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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O CONCELHO DE CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 25.08.20

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DE CONCELHO EXTINTO À ATUALIDADE

 

A 11 de Maio de 1758, Castro Laboreiro, pertencia à comarca de Valença, arcebispado de Valença, sendo terra do rei. Tinha a Irmandade das Almas e duas Confrarias, a do Santíssimo Sacramento e a de Nossa Senhora do Rosário. Era reitoria com apresentação da Casa de Bragança e a renda dos dízamos era de 650$000 réis, recebendo anualmente de côngrua o reitor 40$000 réis, pagos em dois quartéis, 20$000 pelo Natal e o restante pelo São João, e o mais em pé de altar, que rendia cerca de 160$000 réis. Em 1812, a 3 de setembro, foi emitido o alvará nomeando o último comendador conhecido, Marino Miguel Franzine. Em 1816, o Reitor de Castro Laboreiro, tendo apenas de côngrua 10$000 réis e 20 alqueires de centeio, solicita a D. João VI a concessão de um subsídio de 50$000 réis para o Reitor da freguesia, para poder pagar esta quantia, em dinheiro, ao seu Coadjutor, em virtude de muitos e custosos trabalhos para bem paroquiar a freguesia. Com a Revolução Liberal, após 1832, Castro Laboreiro passa a integrar-se na Comarca de Ponte de Lima e mantém-se concelho. Durante o período de estabilização, a partir de 1842, Castro Laboreiro integra-se no Distrito de Viana do Castelo. Entretanto o código administrativo de 17 de julho de 1835, e, posteriormente, o código administrativo de 31 de dezembro de 1836, fixam a divisão administrativa do reino em distritos, subdividindo-se estes em concelhos e freguesias. Fixam igualmente o pessoal administrativo, jinto do qual estabelecem corpos administrativos: a Junta Geral do Distrito, junto do governador civil (ou administrador geral) a Câmara Municipal junto do administrador do concelho e a Junta de Paróquia junto do comissário (ou regedor) de paróquia.

Contudo, Castro Laboreiro, que consegue escapar à “chacina” (extinção de concelhos) de 31 de dezembro de 1853, não teria a mesma sorte a 24 de outubro de 1855, data em que é decretada a extinção do concelho de Castro Laboreiro. Em 1878, passou a fazer parte do julgado de Fiães e, posteriormente, do concelho de Melgaço, passando, então, a ser uma Junta de Paróquia.

Com a implantação da República a 5 de Outubro de 1910, a qual provoca a separação do Estado e da Igreja, entra novamente em vigor o Código Administrativo de 1878, que retira a presidência aos párocos. A Lei nº 88, de 7 de agosto de 1913, promove a organização das paróquias civis, distinguindo-as das paróquias eclesiásticas, embora assumam o mesmo limite territorial. Mais tarde, a Lei nº 621, de 23 de junho de 1916, altera definitivamente a designação da junta de paróquia para junta de freguesia, mantendo-se práticamente sem alterações até hoje as suas componentes políticas e administrativas.

Entre 1910 e abril de 1913 intitula-se Comissão Republicana Paroquial de Santa Maria de Castro Laboreiro. Contudo, entre 1913 e 1916 os escrivãos tanto abrem as sessões referindo Junta de Paróquia da Freguesia de Castro Laboreiro ou Freguesia de Castro Laboreiro. Consolidam o termo administrativo Junta de Freguesia de Castro Laboreiro a partir da ata de 6 de junho de 1920. Estará assim até 18 de abril de 1975, um ano após a queda do Estado Novo. Nesta data instaura-se a Comissão Administrativa da Junta de Freguesia de Castro Laboreiro que vem durar até 23 de janeiro de 1977, data em que se lavra a primeira ata da nova Junta de Freguesia de Castro Laboreiro. Assim se mantém até à reforma administrativa de 2013 que consuma uma união política com a freguesia vizinha de Lamas de Mouro, formando a União de Freguesias de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro.

O resultado de todo este enquadramento foi a composição de uma brevíssima história local que não contempla nenhuma documentação ou bibliografia que ateste uma natureza tutelar clara sobre estas estruturas.

 

Diana Alexandra Simões Carvalho

Castro Laboreiro – Do Pão da Terra aos Fornos Comunitários

Uma proposta de mediação patrimonial

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Maio de 2017

 

 

 

 

A MOCIDADE DE D. JOÃO V

melgaçodomonteàribeira, 09.03.19

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mercado municipal

 

Philippe entretanto ia preludiando com energia, capaz de ombrear com a veracidade atribuída aos Cyclopes. Uma das mãos fez presa no primeiro melão de inverno que encontrou, enquanto a outra, profanando as virentes capelas de salsa, forrageava nas tiras de presuntinho de Melgaço e no real paio alentejano.

Dois cães pouco amáveis, inquietos e felpudos, invadiram a sala, fazendo escolta ao capitão, e tomaram posições junto da sua cadeira, associando-se ao banquete com sinais nada equívocos de usurparem uma parte activa no espectáculo.

 

Retirado de:

Full text of A mocidade de D. João V

Luiz Augusto Rebelo da Silva

Livraria Moderna e Tipografia

R Augusta 47

Lisboa

1907

 

 

 

OS TEMPLÁRIOS EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 22.07.17

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DA MILITAR ORDEM DE MALTA

 

He já público, até em o Tomo e Liv I. Trast. IV. Cap. 3 da Corogr. Portug. Do P. Carvalho p. 293 e segg., como sempre se conheceo Couto no Civel em Feaes, confirmado pelo Sr. Rei D. Affonso Henriques, e seus successores, ao antigo Mosteiro Benedictinno ali fundado pelos annos de 851, com a invocação de S. Cristovam; mudada, depois de passar a Cisterciense, para a de Santa Maria de Feaes no anno de 1150. Ao qual fez varias Doações em Janeiro de 1166 a Condeça D. Fornilla, da Quinta de Cavalleiros, junto a Melgaço, com que hiria a Igreja de Nossa Senhora da Orada, alli pegado, que os Frades dizem fôra tambem Mosteiro de S. Bento, quando se edificou o de Fezes, de que veio a ser Priorado: mas como outros, parece mais certo (até por sinaes, que disso ha) que foy de Cavalleiros Templarios, de que esta Quinta tomou o nome, e era pastal seu: concluindo, que havia pouco se viam alli ruinas de cellas, claustros, e cannos de pedra, pelos quaes lhe vinha a agua. Porèm deverá reconhecer-se a nenhuma necessidade, com a igual falta de fundamento, que ha para esta ultima lembrança: e para o nosso intento só acrescentarei, que a respectiva parte da Ordem de Malta só expressa em 1258, já devia ter precedido tambem da Doaçom que fezerom Sancho Nunez & sa molher ao spital da herdade, que tinham no Couto de Santa Maria de Feaes, em o nº j a fl. 28 col I, entre as Doações d’Aucyn; podendo no dito summario tractar-se de  D. Sancho Nunes de Barboza, e de huma de suas duas mulheres, D. Thereza Affonso, ou D. Thereza Mendes, sem poder apurar-se qual.

 

 

Retirado de: Nova Historia Da Militar Ordem De Malta, E Dos Senhores Grão-Priores Della

por

Jozé Anastasio de Figueiredo

Officina de Simão Thaddeo Ferreira

Lisboa M DCCC.

  

http://books.google.pt

 

MELGAÇO E D. JOÃO I

melgaçodomonteàribeira, 15.07.17

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XVI Centenário da Tomada do Castelo de Melgaço

 

 

A CAMPANHA DE D. JOÃO I CONTRA AS FORTALEZAS DA REGIÃO DE ENTRE-DOURO-E-MINHO

 

 

                                                  Por: HUMBERTO BAQUERO MORENO

 ……………..

 

A derradeira campanha de D. João I contra um reduto acastelado de Entre-Douro-e-Minho deu-se em Fevereiro de 1388. Depois duma longa permanência em Braga, desde 11 de Setembro de 1387 até ao termo de Janeiro do ano seguinte, «assaaz afadiguado da guerra», empreendeu o ataque a Melgaço, cujo arraial perdurou até meados de Março do referido ano.

A vila era «cerquada sem arraballde, de bom muro e forte castello». O exército real era formado por mil e quinhentos lanceiros e «muita gemte de pee». A defesa do lugar pertencia a Álvaro Pais de Sotomaior e Diogo Preto Exemeno, acompanhados por trezentos homens de armas e muitos «pioees escudados». As escaramuças iniciais provocaram alguns mortos e feridos. No dia 3 de Março de 1388 foi erguida a bastida para o ataque final. Após um cerco que durou cinquenta e três dias chegou-se a acordo entre ambas as partes. Assentou-se deste modo na entrega do castelo e da vila a D. João I, estabelecendo-se «que todos aviam de sair em gibõees, com senhas varas nas mãos». A alcaidaria do castelo foi entregue a João Rodrigues de Sá, partindo então o rei para Monção, onde se encontrava D. Filipa de Lencastre. Daqui retornaram a Ponte de Lima, encontrando-se nesta vila em 27 de Março desse mesmo ano.

 Numa síntese final temos que as campanhas de D. João I resultaram duma forte organização militar, em que não raro os atacantes dispuseram da colaboração de alguns sitiados favoráveis a causa do recém-eleito monarca. Sublinhe-se a acentuada supremacia das forças leais ao rei português a par duma ausência de auxílio por parte do monarca castelhano, a que se poderá acrescentar a circunstância das populações aderirem com relativa facilidade a causa do fundador da dinastia de Avis. O poderio militar de D. João I associado a uma certa desmoralização das guarnições militares dos castelos ajuda a explicar a feitura de acordos que se traduziam na rendição dos sitiados, situações que aliás se repetiu em todos os casos, após assédios mais ou menos demorados e dependentes do início de negociações.

 

Retirado de:

REVISTA DA FACULDADE DE LETRAS

Humberto Baquero Moreno

A Campanha de D. João I

pp. 56-57

 

http://www.ler.letras.up.pt

 

MELGAÇO QUESTIONA O REI

melgaçodomonteàribeira, 10.06.17

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O BISPO D. GIL PERES DE CERVEIRA, D. AFONSO III E OS

MUNICÍPIOS DO ALTO MINHO

 

 

   Melgaço regulava-se por um antigo foral, outorgado por volta de 1185, a que serviu de referência o de Ribadávia, na vizinha Galiza. Estava este foral em vigor quando, em 29 de Abril de 1258, D. Afonso III subscreveu uma nova carta em que se lhe outorgava um foral idêntico ao de Monção: “do vobis forum de Monçom” (32). Este novo foral, que tinha entre as testemunhas o delegado do prelado de Tui, Rodericus Iohanis Magister Scholarum tudensis, não agradou, porém, à gente de Melgaço, porque introduzia modificações a que os moradores teriam dificuldade em se adaptarem, designadamente em relação ao censo anual que deviam pagar ao monarca (33). O rei acolheu com compreensão as reclamações dos melgacenses, que desejava continuar a ter por aliados e sentinelas da fronteira. E assim repôs o estado anterior das coisas, outorgando, em 9 de Fevereiro de 1261, com pequenos ajustamentos, uma confirmação do foral concedido por D. Afonso Henriques.

 

(32) T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fls. 27 v.º-28 v.º.

 

(33) Com efeito, esse tributo tinha sido fixado no tempo de D. Sancho II em 1000 soldos leoneses, a pagar em três prestações, ao longo do ano. No novo foral estipulava-se um tributo anual de 350 morabitinos velhos, também em três prestações nas datas acostumadas. Este valor seria fixado na previsão do pagamento de um morabitino por morador, o que fazia com que se elevasse para 350 os moradores na vila. Essa mudança do panorama demográfico obrigaria a uma redistribuição das terras reguengas que o rei tinha doado ao concelho, a qual, para além de outras perturbações no que dizia respeito às benfeitorias introduzidas pelos seus exploradores, forçosamente diminuiria as parcelas, perspectiva suficiente para provocar uma onda de descontentamento.

 

António Matos Reis

Museu Municipal de Viana do Castelo

 

O Bispo D. Gil Peres de Cerveira, D. Afonso III

e os Municípios do Alto Minho

 

Retirado de:

http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4813.pdf

 

S. ROSENDO, D. AFONSO HENRIQUES E O CASTELO DOS MONTES LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 03.06.17

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CASTELO

DOS MONTES LABOREIRO

José Domingues

 

O castelo dos Montes Laboreiro ou do Laboreiro (fr. Castro Laboreiro, c. Melgaço) é a segunda fortaleza mais setentrional de Portugal – a primeira é o vizinho castelo de Melgaço (fr. Vila, c. Melgaço). Situa-se em frente do lugar da Vila de Castro Laboreiro, no alto dum cabeço rochoso da cordilheira montanhosa de Entre-Lima e Minho – na época medieval identificada com os Montes Laboreiro, topónimo que ainda perdura do lado galego – servindo de sentinela avançada de toda a raia seca entre estes dois rios.

Trata-se de um castelo medieval de tipologia roqueira, que, não fugindo à regra dos seus homólogos, nos aparece de improviso no fio cronológico do tempo, mudo como uma esfinge, ocultando o segredo das suas origens. Sem embargo, é tanta a sua antiguidade que se não guardou memória autêntica da sua fundação. Não surpreende, por isso, que desde o dealbar do século XVII, pelo menos, os documentos manuscritos e impressos, com alguma assiduidade, tributem a fundação da esculca do Laboreiro a S. Rosendo da Celanova ou à sua família – e não será de todo despiciendo que, do outro lado da raia, ainda hoje continuem a chamar-lhe o castelo de S. Rosendo.

Reza a lenda que D. Afonso III de Leão – o Magno – terá doado, a título hereditário, o monte Laboreiro – “leporarium momtem” – ao conde Hermenegildo Mendo, avô de S. Rosendo, a título de recompensa por lhe ter submetido um grande opositor. Por morte de seu avô passou para seu pai, o conde Guterres Mendo, e, sucessivamente, para S. Rosendo.

Mas todo o período lendário tem o seu aspecto histórico: (I) esta doação e consecutiva transmissão já aparecem registadas em manuscrito do século XII, que relata a vida do cenóbio de Celanova; (II) se efectivamente se pode identificar a arcaica terminologia “monte”, que aparece nos documentos do século X, com as estruturas defensivas muito rudimentares levantadas para as populações se abrigarem dos ataques muçulmanos, normandos e eventuais violências internas, desde esse recuado século que está documentada a existência do castelo do Laboreiro em expressões como “subtus mons leporario” e similares; (III) finalmente, não há dúvida de que o castelo do Laboreiro fazia parte do património do mosteiro galego de Celanova, conforme consta do contrato de permuta outorgado em Zamora, no ano de 1241, entre D. Sancho II de Portugal e o dito mosteiro de Celanova, cedendo este último o castelo do Laboreiro ao monarca luso, que por sua vez lhe liberou a igreja de Monte Córdova (c. Santo Tirso).

Contra o que tem seguido a corrente historiográfica tradicional, mais lendária parece ser a tomada deste castelo pela força das armas, no tempo de D. Afonso Henriques. Tudo por conta e crédito da carta de couto que, no dia 16 de Abril de 1141, o mesmo monarca outorgou ao mosteiro de Paderne, em compensação do tributo de dez éguas com suas crias, trinta moios de vinho, um cavalo avaliado em quinhentos soldos e cem moedas de ouro, que a abadessa Elvira Sarracine lhe tinha prestado durante a tomada do castelo do Laboreiro – “istum pretium et servitium fuit datum quando tomavit dominus rex castellum do Laborario”. Este diploma afonsino vem confirmar a existência do castelo na primeira metade do século XII.

A cronologia documental conhecida impõe que, para se aceitar o sucesso bélico do nosso primeiro monarca, se acredite na conquista da fortaleza roqueira do Laboreiro duas vezes consecutivas, no Inverno de 1140 – uma por Leão e outra por Portugal. Esta ideia torna-se assaz improcedente tendo em conta: (I) a situação geográfica do castelo e a defesa natural proporcionada pela escabrosidade dos colossais penhascos que a natureza cinzelou; (II) os invernos rigorosos no âmago destas montanhas; (III) a morosidade, os riscos e as práticas de sitiar castelos em pleno século XII.

Assim sendo, o mais plausível é que, primeiro, o castelo do Laboreiro tenha tomado voz por Afonso VII, quando este por aqui passou a caminho de Valdevez, e depois, após o Bafordo de Valdevez e consecutivo armistício entre os dois reinos, tenha ficado do lado de Portugal, aproveitando o monarca luso a proximidade geográfica para o visitar e tomar posse. O convento de Paderne, por sua vez e tal como outros congéneres, ter-se-á limitado a comprar ao soberano a carta de couto para o seu mosteiro, pagando o respectivo preço.

Regressando ao hodierno, o “viajante” do Prémio Nobel da Literatura, José Saramago, ficou surpreendido com o nome da porta deste castelo voltada para o casario actual da vila – porta do Sapo – referindo que “alguma coisa daria o viajante para saber a origem deste nome”. Numa tentativa de satisfazer essa curiosidade, é bem plausível que a explicação esteja na formação granítica, em forma de tartaruga, que fica mesmo em frente a essa porta. A verdade é que por estas bandas, plausível legado do Galaico-Português, a tartaruga ainda é o sapo concho ou sapo com concha.

 

José Domingues – Historiador e jurista. Professor e investigador do CEJEA na Universidade Lusíada. Fundador do Núcleo de Estudos e Pesquisa dos Montes Laboreiro. Autor de As Ordenações Afonsinas e de muitos outros trabalhos da história da região do concelho de Melgaço.

 

 

LUGARES INESQUECÍVEIS DE PORTUGAL

Viagens com Alma

Edição Paulo Alexandre Loução

Julho 2011

pp. 417-419

 

OS FORAIS DE MELGAÇO E RIBADÁVIA

melgaçodomonteàribeira, 25.03.17

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OS FORAIS ANTIGOS DE MELGAÇO, TERRA DE FRONTEIRA

 

(…)

 

Devem ter sido os burgueses de Allariz que manifestaram a Afonso VII a sua preferência pelo modelo sahaguntino, tal como os moradores de Ribadávia se interessarão pelo de Allariz e os de Melgaço pelo de Ribadávia. Convém não esquecer que Ribadávia e Melgaço se situam nas margens do rio Minho, a uma distância relativamente próxima, e estavam ligadas por um caminho que, estabelecidas as proporções, era mais frequentado nessa época do que nos tempos actuais. Ainda no tempo de D. Pedro I, em 1361, Melgaço é referida, numa carta régia, como uma das principais entradas de mercadorias vindas da Galiza no Reino de Portugal.

Sendo Melgaço uma povoação fronteiriça, foram sempre múltiplos os seus contactos com a Galiza, o que se traduziu em muitos aspectos da história local: Santa Maria da Porta, actual orago de Melgaço, evoca as grandes festas de Santa Maria do Portal, de Ribadávia, e São Facundo ou Fagundo, o santo que deu o nome a Sahagún, era o padroeiro de uma das igrejas medievais da nossa vila raiana. É natural que entre os povoadores de Melgaço se contassem agricultores e comerciantes provenientes de Ribadávia.

Entre os destinatários do foral outorgado a Melgaço, em Agosto de 1185, designados simplesmente como moradores ou vizinhos, distinguem-se os mercadores. Nada se pormenoriza sobre o estatuto social, mas supõe-se que é uniforme, fundamentalmente o mesmo dos «burgueses» ou habitantes das povoações noutros documentos designadas «burgos».

Propõe-se-lhes, como objectivos, que edifiquem e habitem na herdade que o Rei possuía no lugar de Melgaço, doando-lhes também a metade régia de Chaviães, na terra de Valadares.

Aparentemente, o foral nada tem a ver com o de Ribadávia, pois as matérias foram objecto de uma exposição e de uma redacção totalmente diferente, mas o mesmo não se dirá em relação aos conteúdos que são, em grande parte, semelhantes.

Fixa-se um imposto geral único, de 1 soldo, ou 12 dinheiros, a pagar por cada casa, como nos forais dos outros burgos portugueses e no de Ribadávia, a que se ajunta a taxa de dois soldos a pagar pelos carniceiros, que também se paga em Ribadávia. Os vizinhos de Melgaço são ainda obrigados a pagar 6 soldos, de colecta, uma vez por ano, no máximo, quando o rei se deslocar à sua vila, tributo que não sobrecarrega os burgueses de Ribadávia.

A tabela das portagens apresenta, naturalmente, várias coincidências e variantes. Com oscilações, nuns casos para mais e noutros para menos, e com variantes, a tabela das sisas e portagens aplicava-se aos mercadores vindos de fora, aos quais apenas era permitido vender a retalho no dia da feira – a segunda a que os documentos portugueses fazem referência. Refere-se expressamente que os moradores nada pagarão do pão e do vinho que colherem, dos panos e dos animais que venderem ou comprarem, assim como dos moinhos, fornos e almuinhas. Estas cláusulas, nos forais de Ribadávia e de Melgaço, explicam-se com a preocupação de corrigir disposições mais gravosas que se mantinham nos forais derivados de Sahagún, se bem que, em certos aspectos correspondem a outras que já encontramos nos forais de Guimarães e do Porto (isenção de taxas sobre as compras de reduzido valor, e especificamente sobre o pão), e por outro lado lembra-nos que, tendo Melgaço um foral idêntico ao de «burgos» mais ricos, se previa também a expressão do sector agrário, como aliás já acontecia no foral do Porto…..

 

 

António Matos Reis

Revista da Faculdade de Letras

 

http://ler.letras.up.pt

 

 

CRÓNICA ESQUECIDA D'EL REI D. JOÃO II

melgaçodomonteàribeira, 03.09.16

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(…)

Chegou a Lisboa uma delegação de judeus espanhóis, dirigidos pelo velho e respeitado D. Isaac Aboab, o último Gaon de Castela e que já fora mestre de Abravanel.

Vinha acompanhado de trinta rabinos dos mais ilustres de Castela, o bom velho, e solicitou ao Rei a sua clemência e a entrada dos judeus de Castela em Portugal. Os trinta rabinos ficaram alojados no Porto e o Monarca deu as garantias necessárias porque viu na situação um bom negócio. É assim em política. O Rei necessitava, para a expansão e as viagens marítimas, de dinheiro, artífices e gente que trabalhasse a parco soldo em troca da vida. O Porto, os trinta rabinos, pagariam à municipalidade cinquenta maravedis anuais e calcetariam à sua custa a Rua de S. Miguel, os outros cerca de sessenta mil cruzados de ouro e outros ainda oito cruzados de ouro (isentos os recém-nascidos). Entrariam os de Placença por Olivença, Arronches, Castelo-Rodrigo, Bragança, Melgaço… O Rei reuniu-se na sua mui amada Sintra com o Conselho onde alguns dos seus membros recusaram a entrada dos judeus e, como seria de esperar, as próprias comunidades portuguesas de judeus também se opuseram a que os irmãos de Castela entrassem a fronteira porque era impossível ao país aguentar tal intromissão sem problemas. Onde se acoitaria tanta gente? A imigração em massa traria grandes desgraças! Pois bem, respondeu o Rei: seria só por oito meses! Depois partiriam. Far-se-ia uma escolha e navios especialmente contratados seriam cheios dessa malvada gente e eles, os espúrios da terra, levados para os portos que escolhessem…

 

Crónica Esquecida d’El-Rei D. João II

Seomara da Veiga Ferreira

Editorial Presença

Lisboa, Maio, 1996 

P. 241