão por dia, para seu sustento.

 

 

PINHO LEAL, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de,

Portugal Antigo e Moderno, Lisboa, Livraria Editora Tavares

Cardoso & Irmão, 2006 (1873), p. Tomo VIII, p. 218

 

Retirado de: CEAO – Centro de Estudos Ataíde de Oliveira

 

http://www.lendarium.org/narrative/rocas-ou-roucas/?category=83

 

AUGUSTO CÉSAR ESTEVES IV

melgaçodomonteàribeira, 12.03.13

 

 

Uma obra impressa nas folhas do Notícias de Melgaço, órgão e voz de uma mescla de juristas, de professores, de funcionários públicos e de negociantes bem sucedidos conotados com posições e sobretudo com interesses contrários aos defendidos e representados pelos Padres Vaz e seus amigos na Voz de Melgaço, que ainda hoje se publica.

Num oportuno artigo intitulado Os lugares vistos de dentro: estudos e estudiosos locais do século XIX português, Augusto Santos Silva começa por tentar explicar os factores que motivaram o interesse pelos estudos locais no Portugal oitocentista, apontando de um lado a tradição da memória e do levantamento histórico, corográfico e administrativo do território, cujas raízes podem ser remontadas a Quinhentos, mas se afirma sobretudo no fim do Antigo Regime; do outro, a mudança cultural e doutrinária trazida pela primeira geração romântica no modo de ver, interpretar e identificar a Nação, essa nova realidade em formação, pelo cruzamento da tradição histórica e da sociedade liberal; e, por último a acção específica do Estado constitucional e, em particular, a construção do quadro político, administrativo e social pós-absolutista. É sabido, porém, que estes factores não se impuseram imediata e solidamente. Foi preciso esperar pelo amadurecimento de condições estruturais e conjunturais para que irrompesse o clima intelectual e ideológico no qual se formará uma nova fileira de conhecimentos – os estudos locais e regionais – um novo perfil técnico e intelectual – o erudito ou estudioso local – e uma nova legitimação e racionalização da pesquisa sobre o País – o bairrismo ou “amor da terra” própria. E o autor que estamos a citar oferece-nos de seguida uma visão panorâmica através da qual “arruma” a produção monográfica, anterior às duas últimas décadas do séc. XIX, em três grupos: o primeiro descende directamente das tradicionais pesquisas corográficas, topográficas e estatísticas; o segundo incluiu textos de diversa intencionalidade e natureza, que não assumem a forma de estudos, em sentido estrito, mas consideram e destacam factos e atributos reputados característicos de espaços sociais locais ou regionais; e o terceiro engloba o interesse da erudição e da análise propriamente dita concretizada na história lacunar e parcelar, que se justifica e engrandece, porém, como propósito de fixação e difusão pública, de arquivo, de inscrição na memória de factos, feitos, figuras, e patrimónios, para testemunho dos presentes e benefício da posteridade. Os livros intitulam-se, em consonância, esboços, memoriais, compêndios de notícias, apontamentos, subsídios, etc., perseguem sobretudo fins morais e cívicos (…) Quando procura maior fôlego e efeito, o estudioso pode aproximar-se do registo para-literário.

Filia-se neste terceiro grupo o modelo que haverá de projectar-se sobre quase todo o séc. XX e no qual se enquadra facilmente Augusto César Esteves e a sua obra, apesar de ter optado por “fragmentos” monográficos em vez de ousar a monografia integral num ou em vários volumes como aconteceu em muitos concelhos deste Portugal de norte a sul, de oeste a leste. Convém, por isso, que atentemos, à guisa de síntese final, nos traços principais do referido modelo condensados por Santos Silva de forma precisa e esclarecedora: Desde logo, é um tipo próprio de intelectual e de intelectualidade que se afirma – e marcará a vida institucional e cultural local do nosso século XX. Pároco, literato, homem de leis, funcionário da administração, professor ou líder político, o estudioso é uma figura cada vez mais presente no círculo intelectual que cada cidade ou vila da “Província” portuguesa pode gerar. Escolarizado ou autodidacta, amador ou semi-profissional da erudição, tornar-se-á um interlocutor incontornável das instituições políticas e administrativas e dos poderes municipais e uma espécie de garante e avalizador da apresentação pública de si que uma localidade pode forjar – a projecção e rentabilização pública do seu “carácter” singular. Depois, é toda uma retórica que tem aqui uma das suas bases e expressões principais. O bairrismo – que, em poucos casos, pode chegar a conceber-se como um regionalismo – é a representação-tipo das razões e finalidades do trabalho do estudioso. Amor, e glória da terra, para usar os termos mais frequentes. Eis o que define o empreendimento analítico, o que desculpa as suas falhas, o que gratifica o seu auto, o que singulariza e engrandece o lugar no conjunto dos lugares de que se faz a nossa história e a nossa identidade nacional.

O estudioso Augusto César Esteves pertence indiscutivelmente ao perfil traçado e a sua escrita, imbuída de bairrismo, esteve sempre ao serviço da identidade e da singularidade do local dos seus afectos, das atenções e voluntarismos do benemérito – a criação dos Bombeiros Voluntários foi a mais saliente –, atingindo, a partir daí, do singular, a afirmação da plenitude nacional. Não admira, por isso, que o aparo afiado que alinhava em folhas inteiras ou em linguados de trinta e cinco linhas textos de denúncia, de defesa, de pedagogia cívica, de elogia e de crítica viperina acolhidos no Notícias, alinhava também longas transcrições com abreviaturas e grafismo arcaico arrancados ao empoeirado dos cartórios, dos arquivos e do olvido mais cruel, rabiscando, assim, a História desconhecida de Melgaço que quase ninguém antes dele, ressalvadas as notícias corográficas elaboradas desde o séc. XVIII, ousara desvendar. Dizemos quase ninguém, porque na lista incompleta de estudos monográficos sobre Melgaço que inserimos no levantamento feito em 1990-91 tínhamos referência ao opúsculo de Almeida Silvano intitulado As Águas de Melgaço: notícia histórica e prática (1896) com uma genérica contextualização corográfica e histórica do espaço termal. Mas este exemplo é pálido e insuficiente para sustentarmos a tese de estudos anteriores ao contributo de Augusto Esteves que, por sua vez, será o pioneiro e despoletador da produção monografista em que vão pontificar o P.e Manuel Bernardo Pintor, P.e Júlio Vaz e o Doutor José Marques a par de outros autores mais esporádicos.

Num estilo que articula o para-literário com o jargão jurídico de antanho e alfinetadas várias em tom ora jocoso, ora ofensivo, a concatenação de elementos e de citações colhidas tanto numa boa biblioteca erudita que acumulou ao longo dos anos e acabou, após a sua morte, por ser vendida, como em inúmeras centenas de folhas de documentos encontrados ao pé ou localizados em Arquivos Públicos nacionais e espanhóis, para onde dirigiu pedidos de transcrição e de ajuda paleográfica – essa concatenação, dizíamos, não obedeceu a um plano muito sistemático como ficará patente já neste primeiro volume e nos seguintes, reservados, à excepção do último, para a reedição integral dos livros que publicou em vida. Postumamente, foi já possível editar a obra monumental que preparou com esmero e deixou pronta para impressão pouco antes de falecer. Referimo-nos ao O Meu livro das gerações Melgacenses (2 vols., 1989-1991). O plano destaobra surgiu naturalmente anunciado no seu jornal e, por isso, aparecerá adiante neste volume inaugural de um projecto editorial modesto, mas urgente e imprescindível ao aprofundamento dos estudos melgacenses que não se podem esgotar apenas na História em stictu sensu – a faceta em queo contributo de Augusto César Esteves mais se centra – , podendo e devendo abranger também a Etnografia, a Arqueologia, a Arquitectura Civil e Religiosa, etc.

 

  1. Homenagem e desafio – o projecto editorial que tardava…

 

Pelas razões acima expressas tínhamos de principiar este projecto de (re)edição da Obra completa do Dr. Augusto César Esteves com a colecta de todos os artigos impressos nas paginas do Notícias de Melgaço. Daí o título inevitável que se impôs sem margem para hesitações e alternativas. Mais complexa, ainda que perfeitamente superável, foi a classificação temática que fomos burilando a fim de agruparmos de forma coerente e próxima da lógica originária os múltiplos artigos que ao longo de mais de duas décadas tiveram espaço cativo nas colunas do dito periódico. Apesar da variedade temática e do empenho do autor em assuntos actuais e polémicos, é flagrante a destacada quantidade de artigos sobre história local, artigos esses que acabavam compilados em livro, como foi o caso, incluído neste primeiro volume, do opúsculo de 46 páginas editado em 1960 e intitulado O Ensino da História de Melgaço na Escola Primária.

Foi o que aconteceu com Melgaço e as Invasões Francesas, 1807-1814 (1ª edição, 1950) e que será o próximo volume desta colecção.

Seguir-se-á Melgaço, Sentinela do Alto-Minho, editado em 1957 com uma primeira parte com um só volume, e uma segunda parte dividida em dois volumes. Manteremos a divisão dada pelo autor, o que significa que esta obra será dada à estampa em três volumes.

No mesmo ano de 1957 foram reunidos em livro os artigos dedicados à Santa Casa de Melgaço.

O projecto encerra com um volume final em que incluímos textos de imprensa anteriores à fase do Notícias de Melgaço, artigos desta fase que por lapso já não puderam ser inseridos neste primeiro volume, apontamentos, autógrafos e inéditos do Dr. Esteves e, ainda, críticas e comentários entretanto aparecidos e referentes a este projecto editorial.

Os projectos são para se cumprir e pela nossa parte fica, aqui, lavrada a promessa e o empenho de um cumprimento que agora começa. Esperamos dos leitores o que lhes cabe – tornar este exercício, que para nós foi de prazer e de satisfação ímpar, num bem útil e partilhável pelo maior número possível.

Bem hajam por isso.

 

Braga, Julho 2003-07-31

 

Armando Malheiro da Silva

Joaquim Rocha

 

 

Obras completas: Augusto César Esteves

 

NAS PÁGINAS DO NOTÍCIAS DE MELGAÇO

 

Recolha e Apresentação: Armando Malheiro da Silva

                                             Joaquim Rocha

 

Edição: CÂMARA MUNICIPAL DE MELGAÇO

 

2003

 

AUGUSTO CÉSAR ESTEVES III

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

1. A escrita ao serviço da identidade local e nacional

 

Esse testemunho merece toda a nossa atenção e engloba parcelas importantes da tua actividade como melgacense preocupado com a sua terra e o seu país, como cidadão politizado e decidido a uma intervenção pública constante, como jurista e como eterno e incansável aprendiz de historiador e monografista local.

Membro da geração do primeiro decénio de novecentos, interventiva como se infere, por exemplo, da greve académica de 1907, e influenciada, à semelhança de algumas gerações anteriores, pelo romantismo, pelo naturalismo literário, pelo positivismo (Ordem e Progresso), pelo socialismo utópico e pelo republicanismo, Augusto César Esteves não destoou do quadro geral em que podemos inseri-lo. Quer como jurista, quer  como intelectual e cidadão politizado reflectiu as preocupações sócio-políticas do seu tempo e acompanhou as sucessivas tendências e alterações mundiais com espírito simultaneamente crítico e atento. Mas fez isto tudo, saindo o mínimo possível de Melgaço e este traço merece destaque porque em certa medida proporcionou que, a partir sobretudo da década de quarenta, intensificasse a recolha de informação histórica e trabalhasse o caudal crescente de dados a fim de firmar créditos como o único monografista sistemático do seu concelho natal.

A passagem por Braga e sobretudo por Coimbra, num período curto de viragem político-institucional – a instauração da Republica em 1910 - , foi importante para a sua postura ideo-política e para o seu perfil de intelectual progressivamente seduzido e embrenhado nos estudos históricos (desde o período medieval até ao séc. XIX). Militou no Partido Republicano Português/Partido Democrático (1911-1926) liderado por Afonso Costa e após 1919 pelo Eng. António Maria da Silva, embora não tenhamos ainda podido colher na imprensa regional vestígios claros desse seu militantismo partidário, vindo depois a situar-se na barricada dos que opondo-se ao Estado Novo não podiam hostilizá-lo se queriam continuar com o emprego público e a residir onde desejavam. Em contrapartida, é mais fácil compreender e explicar as linhas de força que orientaram o publicista e o historiador amador de Melgaço.

Temos mais de um milhar de páginas escritas em que estas facetas complementares se derramam e evidenciam. Merece, aliás, destaque a dedicatória à sua mulher com que abre o primeiro livro impresso: Esmeralda/ Porque nem tu receias a linda rival, nem eu temo se aniche no teu peito o ciúme provocado por esta amante, para mim tão cara e feiticeira, avalia tu própria os meus novos amores, lendo com atenção estas páginas ligeiras, escritas quase todas a teu lado. /Para isto t’as ofereço e confiadamente, as deponho no teu ragaço, beijando-te a mão. / Teu/ Augusto 1. E logo a seguir, sob o título Conversemos, deixou gravados os propósitos que o levaram a escrever, anos antes, os artigos sobre história local nas páginas do jornal Notícias de Melgaço destinadas aos seus patrícios: Mas como o Autor não aspira à imortalidade apetecida pelo historiador ou pelo purista da língua, pois se contenta com as honras de pequeno cabouqueiro da história local, votado a carrear elementos, para outros, mais tarde, sáfaro e ingrato, inicia-se mesmo assim a publicação de Melgaço e as Invasões Francesas.

Os valores republicanos que perfilhou – um exacerbado nacionalismo e patriotismo de matiz regionalista, um claro apego à liberdade, à democracia e à justiça social e um indelével intransigência moral – emergem claramente da sua prosa de publicista e da pena do publicista saíram a “tinta” e as cores políticas e ideológicas mescladas, sempre, com a defesa intrépida dos interesses locais. Significa isto que o político, o ex-militante republicano e o cidadão zeloso de seus direitos e dos seus conterrâneos perpassa nas páginas históricas tecidas num estilo com concessões frequentes ao subjectivismo literário e ao constante remoque moralista, social e político. Não é, assim, possível separar o publicista do monografista, mas é deste que nos temos de ocupar porque ele se agigantou e deixou obra.

 

 

(continua)

 

AUGUSTO CÉSAR ESTEVES II

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

Augusto Esteves logo que começou a abrir os olhos para a vida, o que viu?

Qual Buda viu crianças expostas, viu a miséria de caseiros e jornaleiros, viu gente a morar em casas minúsculas, tugúrios inóspitos e horríveis – enfim, viu uma feira de vergonhas, de situações aberrantes e indignas do ser humano. Ele viu tudo isto, porque como o próprio deixou dito: cresci (…)  ao ar livre. E à medida que foi crescendo afastou-se paulatinamente do modelo: viu, tornou a ver, mas seguiu outros caminhos.

As primeiras letras aprendeu-as com o P.e João Nepomuneceno Vaz, sacerdote e professor do ensino primário, doutrinador exímio, um verdadeiro Santo Agostinho em miniatura. Frequentou também a escola de D. Maria Augusta de Passos Brito, professora oficial da instrução primária, nascida em Monserrate, Viana do Castelo, e casada em Melgaço com o proprietário Manuel José da Costa, de São Paio. Augusto César convenceu-se de que com ela perdera ingloriamente o seu tempo. Conviveu muito com seu pai, que o levava a passar serões na Loja Nova e aí se entreteve com os jovens caixeiros, enquanto os adultos falavam da lavoura, da política, de câmbios, de fortunas e azares em terras longínquas, etc.

De Melgaço a Braga é um passo de anão e para lá seguiu em 1899, tendo-se matriculado na segunda classe do Colégio do Espírito Santo. Da cidade dos Arcebispos partiu para Coimbra, onde se graduou bacharel em Direito no ano de 1912.

Ainda jovem teve uma ideia oportuna e generosa: dotar Melgaço de uma corporação de Bombeiros Voluntários. A seu lado, no dia 15 de Maio de 1926, no salão nobre da Assembleia Recreio Melgacense, estiveram os notáveis da terra: Dr. Américo de Freias Coutinho Maltez, juiz de direito na comarca de Melgaço, Dr. Armando António Barbosa, delegado do Procurador da República, Ernesto Viriato Passos Ferreira da Silva, Hermenegildo José Solheiro, Dr. Joaquim de Barros Durães, Dr. Augusto César Ribeiro Lima, Dr. António Francisco de Sousa Araújo, Dr. António Cândido Esteves, médico, Abel José Nogueira Dantas, professor, José Pires Louro de Oliveira, tenente, António Joaquim Esteves, Germano Alves Carabel, Duarte Augusto Magalhães, Manuel José da Costa, padre António Manuel da Cunha e Raul Solheiro Esteves. Todos aplaudiram a excelente ideia e assim nasceram os Bombeiros Voluntários de Melgaço. O primeiro tesoureiro foi precisamente Augusto César Esteves. A Associação foi inaugurada a 14 de Abril de 1929, servindo de madrinha do baptismo do material de incêndios a menina Iracema Mendes de Araújo. Teve como 1º comandante Herculano Arsénio Gomes Pinheiro; 2º comandante Abílio Domingues; e chefe da Banda de Música Manuel Rodrigues de Morais, que fora até aí regente da Filarmónica Música Nova, e que veio a dar que falar por ter conseguido transformar a Banda de Música numa das melhores do Alto Minho.

Augusto Esteves passou alguns anos na contígua vila e termo de Monção, onde exerceu o ofício de advogado e de notário. Transferiu-se depois para o Tribunal Judicial de sua terra natal assumindo funções de Secretário e veio também a acumular cargo de ajudante do conservador do Registo Predial.

Na sua amada terrinha foi homem activo politicamente durante a I  República (1910-1926): administrou o concelho durante algum tempo, presidiu meteoricamente à Câmara Municipal de Melgaço, foi tesoureiro e provedor da Santa Casa da Misericórdia. Interveio sempre que pôde nos assuntos do concelho, mas com o advento primeiro da Ditadura Nacional (1926-193) e depois do Estado Novo salazarista (1933-1974) a sua voz e a sua acção tiveram de ser refreadas, pois as consequências de palavras “mal” ditas reflectir-se-iam inevitavelmente no seu emprego. Perdido este, teria de deixar Melgaço e isso ele não queria de forma alguma. Amava o torrão natal como poucos e era aí que queria passar a sua vida. Inteligente e hábil, soube sempre dosear a sua intervenção, de maneira a não ferir as susceptibilidade daqueles que tinham força e poder, os quais o poderiam prejudicar seriamente. Por vezes até os gabava, louvando a sua “obra”! Aos outros, embora salazaristas, atirava amíude as suas setas, embebidas em suave veneno, com uma ironia à Eça de Queirós, sabendo de antemão que daí não adviriam represálias, apenas comentários mais ou menos felinos, mas cem por cento inócuos.

Ideologicamente era republicano e democrata, mas não socialista e muito menos afecto ao comunismo, não poupando ataques ao regime soviético. Não idealizava igualdades, contudo detestava ver o povo na miséria. Não era um aristocrata, mas o seu lado burguês impelia-o ao convívio com os “grandes”. Pregava e adoptava uma postura humilde e tolerante, mas quando alguém, por maldade, lhe lembrou que a sua esposa nascera de mãe solteira, embora perfilhada posteriormente pelo pai, irritou-se, ferido no deu orgulho, tomando a afronta como grave questão de honra. Era acima de tudo humano com suas contradições, defeitos e virtudes.

Casou no ano de 1914 com Esmeralda Esteves e enviuvou em Dezembro de 1956. Não se pode afirmar que o seu casamento foi infeliz, pelo contrário. Tudo nos leva a supor que o casal viveu em harmonia e felicidade. Porém, essa felicidade foi ensombrada pela morte prematura da filha, Belarmina Cândida, nascida em 1915 e falecida a 10 de Setembro de 1936, solteira e sem geração. O filho Henrique César, nascido em 1917, fez alguns estudos, poucos, empregou-se no Grémio da Lavoura, e aí permaneceu até à aposentação, com magro salário, mantendo-se completamente à margem dos interesses políticos e culturais do progenitor. Casou, já em madura idade, com D. Clementina Rosa e tal como a sua irmã também não deixou geração.

Não tendo quem lhe continuasse o trabalho e a estirpe, Augusto Esteves foi-se refugiando cada vez mais na sua obra. Aí vingou. Nela investiu todo o seu saber, o seu amor pela terra, os seus tempos livres, tirando partido do fácil acesso aos documentos em posse de famílias melgacenses e, sobretudo desempoeirando todos os velhos papéis jazentos sob o efeito letal da indiferença nas Conservatórias, Câmara Municipal, Tribunal, Confrarias, Paróquias, Misericórdia… Abdicou de prazeres mundanos, de descansos merecidos e embrenhou-se na história de Melgaço, tentando dar aos conterrâneos uma visão de conjunto, enaltecendo os feitos dos antepassados, enquadrando-os no todo nacional, pesquisando em alguns importantes arquivos públicos do país (Braga, Coimbra e Lisboa), tudo à sua custa, sem subsídios, sem ajudas. Hermenegildo José Solheiro, aquando da sua passagem pela cadeira do poder local (1926-1931), quis dar-lhe algum dinheiro da Câmara Municipal para custear as investigações, mas Augusto César Esteves, sabendo que os cofres da edilidade andavam quase vazios, não aceitou tal dádiva.

Não era um profissional da investigação histórica, mas um apaixonado pela história da sua terra e nessa condição conseguiu transpor dificuldades e desânimos deixando um testemunho variado, desigual e meritório, que deve estar acessível, em primeira mão, a todos quantos, se orgulhem, como ele se orgulhou, de serem portugueses de Melgaço.

 

(continua)

 

AUGUSTO CÉSAR ESTEVES I

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

AUGUSTO CÉSAR ESTEVES – O HOMEM, A VIDA, A OBRA…

 

 

O real serve-nos apenas para construir, melhor

ou pior, um pouco de ideal. Talvez não seja

útil para nada mais.

Anatole FRANCE – Le Jardin d’Epicure

 

 

1 – Um português de Melgaço ou o enorme peso das raízes

 

Escrever sobre uma pessoa é fácil ou difícil conforme as perspectivas, os elementos biográficos que tivermos ao nosso dispor, a distância no tempo, a nuvem que o encobriu depois da sua morte, o manto mitológico que se distendeu sobre a sua figura.

Quanto a Augusto César Esteves poder-se-á afirmar, sem grande margem de erro, que para a maioria dos melgacenses ainda vivos, com menos de cinquenta anos de idade, ele não existiu. Nem uma praça, uma rua, nem sequer um beco ou uma travessa, lembravam até 9 de Agosto de 2003 (data em que se fez finalmente justiça) o seu nome, a sua obra, a sua passagem pelo mundo!

Atribuir culpas a este ou àquele, dizer que foi esquecido de propósito, seja pelos políticos, seja pelos críticos, isso seria fugir à verdade, menosprezar o tempo e os interesses individuais e colectivos que estão na origem de tal fenómeno.

Quando Augusto Esteves morreu em 1964 já o concelho de Melgaço estava a sofrer uma transformação profunda, uma metamorfose sem paralelo na sua história. E porquê? Porque em 1961 começou a guerra colonial em várias frentes e os jovens começaram a debandar, tal como sucedeu em todo o país de norte a sul. Os mais novos não estavam preparados ideológica, nem psicologicamente, apesar de toda a doutrinação salazarista, para morrer nas matas africanas. Voltaram-se, por isso, para a França, para a Alemanha, para o Luxemburgo, a Suíça… Alguns anos mais tarde casaram, levaram as esposas, os sogros, os cunhados, toda a gente. O concelho ficou sem imensa gente! A elite, se é que se pode chamar elite a um pequeno grupo de pessoas letradas: o padre, o juiz, o advogado, o notário, o delegado do Procurador da República, o professor do ensino primário, um ou outro comerciante mais culto – foi a pouco e pouco deixando este vale de lágrimas, e os mais novos nem sequer tomaram conhecimento de que existiu na vila um homem que dedicou parte do seu tempo a escrever sobre a sua terra natal. Um homem que nasceu, viveu e morreu cercado e seduzido pelas suas raízes.

Antes dele ninguém escrevera nada que se visse sobre Melgaço. Os padres escreviam o assento de baptismo, de casamento e de óbito, talvez um ou outro sermão para apresentarem na missa, mas crónica, história, estudos genealógicos… nada! Claro que algo se escreveu nos jornais que foram surgindo em Melgaço a partir de 1887, mas os artigos do jornal duravam pouco tempo, eram logo devorados pelo esquecimento, e por incrível que isso pareça, nunca houve uma Câmara, um Pelouro da Cultura que apoiasse a colecta e edição daqueles textos em livro! Tudo, ou quase tudo se perdeu! Restam alguns números na Biblioteca Nacional de Lisboa, a desfazerem-se em pó.

Estamos a falar de Augusto César Esteves. Mas, afinal, quem foi ele?

Nasceu na Rua Nova de Melo, fora das muralhas da vila de Melgaço, onde outrora existira um forte, a 19 de Setembro de 1889 no quarto por cima dos escudos, com apenas sete meses de gestação. Nessa rua, então moderna, tinha seu pai, Francisco António Esteves, mais conhecido por o brasileiro – pelo simples facto de ter sido emigrante no Brasil – comprado a casa do médico Dr. João Luís Sousa Palhares, e que não deve ter sido nada barata, pois ainda hoje se pode considerar uma boa habitação. Ficava pertinho do Hospital da Misericórdia. A sua mãe, prima do pai, chamava-se Belarmina Cândida e era filha de Manuel José Esteves (mais conhecido por Melgaço), emigrante no Brasil, e de Maria Rita Alves.

Augusto Esteves foi filho único de sua mãe, falecida no mesmo ano – a 17 de Outubro de 1889 – em que ele viu a luz do sol. Teve, por isso, que ser amamentado pela Cândida Corujeiras, que também nesse ano dera à luz uma menina, a Idália, e o leite não faltava em seus peitos. Bebiana Cândida salvou-lhe a vida, mas depois o enganido ia-lha levando: desta vez foi o Manuel Zoia quem o salvou com as suas mezinhas (baseadas no trovisco e em outras ervas) perante a descrença e desânimo dos médicos que o viram.

Seu pai nunca mais se casou. Viveu, porém, maritalmente com Teresa Rodrigues, de Paderne, filha de Manuel Boaventura Rodrigues e de Carolina de Jesus Costa Pinto, tendo saído dessa relação Anésia, António Cândido (o futuro médico Esteves) entre outros. E Francisco António Esteves teve ainda geração de Lucrécia das Dores Gomes de Sousa. Assim, Augusto César Esteves, apesar de ser órfão de mãe, teve quatro ou cinco irmãos (os filhos de D. Teresa Rodrigues) reconhecidos pelo progenitor.

No ano de 1889, quando Augusto Esteves nasceu, era Presidente da Câmara Municipal de Melgaço, Baltazar Luís de Araújo de Azevedo, e o Vice-Presidente era José Joaquim Alves de Magalhães – figuras de topo em finais do século XIX ignoradas nos nossos dias. No ano seguinte – 1890 – seria Presidente da edilidade José Cândido Gomes de Abreu, negociante e fundador do Hospital da Santa Casa da Misericórdia.

 

 

(continua)