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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

BRANDAS E INVERNEIRAS EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 13.07.24

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EM CASTRO LABOREIRO, AINDA HÁ NÓMADAS QUE LEVAM A CASA ÀS COSTAS

DE INVERNO OU DE VERÃO

CATARINA PIRES

30/01/2018

Curva e contracurva. Montanha adentro. Rochas de granito. Muitos carvalhos. Quem entra em Castro Laboreiro pelos caminhos do Soajo parece que desliza por um trilho secreto pouco percorrido, tal a estreiteza da estrada e a natureza em estado de graça. Num instante as nuvens se tornam o chão mais branco onde a vista pousa.

São dez da manhã mas, para Isalina Fernandes e Leonor Rodrigues, mãe e filha, já pouco falta para o jantar, que aqui quer dizer almoço. A esta hora, na mala da carrinha pick-up, à porta de casa, já se veem caixas empilhadas e cestas acauteladas, coroadas por uma tábua de passar a ferro. Não há dúvida: estamos no fim do verão.

Há meses que a estação estival ficou para trás no calendário, mas este dia de inverno assinala a mudança que o mesmo não regista: a tradição secular dos aglomerados à volta da vila de Melgaço, distribuídos pelas duas margens do rio Laboreiro, segundo a qual, duas vezes por ano, a população se desloca entre as terras mais altas, as brandas, entre os 1050 e os 1150 metros de altitude, e as mais baixas, as inverneiras (700 a 800 metros), num nomadismo cunhado pelo sabor das estações.

De dezembro a março a população castreja foge das temperaturas baixas e da neve nas regiões mais altas e, no verão, do calor das regiões mais baixas. As brandas são também os terrenos mais férteis, daí que a maior parte do ano seja passado nestas terras.

Aqui, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês, vivem umas 500 pessoas e já são poucas as famílias castrejas com as duas residências anuais. Mas Isalina e Leonor aqui estão para manter a história e a tradição. «É uma vida de ciganos», solta a mulher de 72 anos enquanto ciranda entre a lida da mudança. «Andamos sempre com tudo às costas». Entra no galinheiro, ultrapassando certeira a gaiola onde já encurralou as galinhas. Agora é a vez de pegar nos coelhos pelas orelhas.

Enquanto trabalha tagarela. O galego sai-lhe boca fora com a naturalidade de língua materna. Estamos na raia, a Galiza é já ali. Toda a vida de Isalina, como a dos castrejos da sua geração, foi com um pé cá, outro lá. «Pronto, agora hemos a levar isto abaixo. Que trabalheira», resmunga enquanto pega nas gaiolas dos animais, com um sorriso que não denuncia lamentos.

Sentada no pátio da casa na branda de Padrosouro, um dos 46 aglomerados que compõe Castro Laboreiro, Isalina, com o lenço negro enfiado na cabeça, bochechas rosadas do frio, plainas brancas atadas às canelas e toda trajada de negro, é o retrato vivo da mulher castreja doutros tempos.

O som dos chocalhos que chega desde a estrada desperta-a. Não precisa de ver Rubia e Bonita, as vacas, para saber que são elas que chegam com Leonor. «Distingo-as pelo chocalho. Não há dois iguais». De um salto se levanta para as ir pôr a pastar. Há que abastecê-las para a viagem desta tarde, rumo à inverneira de Cainheiras. Apenas o gado faz a travessia caminhando. «Antigamente até os potes de cozinhar se levavam. Hoje só levamos para a outra casa a roupa de vestir», diz Leonor.

A mudança é bem mais simples agora. Isalina e Leonor põem tudo o que levam na carrinha. Antigamente tudo se fazia a pé e carregado em carros de bois: a roupa para vestir e para a cama, os utensílios domésticos e as ferramentas agrícolas, como uma romaria a cruzar as montanhas. «E por arriba dos carros de bois iam os gatos presos por uma corda», recorda Isalina, para quem estas histórias não são mais que a sua própria. «Quando havia doentes, fazia-se-lhes uma caminha no carro de bois e lá se ia com elas por aí fora. Quantos não morreram por esses montes durante as mudanças!»

Não se sabe quão antiga é esta tradição. Segundo José Domingues, investigador da Universidade Lusíada do Porto, o primeiro registo a dar conta desta tradição data de 1527. Mas «não se torna difícil conjeturar que este nomadismo do Laboreiro tenha as suas raízes em deslocações de pastores, intrínsecas aos povos mediterrânicos de montanha, desde tempos muito recuados», escreve em Brandas e Inverneiras: o Nomadismo Peculiar de Castro Laboreiro (2007).

Isalina é filha de mãe solteira. Ela e cinco irmãos. «Todos filhos de pais diferentes. Mas a minha mãe nunca nos fez faltar nada. Todos aprendemos a ler e escrever. E sempre foi o campo que nos deu de comer». Com a mesma valentia com que a mãe criou seis filhos sem qualquer marido, Isalina seguiu-lhe os passos. À semelhança das mulheres da sua geração, teve o marido – que morreu há quatro anos – emigrado em França por quatro décadas. «Só cá vinha uma vez por ano. Às vezes, de dois em dois», diz com naturalidade. «Tinha de ser, era preciso trabalhar».

A independência é traço que lhe assenta na perfeição. Tanto ela como a filha Leonor viveram sempre do campo, sozinhas cuidaram do seu império. E não se pode dizer que seja coisa pouca. Se hoje a agricultura é ajudada por maquinaria, num passado recente a força do corpo era ferramenta vital. «Aprendemos a fazer tudo desde cedo», diz Leonor. «A cortar feno à foice, plantar, pastar o gado pelas montanhas, adubar os campos carregando estrume nos carros de bois, a domar as vacas. É preciso ensiná-las porque não nascem a saber trabalhar. Não é fácil, elas são bravas».

Depois de deixarem a carrinha na inverneira de Cainheiras, com a primeira remessa de pertences, mãe e filha fazem a segunda viagem da muda. Hoje contam com a ajuda dum vizinho, que lhes dá boleia outra vez até à casa de verão. Leonor põe-se agora ao comando do trator e, com a mãe sentada no atrelado, junto dos cães, começa a descer lentamente os trilhos até mais baixas altitudes, fazendo as curvas do caminho como se nelas se espreguiçasse.

A viagem é lenta, observa-se com vagar cada pedra, cada folha e cada ribeiro que cruzam o caminho. É tudo isto que Isalina vê também, de lenço negro ao vento, sentada no atrelado, afagando distraidamente a mão no focinho da cadela Lassie. «Esta é a terra do descanso, a terra da liberdade. Aqui ninguém nos invade».

Castro Laboreiro é hoje uma vila de população reduzida, mas houve dias diferentes. «Quando era jovem, isto era uma alegria. Íamos para os montes fazer bailes, andávamos sempre por aí. Era uma vida dura mas feliz. Quando veio o 25 de abril evoluiu tudo. Tínhamos um doutor todas as semanas, dinheiro, casas». Isalina vai puxando pela memória. «Mas veio a televisão e foi uma desgraça, estragou o processo. Antes juntávamo-nos a fazer serões a fiar. Está certo que hoje é um viver mais tranquilo, mas é um viver triste».

Depois dos dois carregamentos, falta o gado. Isalina já não voltará a subir à branda. Agora é hora de caminhar, como antigamente. Quem vem ajudar Leonor é a tia Amabélia. Juntas comandam a procissão bovina, falando com as vacas numa língua de urros e exclamações. Nesta travessia, a distância de uma casa à outra não se mede em quilómetros – serão uns dois ou três - mas antes através da disposição das vacas em colaborar com um marchar sem desvios. Quem manda é a vara que Leonor e Amabélia carregam, para as vergastadas no lombo dos animais.

Uma hora depois, quando chegamos à inverneira de Cainheiras, Isalina está à porta, com as mãos na cintura. Outra vez, os chocalhos denunciam. A mudança está feita. «Estou feliz da vida, ainda faço a tradição. A Leonor, por ela, ficava sempre lá em cima. Eu prefiro aqui. A casa lá de cima é melhor, mas gosto daqui. Foi a primeira casa que construí, há cinquenta anos. E foi aqui que morreu o meu marido. Eu, se calhar, também aqui morro. Enquanto mandar, havemos de fazer a muda. Quando morrer a minha filha fará o que quiser».

Comparada com a branda de Padrosouro, onde a casa parece plantada no céu, com a vista limpa para qualquer rota sideral, aqui tudo é resguardado. Mas basta subir a escadaria que leva à cozinha para, do alpendre, ver que os colossais pedregulhos continuam a traçar o horizonte, irreverentes a brotar da terra. É esta a vista para os próximos meses. Até voltarem a subir a serra outra vez.

NOTÍCIAS MAGAZINE

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CASTRO LABOREIRO, HISTÓRIA DA HABITAÇÃO

melgaçodomonteàribeira, 06.05.23

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ARQUITECTURA VERNACULAR AGRO-PASTORIL

CASTRO LABOREIRO

HISTÓRIA DA HABITAÇÃO

Os inícios da ocupação humana na zona do PNPG, na qual a freguesia de Castro Laboreiro é pertencente, datam de 5000 a.C. As provas desta presença consistem nos túmulos megalíticos, tais como as mamoas, as antas ou as cistas, existentes nos planaltos de Castro Laboreiro e de Mourela, e também nas serras da Peneda, Soajo e Gerês (Rocha, J., 1993: 121). Com efeito, foi na região em estudo que se verificou o surgimento sucessivo de duas culturas com grande relevo – a dolménica e a castreja (Rocha, J., 1993: 122).

Verifica-se então que os aglomerados populacionais de Castro Laboreiro tiveram provavelmente génese nos castros, povoados que datam do final da Idade do Bronze, tendo o seu apogeu com a Idade do Ferro (Marcos, J., 1996:29). Com efeito, várias características, como a nomenclatura dos povoados, a sua posição geográfica, as técnicas, a pobreza do meio, entre outras, são reflexo da influência da “primitiva civilização castreja-céltica, ramo Noroeste Peninsular, que teria nos altos pontos montanhosos a sua principal área de expansão” (Geraldes, A., 1996:12). O isolamento da comunidade de Castro Laboreiro fez com que esta conquistasse individualidade; por outro lado, não pôde usufruir de técnicas agrícolas mais avançadas e de uma vida económica melhor. Enquanto que outras regiões do país tiveram grande influência da civilização romana, tal não aconteceu neste local, verificando-se a inexistência da regularização da divisão do território, do espalhamento da população, do surgimento da urbanização e das funções da mercantilização (Geraldes, A., 1996:12).

Embora a vertente da defesa fosse de grande importância, os castros reflectiam igualmente a sedentarização, com a domesticação de animais e o cultivo; estas actividades ainda hoje são praticadas por alguns dos habitantes de Castro Laboreiro. Os castros normalmente edificavam-se à beira-mar ou junto aos rios, aqueles que se encontravam no interior (Silva, A., 1983: 121).

As habitações castrejas originais possuíam planta circular, típica do empirismo natural do Homem. Outra razão para terem esta forma é a de que os habitantes da época não tinham conhecimentos construtivos e técnicos que lhes permitissem edificar uma planta rectangular; só com a Celtização é que se adaptou essa tipologia (Marcos. J., 1996:71). No entanto, apesar da simplicidade, consegue-se encontrar nos castros nortenhos variações ao nível da “forma, altura e natureza das paredes, tipo de aparelho e cobertura, etc., conforme as regiões e os povoados, os materiais naturais – o granito, o xisto, o barro, a madeira…” (Dias, J., 1946: 75)

As descrições iniciais relativas à primeira grande mudança dos edifícios de Castro Laboreiro remontam a finais do século XVIII; a maioria das habitações seriam caracterizadas pela sua simplicidade, quer ao nível da forma, quer da estrutura, relacionando-se com as casas rudimentares existentes em diversas regiões da Europa Medieval (Chapelot e Fossier, 1980: 222, 223, cit. in Lima, A., 1996: 31). Estas habitações apresentavam principalmente três materiais: a pedra (granito), a madeira (carvalho) e o colmo (palha centeia). Possuíam um único piso, assim como uma só divisão, sendo o solo em terra batida. Ao contrário do que viria a existir em tempos posteriores, as cortes do gado ficavam em anexo (Lima, A., 1996: 31).

De acordo com a autora Alexandra Lima, este período representa uma primeira mudança significativa nas tipologias das habitações presentes em Castro Laboreiro, sendo que a segunda corresponderia às alterações efectuadas pelos emigrantes em meados do século XX. Assim, as casas estudadas neste trabalho correspondem às que restam (sem modificações) após o século XVIII (Lima. A., 1996: 31).

 

UNIVERSIDADE LUSÍADA DO PORTO

A SUSTENTABILIDADE E REABILITAÇÃO DA ARQUITECTURA VERNACULAR – INTERVENÇÃO NA INVERNEIRA DE PONTES

JOÃO DANIEL DA PONTE MARTINS GRAÇA DE MATOS

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

PORTO, 2013

A HABITAÇÃO CASTREJA DO ANTIGAMENTE

melgaçodomonteàribeira, 27.04.19

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castro laboreiro

 

A ESTRUTURA DA HABITAÇÃO TRADICIONAL

 

 Como em todas as sociedades de tecnologia primitiva e onde o meio natural se apresentava muito pouco diversificado quanto a materiais utilizáveis, também na antiga sociedade castreja qualquer das realizações materiais, levadas a cabo pelo homem, trazia impressa a marca do ambiente. Por outro lado, o sentido de equilíbrio que o artesão sempre realiza em toda a sua obra, permitiu também que aqui existisse uma adequação formal da casa à natureza que a cercava. Portanto, nas antigas construções de Castro Laboreiro, estiveram presentes estas duas marcas naturais, que ao fim e ao cabo se resumem numa só: a marca do equilíbrio entre o homem e a natureza.

Efectivamente, os únicos materiais empregues na construção foram o granito arrancado ao chão e às rochas; a madeira que crescia nas matas; a palha de centeio que o homem produzia e a urze que espontaneamente se criava em profusão. Quanto à própria estrutura, não ia além de um modelo simples de linha direita, de área estritamente necessária ao abrigo da família, dos animais e da alfaia agrícola e ao armazenamento da produção.

A casa era pois uma peça de tal maneira integrada na paisagem, pela cor e pela forma, que cada um dos lugares, composto de muitas dessas casas, quando visto de longe, configurava uma das variadíssimas formações rochosas em que se capricha a natureza de Castro Laboreiro. Ainda hoje este quadro é-nos sugerido pelos pequenos conjuntos de habitações de tal tipo existentes em lugares outros que não a «vila», embora já destacados do meio natural por força do contraste que a este oferecem as novas construções, que surgiram no seu interior ou à sua volta.

Curiosamente, e reportando-nos ainda a esse tempo, a única marca imediatamente visível da acção do homem sobre a natureza devia ser a que era formada pelas manchas coloridas dos barbeitos cultivados sempre em zonas distantes da zona habitada. Esses, sim, contrastavam pela macieza dos seus verdes e pela geometria dos seus contornos, com a cor parda cinzenta dos grandes e irregulares rochedos, erguidos à volta de Castro Laboreiro.

Mas se a estrutura da casa se harmonizava com a natureza e satisfazia por outro lado necessidades de abrigo, não satisfazia de maneira eficaz as exigências de comodidade das pessoas que a habitavam, embora tais exigências se reduzissem àquele mínimo determinado pelas próprias condições em que decorria a sua existência.

Na verdade, ninguém em Castro Laboreiro que tivesse experimentado o desconforto destas habitações, a elas se refere sem ser em manifesto repúdio pelas condições de vida que a tal obrigavam. Contudo, não aceitamos o quadro desumanizado que nos foi deixado por José Augusto Vieira, na sua obra «Minho Pitoresco»: «Anexo a este interior, o que há de mais sórdido, de mais negro pelo fumo, e de mais anti-higiénico, ficam as cortes para os gados». Vista assim, a casa mais nos parece um «covil» para animais selvagens que propriamente um abrigo para os homens. Com outros olhos a viu José Leite de Vasconcelos no seu artigo «Viagem a Castro Laboreiro», publicado na Revista Lusitana, vol. XIX. A descrição que a seguir vamos tentar esboçar deste tipo de casa, resulta das visitas que fizemos a algumas das que a despeito das transformações que lhes foram introduzidos, ainda conservam o essencial da estrutura primitiva, e resulta igualmente das informações que fomos colhendo junto das pessoas que habitaram ou conheceram a casa tradicional antiga.

Era uma casa pouco alta, de linha direita e forma rectangular, composta de dois pisos: o piso de cima destinado ao abrigo da família e o piso de baixo a corte dos animais. Esta corte tinha geralmente uma divisória ao meio, para apartar os animais que luitavam.

O andar superior, ou piso de cima, constava de dois compartimentos separados por um tabique de madeira cuja altura não ultrapassava a das paredes, ficando portanto descoberto o espaço que ia destas ao cumio.

Do primeiro compartimento, a cozinha, quase sempre ampla, passava-se por uma porta aberta a meio do tabique para o resto da casa, constituído de uma só peça e que funcionava como quarto de dormir comum a toda a família, fosse esta grande ou pequena.

O acesso ao interior da casa fazia-se por uma tosca escada sem resguardos laterais, quase sempre perpendicular à parede fronteira, no cimo da qual se abria a única porta com ligação para dentro da casa e que era também a única abertura por onde entrava a luz do dia na cozinha. A outra abertura, de dimensões muito reduzidas, com a mesma função, era uma janela existente numa das paredes do quarto de dormir.

O piso era feito de toscas tábuas de carvalho, não aplainadas, a que o povo dava o nome de ratchons.

A designação – rachões – resulta da técnica que era empregada para se obterem as tábuas. Como não havia serra, serviam-se de cunhas espetadas em linha direita ao tronco de carvalho, e que, marteladas, provocam o rachamento do tronco dando origem aos ratchons.

As paredes eram formadas de pedras nuas encaixadas umas nas outras, depois de se lhes ter picado o leito, para um mais perfeito acerto, e o parelamento ou face, com o ponteiro ou pico.

O telhado de duas águas, bastante inclinadas para evitar acumulações de neve, oferecia ao interior a primeira camada da sua cobertura, constituída pela latiça, isto é, urzes finas acamadas sobre ratchons de carvalho. O emprego da urze devia-se ao facto de esta oferecer uma grande resistência ao tempo, chegando a haver latiças com uma duração de séculos. No entanto, também havia quem utilizasse a giesta para o mesmo efeito.

Piso, paredes, tecto e tapume, tinha tudo uma cor uniforme e levemente envernizada, que o fumo de muitos anos dá aos ambientes fechados e não renovados. Contudo, esta habitação apresentava algumas vantagens relativamente às temperaturas agrestes de longa duração e ao calor do verão.

No inverno, constituía um abrigo aconchegado e quente: a sua pouca altura e o colmaço da cobertura, que devido às sucessivas camadas de palha ali colocadas ao longo dos anos, chegava a atingir no exterior a espessura de 60 cm e mais, possibilitava a conservação do calor das duas fontes que no interior o produziam: a lareira e os animais abrigados logo abaixo na corte. Por outro lado, oferecia também frescura no verão, que lhe advinha do próprio colmo da cobertura do tecto, a funcionar então como superfície isoladora.

Ao lado da casa era construído o palheiro, também de dois pisos, destinado exclusivamente à arrecadação dos fenos, lenha, alfaias e colheita do ano.

A parte que dava para a rua levava um fetcho de lado. Invariavelmente, as últimas palavras pronunciadas antes da família recolher ao leito seriam estas: Corrête-lho fetcho? – Corrim.

 

Castro Laboreiro e Soajo – Habitação, vestuário e trabalho da mulher

Alice Geraldes

1979