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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, EMIGRAÇÃO CLANDESTINA

melgaçodomonteàribeira, 27.04.24

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    ti esperança  passadora de parada do monte

 

MEMÓRIA DO CONTRABANDO E EMIGRAÇÃO CLANDESTINA EM MELGAÇO:

PATRIMONIALIZAÇÃO E MUSEALIZAÇÃO

Lídia Aguiar

CIIIC-ISCET

EMIGRAÇÃO

O emigrante visava fundamentalmente um emprego, com contrato e salário certo. Surgiu, na falta de recursos vindos da exploração do volfrâmio, o segundo grande surto migratório, desta vez dirigido primordialmente a França. Este país em reconstrução após a II Guerra Mundial necessitava de muita mão-de-obra. Os franceses procuravam os trabalhos menos duros e com horários reduzidos e bem remunerados. Abriu-se, assim, uma nova oportunidade para os portugueses.

E o patrão francês rejubilava com este homem do sul da Europa, este homem bom e robusto, insensível à fadiga, sem exigências que trabalhava das sete da manhã às onze da noite…” (Rocha 1965 pp 75 cit in Castro & Marques, 2003).

Segundo o sociólogo Albertino Gonçalves, o grande surto de melgacenses para França começou a verificar-se nos finais da década de 50, início de 60. A larga maioria partiu de forma ilegal tornando-se impossível obter dados concretos, pela falta de registos, pelas mortes frequentes durante a viagem. De muitos, nunca mais se obteve qualquer notícia.

A emigração clandestina teve na sua origem praticamente a impossibilidade de obtenção de passaporte. Este era obtido através da respetiva Câmara Municipal, desde que cumpridas várias condições, tais como: ter trabalho assegurado no país de destino; situação militar regularizada; garantia da subsistência da família a cargo que ficava em Portugal. Além disso, os processos tornavam-se muito demorados. Deste modo, o candidato a emigrante preferia a clandestinidade.

Estes homens, alcançado o destino, conseguiam o visto de trabalho, mas durante longos anos, não mais podiam regressar à sua terra natal, pois incorriam a uma pena de cadeia de dois anos (Pereira, 2014).

Neste contexto, a decisão de partir não era fácil, mas o sonho de uma vida melhor se sobrepôs. Foram maioritariamente os homens que se lançaram nesta viagem, longa e dura, já que devido a um acordo que existia entre Portugal e Espanha, só se encontravam a salvo quando alcançavam terras de França. Surgiu, assim, uma nova personagem, maioritariamente mulheres, que tomou o nome de “passador”. Criaram verdadeiras redes que conduziram os emigrantes até ao seu local de destino (Silva, 2011).

“Comecei a levar homens para França. Iam de camionete ou de carro. Demoravam entre 5 a 7 dias a lá chegar. Muitos foram presos e eu também fui porque era um grande crime ser passador. Mas os homens precisavam de ir ganhar a vida e eu precisava muito do dinheiro. Eles pagavam 7 contos que era dividido por mim pelo passador Espanhol e pelo Francês. O melhor sítio para os passar era aqui o rio Trancoso. Amarrava uma corda por baixo dos braços, puxava-se e chegavam ao lado da Espanha sequinhos e limpinhos. Entregava-os ao Espanhol junto com o dinheiro dele e do Francês. Andei uns bons anos nisso”. Requelinda Augusta Pereira – Cevide 13-11-2013

Ultrapassar a fronteira nos Pirenéus era o momento mais temido. Tornava-se necessário faze-lo a pé, pois a vigilância era muito apertada. Na bagagem, pouco seguia, indispensável um bom vinho para o futuro patrão e uma morada de familiar ou amigo que já residisse ou trabalhasse em França.

“Os emigrantes chegavam com as suas malas atadas com cordéis, as suas sacas, os seus embrulhos, traziam as máquinas a petróleo para cozinhar, vinho do Porto para oferecer ao patrão ou amigos franceses”. (Rocha, 1965 p. 88)

Este movimento migratório, fundamentado em razões económicas, move classes que vão desempenhar trabalhos desqualificados. Enfrentam trabalhos árduos e por vezes com pouca segurança, habitações precárias (caso dos bidonvilles em Paris), mas os autos salários que auferem, comparativamente ao que poderiam obter em Portugal, permitem-lhes concretizar os seus anseios (Baganha, 2000).

O facto de viverem em comunidade ajuda-os a suportar a distância, a dureza do trabalho e a longa separação da família.

A emigração foi também encarada como uma forma de ascensão social. Em breve começaram a chegar as primeiras remessas de dinheiro dos emigrantes para as suas famílias (Castro & Marques, 2003).

“Semanas depois recebia a mulher uma encomenda, um pequeno transístor que ela olhava embevecida e fascinada. Depois (…) perante a surpresa dos vizinhos, atónitos, ela encaminhou-se para o banco e levantava alguns contos de réis” (Rocha, 1965 p.18)

Um dos principais objetivos era a construção de uma casa, que tanto irá alterar a paisagem do concelho. Esta casa “afrancesada” é hoje, no entanto, um símbolo do fenómeno emigratório para França, em Melgaço, como o são os antigos palacetes “abrasileirados”.

Os Melgacenses enviando remessas avultadas, têm contribuído para o desenvolvimento económico da sua terra. Segundo Rocha (1965) o envio de quantias consideráveis de dinheiro promoveram o consumo e criaram novos vínculos entre emigrantes e residentes.

Se é certo que foi a emigração a grande alavanca da mobilidade social e económica do concelho de Melgaço, para a história ficarão sempre vincados o contrabando e a exploração do volfrâmio como os primeiros motores geradores de expectativas e ilusões em alcançar novos padrões de vida (Castro & Marques, 2003).

REVISTA CIENTÍFICA DO ISCET

PERCURSOS & IDEIAS

Nº 7 – 2ª SÉRIE 2016

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rota do contrabando e emigração clandestina

 

 

MELGAÇO, ENTREVISTA A UM EMIGRANTE

melgaçodomonteàribeira, 30.03.24

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estacionamento em agosto na vila  anos 1980

ENTREVISTA

 

Nome: Entrevistada número 2

Idade: 29 anos

Género: Feminino

Profissão: Licenciada em Direito

País de Acolhimento: França

 

Inv: Porquê é que emigrou?

Id: Os meus pais ‘tão em França, e, eu nasci lá, sou francesa e portuguesa ao mesmo tempo. Felizmente, os dois países deixam haver dupla nacionalidade.

Inv: A situação política portuguesa, nomeadamente, a guerra colonial pesaram na sua decisão?

Id: Não sei, para os meus pais…, isso é do tempo deles. Mas, como ‘tão sempre a dizer mal de Portugal, é bem possível.

Inv: E o regime fascista do Estado Novo?

Id: Devias ter escolhido uma pessoa mais velha para fazer a entrevista.

Inv: Porque não se dirigiu para as antigas colónias portuguesas?

Id: Olha, nos dias de hoje, não seria má ideia. Quando entramos nas perguntas do picanço?

Inv: É rápido, não te preocupes.

Inv: Como imaginava a sociedade de acolhimento, antes de emigrar?

Id: Pois, essa só se for Portugal, eu, a bem dizer emigrei para Portugal. Sou francesa e passava mais tempo na França. É normal que sinta isso. Sou advogada e não posso exercer cá, se não fossem os meus pais a trabalharem ‘tava tramada, mas quero ficar cá, em Portugal, tenho que fazer o exame na Ordem. De Portugal conhecia Melgaço, era a imagem que tinha. Há dois meses ‘tive em Lisboa, no Algarve e no Alentejo, é muito bonito.

Inv: Conhece algumas artimanhas usadas pelos emigrantes para dar “o salto”?

Id: Em França? Nem sim nem não. Não tenho nada contra a França. Na faculdade, como sou loira e alta, quando dizia que era portuguesa não acreditavam. Na minha faculdade, que eu saiba, era a única portuguesa. Na França não se liga tanto como cá de onde vimos, há muita mistura. Os portugueses, em França, portando-se bem, não são notados. O problema deles é que se portam sempre bem. E os outros, os árabes, os asiáticos ficam com os direitos todos, passam-lhes a perna. Nem com a União Europeia se notou diferença, falam em direitos, mas não os dão. Quem gosta dos portugueses é o Le Pen. Esse é um hipócrita. Há uns anos chamou os portugueses de porcos, incluindo o presidente de Portugal e, nas eleições, precisa dos portugueses. Os emigrantes não sabem lutar pelos seus direitos.

Inv: Alguma vez se sentiu descriminada no país de acolhimento?

Id: São os mais velhos que falam disso, mas só falam disso nas férias, em França não falam, sentem vergonha. E, em Portugal, quase se gabam.

Inv: A sua integração no país de acolhimento foi difícil ou fácil? Poderia descrever algumas peripécias?

Id: Nasci lá, nunca senti nada disso, acho que os muçulmanos são descriminados. Na França, é proibido enviar currículos com o nome e fotografia porque eles não são empregados. Os portugueses não são descriminados, acho que são consentidos, se se portarem bem. Mas, há problemas com os portugueses, há portugueses a viverem muito mal. Mas, a isso ninguém liga, nem cá nem lá, desde que trabalhem e se considerem franceses, tudo bem.

Inv: São conhecidas as disputas (picanços) entre emigrantes e residentes, por exemplo, durante as férias, era realizado um jogo de futebol entre emigrantes e portugueses, qual nem sempre acabava da forma disciplinar mais correcta. Poderia descrever outras formas de “picanço”?

Id: Isso ainda existe, nas discotecas. Em Monção na (nome da discoteca) há sempre problemas, aqui, não há discotecas.

Inv: Como explica esse comportamento, por parte dos residentes? Ou seja, na sua opinião, qual seria a razão dos residentes” picarem” os emigrantes?

Id: Só os parvos é que picam os emigrantes. Às vezes, mandam uma boca, mas isso é tudo. Só os parvos é que vão mais longe.

Inv: Sendo portuguesa, alguma vez se sentiu descriminada ou mal tratada, em Portugal, pelo facto de ser emigrante?

Id: Só nas bocas, o resto, evito os sítios com essas pessoas parvas.

Inv: Durante as férias, quando o número de emigrantes era superior ao de residentes, os emigrantes e residentes frequentavam locais públicos diferentes. Na sua opinião, qual era a razão para tal comportamento?

Id: É o que acontece nas discotecas com os mais novos. Talvez porque só falam francês. É muito fácil assim.

Inv: Como explica o facto dos residentes, durante as férias, se reunirem somente entre eles?

Id: É a mesma coisa, mas ao contrário, quando era mais nova, nas discotecas, os rapazes de cá, vinham falar connosco e os rapazes emigrantes tinham ciúmes, na altura, até era giro, mas é realmente uma estupidez.

Inv: Em espaços públicos, por exemplo, num café, alguma vez foi “olhada de lado” pelos residentes não emigrantes?

Id: Pois, é… é bem assim. Explico: porque os portugueses nunca se juntaram, não têm força.

Inv: Como pode explicar esta afirmação normal entre os emigrantes: “Em França somos portugueses, em Portugal somos franceses”?

Id: Claro, sou francesa, mas é cá que me sinto melhor. Na França, as pessoas são mais isoladas, aqui, é mais fácil conhecer as pessoas, fazer confiança com elas. Foi por isso que, eu, vim para Portugal.

Inv: Acha que adquiriu formas de estar, de viver, do país de acolhimento? Quais?

Id: Em algumas coisas sim, noutras não. A sociedade francesa é mais fria, não querer saber das pessoas.

Inv: Acha que os residentes teriam a ganhar se adoptassem também essas práticas?

Id: Antigamente, reparava que, às vezes, não gostamos dos emigrantes e não ligava a isso. Mas, como ‘tou cá, às vezes, vejo que alguns emigrantes, realmente, não são normais.

Inv: Acha que os residentes tinham razão quando diziam que os emigrantes eram todos uns convencidos e uns arrogantes?

Id: E…

Inv: Como explica o facto de que Portugal, sendo o país dos descobrimentos espalhados pelos cinco continentes, “obriga-se” os portugueses a passarem pelas dificuldades de quem emigrava?

Id: É a história, nós somos emigrantes.

(Fecho da entrevista)

OS EFEITOS DO VAIVÉM DA EMIGRAÇÃO CONTINENTAL:

UM ESTUDO DE CASO EM MELGAÇO

Joaquim Filipe Peres de Castro

Universidade Fernando Pessoa

Faculdade de Ciências Humanas e Sociais

Porto, 2008

SOMOS TODOS MELGACENSES

melgaçodomonteàribeira, 30.12.22

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RESIDENTES E EMIGRANTES EM MELGAÇO

 

No que diz respeito a Melgaço, o maldizer, o “cortar na casaca”, constatado por A. Gonçalves (1996), era arremetido pelos residentes, sendo que até os emigrantes contavam anedotas de si próprios, embora as remetessem para os “maus emigrantes”, despersonalizando a questão. Nos grupos sociais estudados por A. Gonçalves (1996), os mais cáusticos eram os diplomados. Em Melgaço, portanto, tratava-se de restituir a ordem social simbólica, uma vez que os emigrantes tinham ascendido socialmente, introduzindo elementos culturais distintos e distintivos. Contudo, era-lhes negado o novo estatuto social, a sua ascenção assentava no capital económico e não no cultural, o qual é, segundo Bourdieu (1997), o detentor da “tradição”.

Uma outra forma de discriminação directamente relacionada com o maldizer será o distanciamento espacial e relacional. Em Melgaço, esta foi uma das principais consternações observadas por A. Gonçalves (1996), uma vez que os grupos ocupavam espaços diferentes. Na obra de Elias e Scotson (1994), o fenómeno da separação comunitária era acutilante. Em Melgaço, ao contrário do estudo de Elias e de Scotson (1994), é nos espaços públicos que o conflito agonístico aflora: … é num outro enquadramento, o da vila e das festas de Verão, que eles são preferencialmente atacados”. (Wateau, 2000, p. 194). Em Melgaço, a separação espacial parece apenas operar em alguns locais públicos, até porque a emigração é transversal à maioria dos núcleos familiares. Como se terá oportunidade de contatar, ao contrário da localidade estudada por Elias e Sctson (1994), não se assiste a uma segregação espacial entre os grupos, até porque o povoamento, aqui, é disperso. Em Melgaço, não existem, pois, áreas naturais, no sentido de: “… espaços homogéneos, não planificados, cuja ocupação natural deriva da diferença entre os grupos sociais.” (Maia, 2003, p. 47). Ora, os indivíduos podem pertencer a diferentes grupos, os quais se interligam e se interpenetram. Ainda no registo espacial, segundo Wateau (2000), apesar do verão ser uma época seca, será o factor relacional que faz emergir os conflitos agonísticos resultantes da partilha da água de rega, uma vez que é nesta estação que as pessoas se juntam para discutir a posse da água e que também regressam os emigrantes, ou seja, que as trocas relacionais se intensificam. É, pois, o período propício para a redefinição das disposições sociais, até porque os emigrantes regressam para cuidarem dos seus interesses. De acordo com Hall (1986), o excesso de população é correlativo ao aumento dos comportamentos agressivos por parte dos animais e dos seres humanos. Hall (1986) distingue quatro tipos de distâncias interpessoais: a íntima, a pessoal, a social e a pública. No que diz respeito à emigração, para além do aumento periódico da população, os emigrantes reencontram-se festivamente em situação de férias com os amigos, com a família, o que propiciava o desvio comportamental comparativamente ao resto dos melgacenses.

Por último, a questão do maldizer constatado por A. Gonçalves (1996) e por Wateau (2000), em Melgaço, remeteu a análise da problemática  para a inveja, A inveja emerge como a forma fundamental do conflito social se manifestar: “Para explicar a existência do conflito que os rodeia, assim como de outros tipos de infortúnios, os minhotos recorrem frequentemente ao conceito de inveja.” (Pina-Cabral, 1989, p. 202). Ora, sendo parte constitutiva da sociedade melgacense e do Alto-Minho, não poderia ser apontada como um elemento diferenciador entre residentes e emigrantes. A inveja, tal como o maldizer, é, aqui, encarada como uma forma de agressividade se manifestar de modo agonística, isto é, atenuada, permitindo não romper os laços relacionais, as interdependências sociais, tentando conservar as relações (de poder) entre os intervenientes. Neste sentido, a função da inveja será a destruir o dinamismo social do outro, visando que o outro se transforme de novo num igual e não em alguém afigurado como um rival (Pina-Cabral, 1989). Em qualquer caso, a inveja parece remeter, de imediato, para a mobilidade social ascendente e a ostentação subjacente, assim como para a aculturação dos emigrantes, ou seja, para a parte visível desta: o uso da língua estrangeira, a casa, o carro e o modo de estar.

 

 

OS EFEITOS DO VAIVÉM DA EMIGRAÇÃO CONTINENTAL:

UM ESTUDO DE CASO EM MELGAÇO

 

Joaquim Filipe Peres de Castro

 

Universidade Fernando Pessoa

Faculdade de Ciências Humanas e Sociais

Porto, 2008

 

Dissertação (…) para obtenção do grau de Mestre em

Psicologia da Saúde e Intervenção Comunitária

 

MELGAÇO, COLONIZADORES EM 1700 - 1800

melgaçodomonteàribeira, 27.06.20

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OS PRIMEIROS COLONIZADORES PORTUGUESES NO CEARÁ 1700 - 1800

 

Aqueles que se aventuraram na empresa do Ceará eram ao mesmo tempo conquistadores, povoadores e colonizadores. Alguns, aventureiros apenas, mas, a maior parte, indivíduos com uma meta, uma vontade de engrandecer a pátria portuguesa e reviver os heroísmos dos primeiros penetradores do solo brasileiro. Carregavam no sangue a herança dos velhos troncos avoengos, a par de uma fé ardente, tanto no fervor da prática religiosa como na crença de que estavam dando um testemunho de tenacidade e firmeza.

 

ALVES, António Manuel

Nasceu em Melgaço

Casou em Sobral, 1758

Entrelaçou com a família de Pires Chaves

 

MELGAÇO, José Rodrigues

Nasceu em Melgaço

Casou em Amontada

Fixou-se em Uruburetama

Entrelaçou com a família de Pereira de Azevedo

 

PONTES, Gregório Alves

Nasceu em Melgaço

Casou em segundas núpcias em Fortaleza, 1775

Entrelaçou de primeiras núpcias com a família Pires

 

 

Retirado de:

 

OS PRIMEIROS COLONIZADORES PORTUGUESES NO CEARÁ 1700 – 1800

 

http://www.angelfire.com/linux/genealogiacearense/index_povoadores.html

 

 

ENTREVISTA A UM EX-EMIGRANTE DA VILA DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 26.10.13

 

Estacionamento na Avenida da Vila em Agosto



OS EFEITOS DO VAIVÉM DA EMIGRAÇÃO CONTINENTAL:

UM ESTUDO DE CASO EM MELGAÇO

 

Joaquim Filipe Peres de Castro

Universidade Fernando Pessoa

Faculdade de Ciências Humanas e Sociais

Porto, 2008

 

O objecto de estudo é a emigração melgacense desde meados do século XX e as diferenças socioculturais entre os melgacenses com experiências emigratórias e os residentes, as quais resultam num conflito agonístico entre ambos os grupos. (…)

 

ENTREVISTA

 

Nome: (…) António (…)

Idade: 63 anos

Género: Masculino

Profissão: Reformado

País (s) de acolhimento: Bélgica, Espanha

 

Inv.: Emigrou para onde?

A: Em 1966 fui para Bruxelas. ‘tive na Bélgica, Barcelona e, nos últimos dez anos, em Paris. Quer que lhe mostre um guia de Barcelona?

Inv: Sim, sim. É, de facto, a melhor cidade para viver…

Inv: Que idade é que tem?

A: 63

(mostra um guia da cidade de Barcelona)

Inv: Emigrou porquê?

A: A vida, aqui, continuava igual, fui para a tropa em Janeiro de 63, fui para a Guiné. Três anos, vinte e cinco meses, depois, vim para cá. E isto ainda continuava na mesma, o Salazar ainda ‘tava no posto dele. E ‘tive uma oportunidade de ir para a Bélgica. E aproveitei. Fui para lá.

Inv: E a guerra colonial não o influenciou em nada, até porque esteve lá?

A: ‘Tive na Guiné vinte e cinco meses, em 63 e foi o pior. A guerra ‘tava no auge.

Inv: E o regime fascista também o influenciou a emigrar?

A: Ah, também, aqui, no concelho de Melgaço não tinham muita força, não havia muita PIDE. Eu, não sofri. Mas, moralmente, foi uma das coisas que também. Se o golpe de Estado tivesse sido, logo, que eu vim da Guiné nunca tinha saído do meu país. Eu, nunca tive intenções de sair do meu país, a prova disso é que fui à tropa. E tive 37 meses de tropa. Mas, depois de vir, vi que isto continuava igual. E disse: “isto, aqui, não, continuava tudo igual.”

Inv: E porque não foi para as ex-colónias?

A: ‘Tava farto, de colónias ‘tava eu farto, aqui, foi tremendo, as condições em que se vivia eram tremendas. Então, houve uma oportunidade por intermédio do meu padrinho, o João do Hilário, eu, eu trabalhava na agência. Tive um ano sabático, de 65 a 66, tinha lá um grande amigo que tenho ainda, ainda ‘tá lá, em Bruxelas, na Grand Place, em Bruxelas.

Inv: E como imaginava a Bélgica?

A: A primeira vez que cheguei lá, não tinha nem ideia, era outro mundo, falando socialmente, democraticamente…

Inv: A língua?

A: A língua era mais o francês, flamengo também aprendi algumas palavras, para poder trabalhar. Depois, aprendi a falar francês, trabalhava no grande restaurante, lindíssimo, D. Manuel, em Bruxelas, depois inscrevi-me num curso, um ano e tal, para poder trabalhar na Hotelaria. Lá aprendi a trabalhar, lá eram todos profissionais. Havia, havia dois chefes de sala…

Inv: E nunca foi discriminado?

A: Não, nunca, em nenhum sitio.

Inv: E a integração no trabalho foi difícil, foi fácil?

A: Não, porque eu fui para pessoal amigo, tratavam-me como se fosse uma pessoa da casa, um familiar. E colegas, havia espanhóis, belgas, italianos, marroquinos, aquilo era uma babel. E, então, nunca me senti descriminado. Em Barcelona ainda menos. Em Paris não, não. ‘Tive a trabalhar numa grande empresa, na Alcatel, dez anos, de 86 até há quatro anos porque me propuseram a pré-reforma.

Inv: E, aqui, nunca foi descriminado por ser emigrante?

A: A mim não, nunca ninguém se atreveu, mas, eu, ouvia cá essas histórias. Isso é uma estupidez. Emigrantes há, em todo o lado.

Inv: E por que é que acha que os daqui picavam os emigrantes?

A: Há várias explicações. Duas ou três explicações. Em primeiro, quando saímos daqui não tinham…

Inv: Até porque os residentes e os emigrantes separavam-se, havia um café dos emigrantes ou que era frequentado quase só por residentes.

A: Sim, havia. Mas, eu, não, eu, tinha aqui amigos. Oh, Joaquim, essa gente, em primeiro, o dinheiro subiu-lhes à cabeça, vinham para aqui nos anos 60, vinham para os cafés, aqui, nunca tinham tido isto, foram para França e o dinheiro a entrar em força, claro, trabalhavam como negros, em condições infra humanas eu, fui visitar o famoso bidonville de Champigny com o meu primo, Zé Pessoa. Eu, tinha férias e fomos a Paris, íamos visitar os amigos de cá, e aquilo era… barracas e contentores, alguns eram mesmo no chantier, em condições infra humanas mesmo. Aqui, começaram a ter uma certa rejeição, uma certa crítica, nem todos faziam isso, mas muitos vinham com os bolsos cheios de dinheiro, não serviam a cerveja a copo nem nada, era logo muitas garrafas de cerveja: “ponha aqui”. Era aquela prepotência que, eu, e amigos meus, nunca fomos assim.

Inv: Eram mais os do monte?

A: Sim, essa malta nova, os daqui também faziam isso, mas era menos, à parte de um ou outro que saía fora da norma. E a aversão talvez venha um pouco daí. Aquelas críticas, era um pouco isso. Depois, era o nível cultural. Eu, dizia, nem todos fazem assim, aqueles que tem esse comportamento, põe-se de parte e acabou. És tu que escolhes os teus amigos e as tuas relações.

Inv: Mas, havia isso…

A: Havia, havia uma certa rejeição, mas era mais por isso, alguns, uma quantidade deles, vá, vinham com aquela prepotência, traziam uma quantidade de dinheiro. O dinheiro que muitas vezes é um problema. Eu, uma vez ou duas ‘tive que meter os pontos nos is a um ou dois. E foi um nunca mais. Não ‘tive problemas nenhuns. Via que, eu, não era, não tinham nada a dizer. Digo as coisas, na medida do possível, o mais correctamente possível e nunca aconteceu nada.

Inv: E nunca sentiu, aquela coisa da ambiguidade: em França, somos portugueses e,  aqui, somos franceses.

A: Não, nunca senti, Portugal era a minha terra, ia a Lisboa, ao Porto, ouvia certos comentários, mas, prontos, eram só comentários.

Inv: Mas, acha, que os daqui tinham razões para dizer que todos os emigrantes eram uns convencidos e arrogantes?

A: Alguns sim, algumas coisas sim, justificavam-se porque eles… Essas pessoas fazerem essas coisas, eu, culpo um pouco a ignorância e a falta de escolaridade dessas pessoas. A maioria é tudo analfabetos, eu, e muitos amigos de cá só tínhamos a 4ª classe. Eu, fiz o curso de noite na escola comercial do Porto, não acabei, não tirei o diploma, pois, fui para a tropa. Aqui, andei na escola de agricultura com o… Uma das razões que tinham essas pessoas, eu, não diria ódio, ódio é uma palavra muito forte, mas aquela aversão, inveja?, alguns também seria por inveja. Mas, os daqui da vila, com a 4ª classe, não pudemos ir estudar para baixo, pagar um quarto, os estudos nessa época eram muito caros. Hoje, é diferente, eu, tenho três filhos e ‘tão todos licenciados, o meu filho é economista, trabalha no…, a minha filha é de relações internacionais. E olha que pouco gastei com eles, eu vivia nas aforas de Paris, tinha casa. O governo, lá, em França, ajuda mais… E a Becas (Bolsas) que têm, ajudam. E até tinha duas bolsas, uma a nível nacional e outra regional. E não era pouco, para eles…

Inv: Eu sou de privadas… E adquiriu formas de estar e de viver, nos sítios onde esteve?

A: Adaptei-me sempre nos sítios para onde ia, mas cuidado, sem perder a minha identidade de português.

Inv: Mas, quais é que adquiriu?

A: Hoje, tenho a dupla nacionalidade, a portuguesa e a espanhola. Tenho passaporte espanhol, desde 73 ou 74, um ano depois de casar. Jurei a constituição espanhola… Fui para Paris como espanhol, ajudou. Tenho a segurança social, tenho os direitos todos, os meus filhos têm os direitos todos. Cobro uma pensão de viuvez, aqui, não há, em França também não. Foi o Filipe Gonzalez que fez isso, foi a primeira vez que, eu, votei. Nós, aqui, é que não há maneira. Basta ir, aqui, ao Porrinho (concelho vizinho da Galiza) e ver aquela indústria, aqui, tão perto. Eu, tenho também um certo carinho por Espanha.

Inv: E França?

A: Também, mas mais Bruxelas, é uma alegria ir ver as ruazinhas do centro, é lá que têm o restaurante. Há uns dias fizeram uma reportagem a partir de lá. Passaram muitas personalidades, políticos, actores, olha, um Simões, o Eusébio, o Torres, o Coluna, falei com essa malta toda. Falei com o Pelé como estou a falar agora. A Amália Rodrigues que foi duas vezes ao Olímpia ao Casino de Paris. Paris é um espectáculo. Eu, agora, é que, eu, conheço Paris. Eu, vou fazer uma revisão ao hospital, tenho tempo. Já está… Explica-me o que andas a fazer. Depois falamos mais.

 

 

http://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/1060/2/joaquimcastro.pdf