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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O CASAMENTO DOS MEUS BISAVÓS

melgaçodomonteàribeira, 30.04.22

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A 18/10/1876, nesta igreja paroquial de Santa Maria da Porta, concelho de Melgaço, arcebispado de Braga Primaz, na minha presença compareceram os nubentes Félix Igrejas e Conceição Costas, os quais sei serem os próprios, com todos os papéis do estilo, e sem impedimento algum, canónico ou civil, para o casamento. Ele de vinte e dois anos, solteiro, alfaiate, natural de Orense, na Galiza, onde foi baptizado, e exposto no hospício da mesma cidade, filho de pais incógnitos. E ela de vinte e quatro anos, solteira, lavradora, natural e baptizada na freguesia de Alveios, bispado de Tui, na Galiza, moradora no lugar de Carvalhiças, desta freguesia de Santa Maria da Porta, filha de José Costas e de Josefa, naturais da freguesia dita de Alveios, os quais nubentes se receberam por marido e mulher, e os uni em matrimónio, procedendo em todo este acto conforme o rito da Santa Madre Igreja Católica, Apostólica, Romana. Foram testemunhas presentes, que sei serem os própios, José Costas, casado, lavrador, e Caetano Celestino de Sousa, casado, mordomo da igreja, morador nesta freguesia de Santa Maria da Porta. E para constar mandei lavrar em duplicado este assento, que depois de lido e conferido perante os conjugês e testemunhas, comigo assinou só a segunda testemunha, e não os outros, por não saberem. Era ut supra.

O encomendado:

José Joaquim Pires

 

 

 

A CHEGADA DA PENICILINA A MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 29.06.19

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UM LUGAR ONDE NADA ACONTECIA…

III

O Amílcar da Lucrécia estava prestes a bater as botas. O José Esteves (Zeca da Cabana) tanto insistiu com o médico que este, talvez nem tanto para salvar o moribundo, mais para testar a eficiência do novo medicamento de que se contavam maravilhas e ele só conhecia da literatura especializada que os laboratórios lhe enviavam, resolveu aceder.

Era isso! O amigo Zeca da Cabana mexera-lhe com os brios quando lhe evocou a penicilina. Telefonou, o médico, para o Delegado de Saúde Distrital em Viana do Castelo dando detalhes do caso, este telefonou para Lisboa e vinte e quatro horas depois a penicilina chegava a Melgaço pelo correio.

A expectativa era geral na localidade e arredores. A notícia de que naquela terra de “Deus me livre” de Portugal ia ser usada a tal penicilina, causou grande furor. O doutor Esteves pernoitou ao lado da cama do Amílcar, injectando-lhe de hora em hora o milagroso pó branco diluído no veículo especial que acompanhava. A reacção foi positiva e pela manhã foi considerado fora de perigo.

O júbilo foi grande e o povo da terra sentiu-se importante por estar participando do progresso da ciência. Uma maravilha, a penicilina ia salvar a vida de todos os enfermos, diziam. O médico ficou orgulhoso e já achava que valera a pena salvar o rapaz.

Manuel Igrejas

 (continua)

HISTÓRIAS DA MINHA BISAVÓ

melgaçodomonteàribeira, 30.04.16

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 o carvalho; à esquerda a minha vinha

 

O ANTIGAMENTE

 

- Ó Emiliano, bota aí na caderneta; a Joaquina Loureiro levou meio alqueire, a tia Rendeira também levou meio alqueire, a Silvéria entregou dois alqueires. A Chica Pega pagou o milho que levou na semana passada e a Ana Serafina acertou a conta do outro mês. O Emiliano, oitavo dos dez filhos que vingaram (em família dizia-se que tivera dezoito), paciente, destrinçava aquele emaranhado de informações no competente livro, um caderno de capa dura, onde, na etiquete, o João do Gabriel que tinha bonita caligrafia e era íntimo frequentador da casa do Emiliano, escrevera: VALA-COMUM!

Era assim a contabilidade da tia Conceição do Félix, do seu entreposto do milho. Era analfabeta mas inteligente como a maioria do povo de Melgaço no século XIX. À noite, na volta do trabalho, após tomar a ceia em sua casa no largo do Carvalho, ia à vivenda do filho, ali perto, na avenida, onde dava conta das transacções que fizera durante o dia sem esquecer detalhe, não obstante sua idade avançada. Depois que enviuvou, no início da segunda década do século XX, para se manter, ajudar os filhos, os netos, os filhos dos netos e outros aparentados, e eram muitos, meteu-se a negociar com milho. Alugou por valor simbólico (naquele tempo pouco povoada a Vila, havia lojas e casas devolutas) aquela casa na rua do Rio do Porto, esquina da estrada nacional na Loja Nova, onde muito mais tarde foi a oficina da alfaiataria do Rabioso. Comprava e revendia milho. Nem todas as famílias colhiam milho (na Vila ninguém) mas todas as pessoas consumiam o pão feito com aquele cereal.

A broa de milho era o principal alimento da população, ou o único entre indigentes. A Conceição, que desde sempre estivera envolvida com milho e farinha, teve facilidade em tornar conhecido o seu negócio e foi um benefício para o povo lhe facilitando a aquisição daquele alimento. E a forma de negociar era a mais usual entre a maioria das famílias daqueles tempos: a confiança! Em contabilidade passaram a denominar a venda a crédito e na actualidade sujeita a juros.

As pessoas compravam o milho na tia Conceição para pagar quando recebessem pelos seus afazeres, ou recebiam o ordenado, caso fossem empregadas. Mas quem vendia para o entreposto recebia na hora. Quem vendia eram os lavradores que o colhiam, e vendiam na quantidade do dinheiro que precisavam para outros produtos.

Para satisfazer as compras, como não tinha capital algum, a Conceição valia-se da Loja Nova. Era o estabelecimento mais conceituado na época com agência bancária. A D. Ludovina, esposa do António Joaquim Esteves, o dono, dito António da Loja Nova, amiga de longa data da Conceição, era quem intermediava o negócio, dinheiro que a Conceição devolvia à medida que recebia dos seus compradores. E também neste caso, eu acho que não havia juros.

Durante longa data, a forma de negociar em Melgaço era aquele, na base da confiança.

Nos anos trinta, garoto ainda, observei essa prática. As famílias eram freguesas exclusivas de determinada loja que lhes vendia tudo pela caderneta. – Sr. Hilário, a minha mãe pediu um quartilho de azeite. Ou, um quarto de quilo de arroz e toda a espécie de mercearia. E a cada compra que o freguês fazia ou mandava alguém de casa fazer, acompanhava-se da caderneta onde o comerciante anotava a compra com o valor. Talvez fizesse anotações idênticas em caderno da loja, ou nem isso, pois, alguns pequenos comerciantes faliram, por não saberem, ao fim de muito tempo, quem lhes devia. Dificilmente o comerciante ia bater à porta do devedor, mesmo quando este demorava a pagar. Lamentavelmente à medida que as gerações se iam instruindo, ia diminuindo a honestidade.

Um pequeno comerciante, no final dos anos trinta, dos poucos que ainda vendiam a crédito, certo dia fez uma relação de quem muito lhe devia. Fez bilhetes dirigidos aos devedores e pediu ao filho que os fosse entregar a cada um. Quando o garoto saiu, fechou a porta do estabelecimento e envenenou-se. O Sabino morreu dias depois em agonia. Foi o primeiro e acho que único suicídio que tomei conhecimento na Vila de Melgaço.

Quando lá atrás evoquei o comerciante Sr. Hilário, podia dizer: António Fernandes, Antenor, Zé Pereira, Zé Pequeno, Aurélio, Sabino, Carneira e Loja Nova, principais mercearias de então.

Mas voltando à minha avó Conceição do Félix, que era uma mulher vigorosa, habituada a trabalhar duro desde criança, achava que todas as mulheres da família, sob sua responsabilidade, deviam ser bastante activas, admoestando-as por tudo e por nada. Todos os dias, logo ao romper da aurora, ao abrir a porta, voltando da rua, gritava: - “Vagabundas, calaceiras, catrefa de mandrionas ainda na cama a estas horas. Já fui à Loja Nova arrumar o milho e vós a dormir”. Este rol de desaforos era mais destinado às noras que propriamente às filhas.

Os homens da casa, quando casavam, enquanto não arrumavam suas vidas e arranjavam casa própria, ficavam agregados à casa da mãe. A Aninha, esposa do Emiliano, filha única, criada com muitas regalias, que lhe permitia o ordenado do pai, guarda-fiscal, arreliava-se com os sermões da Conceição. Desconfiada, matreiramente, um dia levantou-se ainda era noite e ficou escondida para verificar o procedimento da matriarca. Então: deu o flagrante. A sogra, sorrateiramente, abria a porta da rua e saía, na mesma hora abria a porta com estardalhaço e aquela ladainha de admoestação, como voltando já de trabalhar. Dando de cara com a Aninha e percebendo que lhe descobrira a marosca, ficou sem graça e perdeu toda a autoridade com aquela nora.

Nas conversas de recordações na casa do Emiliano contou que para alimentar o rol de dependentes era obrigada a usar de subterfúgios. Não raro, mesmo negociando com milho, o pão em casa acabava antes do que era esperado. Então, quando faltava pão para alguma refeição, combinava com a filha que mais a ajudava e reclamava: - “Ó Amália, raio de rapariga, esqueceste-te de pôr o pão na mesa”. Lá da cozinha a filha respondia: - “Já vai, tenho de fazer tudo, estou ocupada”! E nada de levar o pão que ninguém reclamava. E confessou: se dissesse que não havia pão, todos iriam reclamar!

 

Rio, Outubro de 2012

                 Manuel Igrejas

Publicado em A Voz de Melgaço, 11/10/2013

 

UM BRASILEIRO EMPREENDEDOR

melgaçodomonteàribeira, 17.10.15

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CÍCERO ALVES SOLHEIRO

 

Nasceu a 30 de Dezembro de 1878 e faleceu no Porto na freguesia da Vitória a 28 de Setembro de 1934 no estado de casado com D. Maria Angelina Augusta nascida a 21 de Janeiro de 1911, solteira, natural de Picota, freguesia de Rouças e neta materna de Maria Teresa de Alves.

Emigrou para o Brasil e seguiu a vida comercial na cidade de Belem, sendo aí sócio da firma J. Marques&Cª na qual foi admitido no ano de 1902.

Foi homem de iniciativa e a ele se deve a carreira diária de Autoviação Berliet afora outro material. A sua lotação era de vinte lugares.

Também a suas expensas se ergueu no Peso, Paderne, um cinema espaçoso e bem montado.

 

O MEU LIVRO DAS GERAÇÕES MELGACENSES

Volume II

Edição da Nora do Autor

Melgaço

p. 206

 

tia, quantas vezes soquei as teclas do piano em Prado para onde tu fugias do barulho dos aquistas do Peso.

tia, as horas que eu ficava parado a olhar as figuras no piano no Peso, as vezes que me repreendeste porque os bombos e os timbalos estavam ligados às teclas.

tia, quantas vezes me deste uma nota de vinte para eu ir aos bailaricos do Luís, o teu beijo na testa e a recomendação para que tudo corresse bem!

estou a escrever sobre o teu Cícero que eu nunca conheci,

estou a escrever-te num adeus

um beijo tia Angelina

 

Ilídio

 

QUANDO O BISAVÔ NÃO É FAMÍLIA

melgaçodomonteàribeira, 04.03.13

 

 

Pois, só conheci meu avô, Frederico Augusto Esteves, funileiro de profissão e clarinete na Banda de Musica de Melgaço, filho não reconhecido de:

Santos Lima. Frederico Augusto, nascido em 22.1.1861 e faleceu em 10.2.1928

Teve comércio onde hoje se situa a Farmácia Durães em Melgaço.

Foi provedor da Misericórdia de 1900 a 1927.

Juiz substituto de 1900 a 1910.

Agreciado pelo governo espanhol com a comenda de Isabel Católica em 8.1.1895 por ter sido vice-consul da Espanha em Melgaço.

Em 2 de Setembro de 1884 concedido o exequatur á nomeação de Frederico Augusto dos Santos Lima para vice-consul da Turquia em Melgaço.

E a minha avó Amália também conheci.

Do outro lado Amália, filha de Félix Igrejas, um dos pinantes de Santa Cristina.

Nascido por volta de 185?/6? fruto de aristocratas amores proibidos, mamou e creceu na roda em Ourense. A bolsa recheada e a  profissão de alfaiate mais as aventuras galegas que lhe deram a alcunha devolveram-no a Melgaço, afinal onde foi feito e parido.

Amália, foi uma dos 18 paridos pela galega Conceição Costa, nem todos nados e criados. Comerciante de frutas e legumes na Praça da Republica, contrabandeava pão de trigo e vendia banana acabada de trazer pela neta do Canada. A malga, com o indicador curvo como bico de rapina a apalpar o tinto, o amor pelo neto do filho mais novo, o malhão ao fim da tarde!

Deles não falo porque para tal não fui autorizado.

De mim não falo porque para tal não fui autorizado.

Dos outros falo porque não fui autorizado.