Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

FRONTEIRA E VIGILÂNCIA NO TEMPO DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA

melgaçodomonteàribeira, 14.09.24

931 c Lámina-Conde-Corbal-cartaz-homenagem.jpg

lámina - desenho de conde corbal

REFUGIADOS EM PORTUGAL. FRONTEIRA E VIGILÂNCIA NO TEMPO

DA GUERRA CIVIL EM ESPANHA (1936 – 1939)

Fábio Alexandre Faria

No distrito de Viana do Castelo a situação apresentava-se mais complicada, sendo constantes os pedidos e as ações de reforço dos postos fronteiriços de vigilância. A 31 de julho de 1936, o Comandante da PSP de Viana do Castelo, Tenente Francisco Pimenta da Gama, comunicava ao comando geral que, em consequência do grande movimento de pessoas na fronteira, resultante do ataque franquista à cidade de Tuy, havia deslocado 22 guardas e um graduado para reforçar os postos fronteiriços da Polícia Internacional e da Guarda Fiscal. Já o governador civil desse distrito, Tomás Fragoso, requeria ao ministro do Interior que fosse reforçado o posto da GNR de Melgaço devido ao facto de se ter registado a entrada por Castro Laboreiro de espanhóis armados que procuravam localizar os adversários políticos que se tinham refugiado em Portugal.

Esta região parece ter sido uma das mais complicadas de vigiar, sobretudo devido ao terreno acidentado e montanhoso. Em finais de agosto de 1936, foi nomeada uma patrulha com a particular missão de investigar se as casas dos habitantes de Castro Laboreiro estavam a ser alvo de buscas por parte de espanhóis armados, concluindo-se que estes eventualmente teriam entrado em Portugal perseguindo algum fugitivo e não para alterar a ordem pública por meio de buscas domiciliárias e ameaças. Segundo este ofício, foram detidos, na mesma altura, quatro cidadãos que estavam escondidos na região de Castro Laboreiro e o chefe da Polícia Internacional de S. Gregório multou os portugueses que tinham acolhido os refugiados, considerando que o fizeram por amizade e não por identificação política.

Para colmatar as dificuldades existentes nesta zona, a PVDE considerava que a reduzida fiscalização dos postos, geralmente levada a cabo por apenas três praças, só melhoraria com um forte reforço, dada a grande extensão da área, e que o destacamento de praças da GNR deveria ser deslocado de São Gregório para Castro Laboreiro de forma a garantir uma fiscalização mais eficaz.

REVISTA PORTUGUESA DE HISTÓRIA 48

Margarida Sobral Neto

Imprensa da Universidade de Coimbra

2017

pp.82-83

931 d Cartaz-II-roteiro-d@s-fugid@s-724x1024.jpg

931 b 2-Castro Laboreiro - Vila fascinante.-3.JPG

castro laboreiro

 

CONTRABANDO, GUERRA E DITADURA

melgaçodomonteàribeira, 02.12.23

78-ribeiro de cima-113.JPG

 ribeiro de cima, castro laboreiro

O CONTRABANDO NO TEMPO DA GUERRA E DA DITADURA

 

(…) a atividade do contrabando atinge o clímax num período marcado por dois acontecimentos históricos que influenciaram – direta e indiretamente – a vida económica e social das populações raianas, nomeadamente a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e a IIª Grande Guerra (1939-1945). O primeiro confronto é contemporâneo da afirmação da ditadura Franquista em Espanha e da consolidação do Estado Novo em Portugal, regimes que, com as suas políticas segregadoras e opressivas, marcaram indelevelmente a vida nas zonas de fronteira.

A Guerra Civil Espanhola acabou, antes de mais, por gerar uma extrema carência de bens e dificuldades de subsistência dos dois lados da raia, provocadas por medidas de contenção impostas, vigiadas e fiscalizadas pelas organizações corporativas estatais. Mas, além disto, a consolidação dos regimes ditatoriais ibéricos, também provocou um reforço das medidas de controlo fronteiriço, contra as quais as populações raianas tiveram que lutar, recorrendo a métodos de resistência ilícitos, como é o caso do contrabando (Táboas, et al., 2009).

O conflito que assolou Espanha acabou por ser encarnado pelas populações raianas como uma oportunidade comercial e isso também se verificou no caso da sociedade melgacense. As guerras, segundo Luís Cunha (2006: 180), tornaram “a fronteira num espaço mais preenchido e, nesse sentido, mais dinâmico”, levaram a um movimento permanente de pessoas e mercadorias, constituindo também um recurso fundamental para a sobrevivência condigna das populações, pois os tempos da guerra foram, sobretudo, tempos de miséria e indigência. Relativamente a esta última consideração, é importante salientar que, neste período, a fronteira também foi encarada como um refúgio para refugiados espanhóis, os quais, pelas vicissitudes políticas, procuravam evadir-se à repressão do regime franquista, procurando abrigo também em Melgaço, mormente na zona montanhosa de Castro Laboreiro.

O impacto da guerra civil está bem presente na memória dos melgacenses. Para uns, este foi um tempo de oportunidades, sobretudo de exportação de bens que faltavam no país vizinho, transformando-se a conjuntura de carências numa ocasião de obtenção de maior capital económico; para outros, foi um tempo assombrado pela miséria e pela rarefação de bens, e também pela conivência das forças de poder protagonizadas pelos seus líderes locais e autoridades policiais. Os dois relatos a seguir transcritos são exemplo claro deste duplo entendimento:

 

… havia o rescaldo da guerra espanhola, da Guerra Civil de Espanha com o Franco e, ficou o rescaldo da guerra. Depois, havia muitas coisas que falhavam na Espanha e muitas coisas que falhavam a Portugal. Às vezes, falhava o azeite, pronto, havia o contrabando do azeite. Levávamos o azeite nuns odres ainda, chamam-lhe odres, que era peles de animais nuns odres. Sabão, sabão de potassa, café Sical, café sem torrar, café cru.   (José, Paços)

 

…as pessoas tinham pouco dinheiro, tinha acabado a Guerra Civil Espanhola, nós aqui ficámos muito mal, porque tudo o que havia foi para Espanha, porque o Salazar era amigo do Franco e ajudou-o, porque ele teve a Guerra Civil, que começou em trinta e seis, acabou em trinta e nove e a Espanha ficou destruída. Em trinta e nove começou a Segunda Guerra Mundial e, depois, tudo o que havia aqui passou para a Espanha, o contrabando. Pagavam o milho muito caro, o milho vendia-se para a Espanha e aqui passavam muita fome.   (Matilde,Paderne)

 

Como é possível depreender, o contrabando foi, no tempo muito preciso da guerra e da ditadura, uma alternativa viável ao isolamento e à pobreza da população melgacense, uma forma de resistência à marginalidade política, social e económica a que estava votada pelo poder. Além disso, o contrabando era, sobretudo, uma atividade legitimada pela necessidade e é dessa forma que os informantes ainda hoje entendem a sua prática, como uma atividade não danosa, mas necessária.

 

 

MARIA SALOMÉ ALVES DIAS

 

A FRONTEIRA ENQUANTO ESPAÇO DE PARTILHA IDENTITÁRIA, CULTURAL E LINGUÍSTICA: UM ESTUDO INTERPRETATIVO DA ZONA RAIANA DE MELGAÇO

UNIVERSIDADE DO MINHO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

OUTUBRO DE 2017