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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

AS GUERRAS ENTRE ABSOLUTISTAS E LIBERAIS

melgaçodomonteàribeira, 25.05.24

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O SPECTADOR BRASILEIRO

JOURNAL POLÍTICO, LITERÁRIO, E COMMERCIAL

Nº 40    9 DE ABRIL DE 1827

Valença, Janeiro 10. Os hespanhoes acompanhados de alguns paisanos guerrilhas portuguezes nos atacarão a 6 do corrente, em S. Gregório, e Alcobaça, chegando até Melgaço, aonde entraram no dia 7: porem o comandante da linha retirou-se com as milícias que tinha para a ponte do Mouro, esperando-os ahi para os bater, mas forão tão cobardes, e ignorantes da arte da guerra que conservando-se todo o dia 7 em Melgaço não vierão fazer reconhecimento sobre a Ponte de Mouro, aonde se achavão as milícias.

As tropas que entrarão são as seguintes: 2 companhias do regimento de Navarra em força de 100 homens com suas cornetas, huma grande parte do regimento de milícias d’Orense, de que he commandante o célebre ladrão guerrilheiro D. Ignacio Pereira: alguns paisanos armados portuguezes, commandados por alguns trânsfugas officiaes portuguezes: vários padres e frades.

O general Moura governador de Valença e agora interino da provincia mandou logo 80 bayonetas commandadas pelo major Queiroz. Depois mandou 40 homens de milícias de Villa do Conde e Vianna.

Mandou também mais 60 homens commandados pelo alferes Costa de caçadores 12. Hontem mandou duas peças d’artelharia com o seu competente destacamento d’esta arma, 40 homens d’infantaria, commandados pelo ajudante Bandeira de milícias de Vianna que era alferes do nº 15 de infantaria.

Ordenou igualmente que de Braga marchassem 300 bayonetas para os cortar commandadas pelo capitão Pereira de caçadores nº 11, e alguns cavallos, tropa que chegou sem ser esperada hontem 9 à villa de Monção, junto ao ponto onde se acha a nossa força, já para cima de 200 homens de todas as armas e 3 peças d’artelharia. Hoje mandou mais o general Moura 30 homens de caçadores nº 12 para reforçar a linha e mandou attacar os cobardes inimigos porem agora chega parte de que todos elles se retirarão de Melgaço para a raia, tendo estado no nosso território 2 dias. 

Esperamos por momentos a notícia da sua completa derrota. A força dos guerrilhas portuguezes erão 160 homens: dos hespanhoes erão 800.

 

A GUERRA DO DIZ QUE DISSE NO SÉC. XIX

melgaçodomonteàribeira, 12.06.21

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ponte da folia - remoães

Nº 25                       SUPLEMENTO

19 de FEVEREIRO 1847

O ESPECTRO

Lisboa, 20 de Fevereiro

 

O vapôr de guerra hespanhol Blasco de Carai, chegado hontem de Vigo, trouxe notícias importantes. As forças do ex-conde do Casal foram completamente derrotadas, e elle fugiu precipitadamente para Valença. Não sabemos os detalhes circumstanciados da acção, mas referiremos o que dizem pessoas que vieram no mesmo vapôr.

O barão de Almargem atacou a Ponte da Barca, o conde das Antas Ponte de Lima, aonde se achava o chefe dos rebeldes. Ambas as pontes foram immediatamente forçadas. Dizem uns que a força rebelde da Barca fôra perseguida pelo barão de Almargem até Melgaço, aonde entrára na Galliza, deixando em nosso poder 200 prisioneiros; e que a de Ponte do Lima fugira para Valença. Dizem outros que as duas forças se reuniram, e passaram em Melgaço para Galliza por não poderem entrar em Valença. Outros em fim melhores informados dizem que o governo recebêra participações de Vigo nas quaes se diz que o Casal entrára em Valença inteiramente derrotado, e que levavam somente duzentas praças.

 O conde das Antas depois de destroçar o inimigo cahiu sobre Vianna, aonde entrou depois de alguma resistência, aprisionando 200 soldados, e o brigue Vouga que alli se achava fundeado.

 

O ASSASSINO TOMÁS DAS QUINGOSTAS

melgaçodomonteàribeira, 08.10.16

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UM CRIME EM MELGAÇO NO SÉCULO XIX

 

 

Fevereiro de 1828. D. Miguel, irmão de D. Pedro IV, assume a regência do reino e jura a Carta Constitucional. Em Março do mesmo ano dissolve o parlamento; em 3 de Maio convoca as Cortes. Estas, restauram o regime tradicionalista, isto é, proclamam D. Miguel rei absoluto.

Os liberais não gostaram; organizam a oposição. É a guerra civil! Acaba em 1834, depois da derrota dos miguelistas. O rei parte para Viena de Áustria e nunca mais põe os pés em território nacional.

Estávamos em plena guerra fratricida; por todo o país D. Miguel perseguia incansavelmente os liberais; estes defendiam-se como podiam e sabiam. D. Pedro, vendo que as coisas não se resolviam, abdica em 1831, a favor de seu filho, a coroa do Brasil e dirige-se a França e Inglaterra em busca de auxílio, a fim de reconquistar o trono português para sua filha D. Maria da Glória (mais tarde D. Maria II).

Melgaço vivia dias agitados. Tomás das Quingostas aterrorizava toda a gente. Ninguém sentia segura nem a vida, nem a fazenda. Com a sua temível quadrilha matava e roubava com o maior desplante. A lei era ele. Por onde passava, deixava rastos de sangue e amargura. Uma das suas vítimas mortais foi o jovem João Vicente. Rapaz pouco dado a bens materiais e a folguedos tencionava seguir, logo que as condições o permitissem, a carreira clerical. Só a sua mãe conhecia o segredo. Em 17 de Março de 1829 esta faz-lhe saber que tudo está pronto para ele poder assim concretizar seu sonho.

Enquanto não ingressa no Seminário vai tentando não se envolver em conflitos ideológicos ou bélicos. Ajuda na administração da Casa e de vez em quando visita as pesqueiras que a família possui no rio Minho, fiscalizando também a faina dos pescadores. Nesse tempo as lampreias, os sáveis e os salmões saíam em abundância. Era, sem dúvida, um bom ano.

João Vicente tinha a estima de toda a gente de Melgaço. A sua índole calma e generosa granjeava-lhe amizades e respeito. Parecia que a sua vida decorreria sempre assim: ajudando quem dele precisasse, materialmente ou com a sua palavra amiga e sábia.

No entanto, o seu destino já estava traçado. A morte estava próxima.

Naquela noite fatídica de 21 de Março de 1829, noite chuvosa, trilha o caminho que o leva ao rio. Parecia até um fantasma com a croça sobre o seu corpo miúdo. Não se via um palmo à frente do nariz, mas como ele conhecia bem o caminho não haveria qualquer problema. A croça não lhe serviria de muito com a chuva.

Chega perto das pesqueiras, ouve o barulho amigo das águas e com seus olhos habituados à escuridão, perscruta-as. As redes lá estão. Tudo em ordem.

Na tarde do mesmo dia um grupo de homens, à cabeça Tomás das Quingostas, combinava o assalto a uma aldeia galega. Tinham lá gente da mesma laia que com eles colaboravam e desse modo esperavam roubar o suficiente para uns longos dias. Depois de tudo combinado até ao pormenor, foram lentamente descendo o monte em direcção ao rio. Aguardariam ali o sinal e depois atravessariam na batela que estava escondida sob umas espessas ramagens. Esperaram, esperaram, e nada de sinal. Pensaram então que algo se tinha passado com os seus amigos galegos. Outro dia seria. Tomás disse aos seus homens que se dispersassem. Com ele ficaram Caetano Paulo e o Pitães. Virando-se para eles diz-lhes: - Não regressaremos de mãos vazias! Vamos às pesqueiras ver se tem peixe. Arranjaremos depois alguém que nos faça a ceia.

Conhecedores das margens do Minho, avançam afoitamente, sem cautelas especiais.

João apercebe-se do movimento e das vozes e pergunta: - Quem vem lá?!

O Tomás, astuto como uma raposa, responde-lhe: - Gente de bem e de paz!

O rapaz, confiante e contente por ter companhia, aproxima-se dele sem qualquer receio.

O monstro, logo que vislumbra a silhueta esguia aponta-lhe o «bacamarte» e dispara sem hesitar. Um segundo depois os restantes facínoras descarregam as suas armas num corpo cambaleante. Pum! Pum!

O som dos disparos ecoou ao longo do rio durante momentos; depois, um silêncio pesado ficou pairando no ar.

A besta aproximou-se do cadáver e com as suas botas de militar virou-o, confirmando assim a sua morte. Cruel, como abutre que era, disse aos outros: - Agora temos o caminho livre, vamos ao trabalho!

A justiça, depois de avisada, foi ao local do crime. Junto ao corpo perfurado pelas balas assassinas encontrava-se a croça toda ensanguentada.

Já neste século (XX), um poeta anónimo, escrevia estes versos acerca do Tomás das Quingostas:

 

                                     Homem de muitas matanças,

                                     na guerra civil andou;

                                     herói das extravagâncias

                                     vidas sem conta ceifou!

 

                                     Mais dum século decorreu

                                     sobre a morte do malvado;

                                     que, por ironia, morreu

                                     sob as balas dum soldado!

 

Fonte: Melgaço e as Lutas Civis

           1º volume

           Augusto César Esteves

pp. 87 – 92

 

Saudações amigas a todos os melgacenses.

 

                                                                             Joaquim A. Rocha

 

Publicado em: A Voz de Melgaço

 

Joaquim Rocha, historiador e investigador com vários livros sobre  Melgaço, edita o blog Melgaço, Minha Terra.