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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

PÃO, REBANHOS E BRUXAS EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 02.03.24

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forno em castro laboreiro

EM CASTRO LABOREIRO, NO EXTREMO NORTE DE PORTUGAL,

AINDA SE FAZ PÃO À MODA ANTIGA

António Catarino

5 de maio de 2017

Na aldeia moldada pelo granito e pelos rigores climatéricos da região das brandas e inverneiras, por onde correm garranos e cães da famosa raça local, o pão castrejo ainda resiste.

No lugar de Vido, a três quilómetros de Castro Laboreiro, Almerinda Rodrigues, Rosa Martinho e Isalina Pereira, mulheres de duas gerações, meteram mãos à massa e prepararam uma fornada à moda antiga. Almerinda Rodrigues, 79 anos, quase a bater nos 80, com o saber de experiência feito, foi explicando todo o processo e preparando o forno, enquanto recordava os tempos em que o povoado tinha mais habitantes que os sete atuais e o rebanho contava com duas centenas de cabeças, entre ovelhas e cabras.

Resignada, Rosa Martinho, 78 anos completados, enuncia as casas hoje desabitadas e aponta com o dedo em várias direções. Sabe de cor para onde foram os que partiram em busca de uma vida melhor, com mais comodidade. À conversa vêm estórias de tempos idos, quando havia bruxas por aqueles lados, como afiança Almerinda Rodrigues, desafiando, entre sonoras gargalhadas, alguns episódios ocorridos naquela terra onde o contrabando era prática mais ou menos generalizada.

O pão foi cozendo no forno, cumprindo-se rituais e preceitos ancestrais. O primeiro pão a sair, a tenda, como por ali lhe chamam, é para repartir, manda a tradição castreja. Mas, é preciso alguma cautela, como Isalina Pereira adverte, quando os pães bem quentes, são colocados no tabuleiro de madeira mesmo ao lado do forno.

Perto dali o velho forno comunitário espelhava a ignomínia do abandono, enquanto a água continuava a correr na fonte da empinada rua empedrada, onde um púcaro de esmalte, que já terá dado de beber a muitos caminhantes sequiosos, baloiçava ao sabor do vento fresco.

Com pão quente no bornal e sem beber água fria, era tempo de partir. À redescoberta da região de Castro Laboreiro.

TSF – Rádio Notícias

tsf.pt

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FORNOS COMUNITÁRIOS EM CASTRO LABOREIRO E LAMAS DE MOURO

melgaçodomonteàribeira, 30.06.20

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forno comunitário em ameijoeira, castro laboreiro

 

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

 

As referências mais antigas ao cultivo do centeio, consumo de pão e sua função de pagamento, na região de Castro Laboreiro, até agora encontradas, encontram-se nos seguintes forais, que o Padre Manuel Pintor refere na sua Obra Histórica I:

Foral de D. Sancho I – “Quando fosse a Castro Laboreiro o rei recebia de cada casa 2 pães e a sua taleiga de cevada. Não satisfaziam impostos, a não ser 5 dinheiros de cada casa por cada um dos crimes nefandos.”

Foral de Afonso III (Segundo a reforma de D. Manuel I) – “Segundo se vê da reforma, não pagavam os 2 pães de centeio e a taleiga de cevada porque o Rei não ia lá, e só quando fosse em pessoa é que deviam pagar.”

Mais tarde, os Tombos de 1538, 1551 e 1565, reúnem várias referências ao centeio e ao pão, como pagamento à igreja e aos comendadores, pelas herdades, por exemplo – “E logo os ditos homens bons fizeram pergunta a Ines Fajão molher viúva que herdades trazia da dita Comenda e logo ella disse pelo juramento que lhe tinhão dado que não trazia outra cousa somente a herdade da Pereira que está à porta da igreja. E que pagava della quando tem pão huma fanega” – além de referências a moinhos, indicando talvez a existência de equipamentos de cozedura de grande dimensão que pudessem dar resposta às quantidades exigidas para pagamentos e para o consumo do povo.

Em 1758, é feito um inquérito aos párocos, respondendo o de Castro Laboreiro da seguinte forma: “Ao décimo quinto artigo respondo que os frutos que os moradores desta terra recolhem em cada hum ano com abundância hé somente centeio.” – demonstrando a continuidade da longa tradição do cultivo do centeio e da sua relevância para a alimentação, sendo esta terra difícil de arar e cultivar outros alimentos. O pároco nunca refere a existência de fornos, apenas de moinhos e outras estruturas.

Finalmente, a primeira referência encontrada nos livros de actas disponíveis no arquivo municipal de Melgaço, da ex-Câmara Municipal de Castro Laboreiro, sobre fornos comunitários, é sobre o forno do lugar das Cainheiras a propósito da nomeação de um “goarda rural daquele lugar fazendo cumprir por todos os moradores daquele lugar” “a vigilância e bom funcionamento” ”de todas as fontes, fornos, caminhos e mais obras públicas daquele lugar” – este excerto demonstra que todos os elementos nomeados são de uso comum, aliás, “público”, o que leva a concluir que no século XIX (pelo menos) já existia a noção de forno comunitário segundo os parâmetros que hoje se conhecem. Cem anos mais tarde encontra-se uma nova referência a um grande alargamento feito no lugar de Assureira, na Acta de 6 de Novembro de 1983. Todos os testemunhos orais recolhidos referem a causa da demolição desse forno por necessidade de alargamento da entrada deste lugar. Só aparece uma nova referência directa a fornos comunitários em 1993, na Acta de 6 de Junho do mesmo ano, a propósito da reparação do forno comunitário da Portelinha.

Após esta data aparecem várias referências a outros fornos no âmbito das duas freguesias, sendo que a última data de 1 de Junho de 2013.

 

FORNOS COMUNITÁRIOS DE CASTRO LABOREIRO E LAMAS DE MOURO (MELGAÇO)

Diana de Carvalho

Município de Alter do Chão

Maio, 2015