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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O FORAL DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 12.11.22

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castelo melgaço 1913

0 FORAL DE MELGAÇO

Melgaço recebeu de Affonso I, em 1181, o foral de Ribadávia, terra da Galliza; e, segundo diz o documento, foram os próprios moradores de Melgaço que o pediram por entenderem que era bom. D. Sancho II, 1223-1245, converteu em mil soldos leonezes por anno as rendas que tinha na villa, e deixou o cardo do concelho apresentar ao rei um cavaleiro que lhe fizesse menagem do castello. O diploma foi confirmado por D. Affonso III em 1256.

Dois anos depois, em 1258, o soberano dá a Melgaço o foral de Monsão (typo de Salamanca), cuja data conhecida é todavia, como já observamos, de 1261; e estabelece, em especial, que haja na villa trezentos e cincoenta povoadores que pagarão anualmente á coroa, eles e todos os que lhes sucederem, trezentos e cincoenta morabitinos velhos, em tres prazos, por todos os direitos, foros e coimas que menciona a carta: o rico-homem, que governar o districto, póde entrar na villa, mas pagará á sua custa a despesa que fizer, e não aggravará por fórma alguma os habitantes: o alcaide do castello é posto pelo rei, e a elle prestará menagem, mas não se intrometterá na governança do concelho, salvo se os proprios moradores o convocarem.

A conversão, que se lê no documento de 1258, é em tudo igual á que registraram as actas das inquirições geraes d’esse anno, a respeito de Melgaço. Occorre, portanto, aqui um reparo. D. Affonso III mandou fazer as inquirições entre Cavado e Minho a 26 de abril de 1258; e o foral dado a Melgaço n’esse anno, está datado de Braga a 29 de abril. Ou havemos de entender que o depoimento dos jurados (e no inquerito de Melgaço intervieram muitos) se refere a um facto antigo, e n’este caso a conversão já existia quando se passou ao concelho a carta de 1258; ou, dando desconto ao tempo que os commisarios haviam de gastar nos inqueritos, desde que tinham sido incumbidos d’estas pesquizas em 26 de abril, devemos crer que a redução foi feita pelo foral, mas já era conhecida em Melgaço quando ahi estiveram os inquiridores. Sendo assim, este exemplo servirá de aviso para não considerarmos sempre como existentes de longa data os factos, que as actas das inquirições afirmam terem sido expostos pelos jurados, quando não constar que estes deram alguma indicação a respeito do tempo em que aconteceram.

Mas fosse ou não mais antiga a substituição dos encargos exarada no foral de 1258, o que sabemos é que elle era revogado antes de terem decorrido tres anos, em 9 de fevereiro de 1261, por se julgarem aggravados com a inovação os moradores do concello, sendo então restituídos ao seu estado anterior. Cada vizinho, diz o diploma, recupere e tenha todo o seu herdamento que tinha antes; o que nos mostra que a reforma, augmentando o numero dos foreiros, dava aos que accresciam alguma parte do predios dos antigos povoadores. A carta de 1181 é de novo confirmada, mantendo-se porém igualmente o pacto que fizera com o gremio el-rei D. Sancho II, e que já vimos ter sido retificado por D. Affonso III em 1256.

No documento, que vamos seguindo, as condições, ou atribuidas a esse pacto ou estabelecidas agora pelo soberano, são, além da conversão de todos os rendimentos fiscais em mil soldos leonezes: que o concelho terá e guardará o castello á sua custa, devendo apresentar um cavaleiro bom e fiel, portuguez e fidalgo, que faça menagem do castello ao rei: o morador do couto de Melgaço, que exportar vinho embarcando-o, pagará direitos á coroa: o rico-homem não entrará na villa e seu termo, nem no castello, contra vontade do concelho, salvo se for mandado do rei para defender a terra.

 

OS FORAIS DE MELGAÇO E RIBADÁVIA

melgaçodomonteàribeira, 25.03.17

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OS FORAIS ANTIGOS DE MELGAÇO, TERRA DE FRONTEIRA

 

(…)

 

Devem ter sido os burgueses de Allariz que manifestaram a Afonso VII a sua preferência pelo modelo sahaguntino, tal como os moradores de Ribadávia se interessarão pelo de Allariz e os de Melgaço pelo de Ribadávia. Convém não esquecer que Ribadávia e Melgaço se situam nas margens do rio Minho, a uma distância relativamente próxima, e estavam ligadas por um caminho que, estabelecidas as proporções, era mais frequentado nessa época do que nos tempos actuais. Ainda no tempo de D. Pedro I, em 1361, Melgaço é referida, numa carta régia, como uma das principais entradas de mercadorias vindas da Galiza no Reino de Portugal.

Sendo Melgaço uma povoação fronteiriça, foram sempre múltiplos os seus contactos com a Galiza, o que se traduziu em muitos aspectos da história local: Santa Maria da Porta, actual orago de Melgaço, evoca as grandes festas de Santa Maria do Portal, de Ribadávia, e São Facundo ou Fagundo, o santo que deu o nome a Sahagún, era o padroeiro de uma das igrejas medievais da nossa vila raiana. É natural que entre os povoadores de Melgaço se contassem agricultores e comerciantes provenientes de Ribadávia.

Entre os destinatários do foral outorgado a Melgaço, em Agosto de 1185, designados simplesmente como moradores ou vizinhos, distinguem-se os mercadores. Nada se pormenoriza sobre o estatuto social, mas supõe-se que é uniforme, fundamentalmente o mesmo dos «burgueses» ou habitantes das povoações noutros documentos designadas «burgos».

Propõe-se-lhes, como objectivos, que edifiquem e habitem na herdade que o Rei possuía no lugar de Melgaço, doando-lhes também a metade régia de Chaviães, na terra de Valadares.

Aparentemente, o foral nada tem a ver com o de Ribadávia, pois as matérias foram objecto de uma exposição e de uma redacção totalmente diferente, mas o mesmo não se dirá em relação aos conteúdos que são, em grande parte, semelhantes.

Fixa-se um imposto geral único, de 1 soldo, ou 12 dinheiros, a pagar por cada casa, como nos forais dos outros burgos portugueses e no de Ribadávia, a que se ajunta a taxa de dois soldos a pagar pelos carniceiros, que também se paga em Ribadávia. Os vizinhos de Melgaço são ainda obrigados a pagar 6 soldos, de colecta, uma vez por ano, no máximo, quando o rei se deslocar à sua vila, tributo que não sobrecarrega os burgueses de Ribadávia.

A tabela das portagens apresenta, naturalmente, várias coincidências e variantes. Com oscilações, nuns casos para mais e noutros para menos, e com variantes, a tabela das sisas e portagens aplicava-se aos mercadores vindos de fora, aos quais apenas era permitido vender a retalho no dia da feira – a segunda a que os documentos portugueses fazem referência. Refere-se expressamente que os moradores nada pagarão do pão e do vinho que colherem, dos panos e dos animais que venderem ou comprarem, assim como dos moinhos, fornos e almuinhas. Estas cláusulas, nos forais de Ribadávia e de Melgaço, explicam-se com a preocupação de corrigir disposições mais gravosas que se mantinham nos forais derivados de Sahagún, se bem que, em certos aspectos correspondem a outras que já encontramos nos forais de Guimarães e do Porto (isenção de taxas sobre as compras de reduzido valor, e especificamente sobre o pão), e por outro lado lembra-nos que, tendo Melgaço um foral idêntico ao de «burgos» mais ricos, se previa também a expressão do sector agrário, como aliás já acontecia no foral do Porto…..

 

 

António Matos Reis

Revista da Faculdade de Letras

 

http://ler.letras.up.pt