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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

POPULAÇÃO DO CONCELHO DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 22.07.23

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POPULAÇÃO

 

A partir de 1960, o concelho apresentou sempre uma diminuição da população resultante de variações negativas do saldo fisiológico e migratório. O êxodo rural e a emigração, seguido do envelhecimento da população que permaneceu residente no concelho, refletiu-se em acentuadas quebras populacionais. De 1960 para 2001 foi registada uma variação negativa da população de – 82.1%.

Entre 1991 e 2001 a população do concelho de Melgaço diminuiu de 11018 para 9996 indivíduos (-9.2%). A nível de NUT III, Minho-Lima, verificou-se uma variação nula da população correspondente a uma taxa de variação de 0.09%. Ao contrário destas duas unidades territoriais, a Região Norte registou um aumento populacional de 6.18% indivíduos.

Entre a década de 80 e 90, a diminuição de população terá resultado mais do aumento da taxa de mortalidade derivado do envelhecimento da população do que da saída da população do concelho.

Os dados são preocupantes para o concelho. No entanto, no presente, começa a fazer-se notar a vontade de os jovens permanecerem residentes no concelho. O empreendedorismo jovem está a ganhar força nos últimos anos e a gerar investimento em Melgaço, o que leva a crer que os dados de variação populacional acima descritos poderão ser invertidos em breve. A produção vinícola, o mercado imobiliário e o turismo são três das áreas que mais têm atraído o investimento de jovens naturais do concelho.

 

REABILITAÇÃO NO CENTRO HISTÓRICO DE MELGAÇO – ESTUDO DE CASO

Joana Cristina Sousa Cerqueira Luís

Mestrado Integrado em Engenharia Civil – 2017/2018

Departamento de Engenharia Civil

Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Porto

2018

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drª joana cerqueira luís

CONTRABANDO EM MELGAÇO POR ALBERTINO GONÇALVES II

melgaçodomonteàribeira, 22.01.22

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(continuação)

Os ganhos dos pequenos contrabandistas não davam para conquistar as boas graças das autoridades. Sobre eles incidia, precisamente, o seu zelo. Não lhes perdoavam uma galinha e por uma bagatela eram autuados. Mesmo assim, num ou noutro ano, o volume das apreensões não bastava para mostrar serviço às instâncias superiores. Nestas circunstâncias, a fazer fé em vários testemunhos, os principais contrabandistas chegaram a quotizar-se cedendo as mercadorias necessárias para que a “colheita” dos guardas locais conseguisse encher ou tapar os olhos às administrações centrais.

As memórias do contrabando costumam encantar-nos com narrativas que parecem retiradas de romances picarescos: as mil e uma artes de ludibriar as autoridades, as reacções de esperteza face a desafios imprevistos, a passagem de camiões desmontados nas pequenas embarcações do rio Minho, as solidariedades espontâneas ou as bizarrias de um companheiro, Mas existe uma outra face que espreita por entre estas palavras. O contrabando implicava uma vida de risco, de esforço e de sacrifício. As cargas eram pesadas e mal jeitosas. Uns não se davam bem com o sabão, outros com a chapa, outros com os couros, outros com a amêndoa, outros, ainda, com a tripa. Os sustos de outrora ainda agora arrepiam: uma turbulência no rio escuro ou a intercepção brusca de um agente da PIDE. Apesar da boa organização e do estreiro entendimento com as autoridades, não deixava de haver apreensões, multas, dívidas, humilhações, perseguições, prisões e, até, mortes. Mulheres foram encarceradas em cadeias tão distantes como a de Orense. As mortes no rio Minho, às mãos da natureza ou das autoridades, portuguesas ou espanholas, não eram raras. Atente-se na notícia que segue, publicada na década de 1950 num jornal de Melgaço:

Aparecimento de cadáver – Em 27 do mês findo, apareceu na Valinha, a boiar nas águas do rio Minho, o cadáver de José Fernandes, mais conhecido pelo “Zé do Diabo”, de Penso, que uns quinze dias antes, quando pertendia passar uma pequena porção de café para a Galiza, foi abatido a tiro pelos carabineiros.

Uma entre muitas tragédias. Por exemplo, dois jovens foram mortos a tiro, vítimas, segundo testemunhos, de uma denúncia que os descreveu, ao arrepio da verdade, como perigosos e armados. As denúncias, as ganâncias, os conflitos e as rivalidades também eram fruto da época. Acrescente-se que havia quem se sentisse, directa ou indirectamente, prejudicado nos seus negócios, por sinal legais, com os efeitos do contrabando. A memória desses tempos tem sombras.

O contrabando é uma actividade oportunista que tira partido das vicissitudes da fronteira. Constitui, portanto, um fenómeno bastante instável. Depende do muito que acontece, perto e longe, em Espanha, em Portugal e na relação entre os dois países. O mundo do contrabando é feito de mudança. Em poucos anos, sofre transformações radicais. Ora é mais num sentido, ora se inverte. Um dado produto, como o azeite, ora vai, ora vem. Tal produto ora dá, ora deixa de dar, ora volta a dar. Uma fase, como a do gado, sucede a outra, como a do café. Entretanto, os locais privilegiados de passagem deslocam-se do rio Minho para a raia seca. As vacas, antes “cordeadas” através do rio, caminham, agora, pelos planaltos. Num canto, fecham-se as pequenas lojas, no outro, proliferam as garagens para estacionamento de gado. Mudam os próprios protagonistas: os “patrões”, os “lugar-tenentes”, os “transportadores”, os fornecedores e os clientes deixam de ser os mesmos.

Qualquer reflexão sobre os efeitos do contrabando ganha em atender a estas alterações, tornando-se sensato admitir que a épocas distintas podem corresponder realidades e consequências distintas. No que me diz respeito, vou-me cingir, em jeito de conclusão, a um breve apontamento genérico.

O balanço dos efeitos do contrabando suscita um consenso bastante alargado. Apesar de lucrativo, o negócio do contrabando gerou poucas riquezas. E estas, tal como os filhos, acorreram às cidades e às áreas metropolitanas. O investimento produtivo local resultou deveras escasso (insisto no facto de o contrabando ser uma actividade económica oportunista e, como tal, poder estar pouco vocacionada para o investimento produtivo racional). O contrabando não sustentou a descolagem do desenvolvimento económico local, mas garantiu a sobrevivência condigna a uma população ameaçada pela miséria.

Esta espécie de balanço global não deve, no entanto, menosprezar o impacto local do contrabando. Basta percorrer a paisagem para o sentir. Antes da quebra recente, vários “oásis” do contrabando, como S. Gregório (na freguesia de Cristóval), eram animados por um rodopio de pessoas em busca de algum negócio ou de alguma oportunidade. Entretanto, a azáfama desertou, os comércios fecham, as propriedades vendem-se e a população diminui.

Convém não dissociar o contrabando da emigração. Por um lado, como reparou um entrevistado, ‘’mal o contrabando dava sinais de esmorecer logo a emigração recrudescia. Todos os dias, partia alguém.’’ Por outro lado, o contrabando, tal como a febre do volfrâmio, preparou o terreno para o surto emigratório dos anos 1950 e 1960. Ambos contribuíram para retirar parte da população da rotina do trabalho agrícola. Independentemente desta ou daquela lufada de prosperidade, ambos acalentaram ambições, abriram expectativas e alargaram horizontes. Uma vez dado o passo, ninguém concebia regressar ao antigamente. O volfrâmio e o contrabando propiciaram, também, vivências, conhecimentos e relações passíveis de mobilização noutros contextos e noutras paragens. Proporcionou-se, em suma, um sentimento de inquietude com asas de esperança, uma das molas mais decisivas da emigração. Não é, certamente, por acaso que Melgaço primou, ao nível do país, tanto pelo contrabando como pela emigração. E, cada um a seu modo, ambos semearam a realidade actual.

 

contrabando albertino.pdf

repositorium.sdum.uminho.pt

http://hdl.handle.net/1822/36693

EMIGRAÇÃO E CONTRABANDO

melgaçodomonteàribeira, 09.01.21

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A VIAGEM

Como excelente jornalista que era, o Sr. Rocha N. (1965) decide empreender a viagem até Paris com os emigrantes que partiam de Melgaço.

A empresa ‘Viagem Lugan’, sediada em Madrid, na rua Dr. Fleming – notem a ironia histórica – trabalha também em Ourense. Na referida cidade, executava o transporte dos emigrantes (documentados) para França. Partia primeiro de Ourense, deslocava-se até à vila de Melgaço e depois prosseguia viagem até Paris.

Anteriormente era o Sr. Peres – co-herói do livro escrito por Rocha – que conduzia os emigrantes até Ourense no seu velho chevrolet. Entretanto, um empreendedor melgacense tornou possível a partida directa de Melgaço, pelo preço de 650 escudos. “Foi, pois, a 11 de Maio de 1963 que se publicou a notícia sobre o estabelecimento da carreira entre Melgaço e Paris.” (Rocha, N., 1965, p.55)

O Sr. Rocha empreendeu a viagem como jornalista, concebendo um magnífico, senão exemplar, trabalho científico de campo.

Embarcou, em Melgaço, junto de mais 28 passageiros, dois deles clandestinos. O primeiro trajecto era de Melgaço a Ourense, a viagem desenrolou-se por más e péssimas estradas de montanha.

Os emigrantes dispunham para seu gáudio de um farnel: chouriço, frango, presunto e vinho verde. O vinho do Porto e o tabaco eram, por vezes, cobiçados e apreendidos pelas autoridades espanholas.

Na fronteira portuguesa, as autoridades não poupavam esforços para evitar o surto migratório e desconfiavam dos passaportes dos turistas, pois, estes eram usualmente usados para dar o salto. As artimanhas forjadas passavam, por exemplo, pelos passaportes falsos; a fotografia do titular era arrancada e substituída pela do emigrante clandestino.

Na cidade galega de Ourense, a camioneta portuguesa dava lugar a uma espanhola. Eram, então, verificados todos os passaportes:

“Nos primeiros tempos a camioneta seguia guardada por elementos da polícia espanhola, armados de metralhadoras, para impedirem o ingresso de clandestinos. Na verdade, durante a noite passavam a fronteira na clandestinidade e apanhavam depois a camioneta em território espanhol para seguirem destino a Paris.” (idem, 1965, p.67)

A viagem prosseguia o seu penoso trilho, dirigindo-se para França. Deveria para tal atravessar a fronteira em Dancharineia, nos Pirenéus, uma vez que a fronteira de Hendaye se encontrava misteriosamente encerrada aos emigrantes.

Em paisagem de alta montanha a camioneta, por vezes, não arrancava. Os passageiros eram, então, obrigados a empurrar o veículo.

A viagem decorria sem interrupções, não havia justificações para tal! Por vezes, alguns retardados acabavam abandonados em terras desconhecidas e demasiado distantes para as suas posses, aquando de simplesmente darem vazão às suas necessidades básicas. Usualmente, o emigrante apenas trazia consigo algum dinheiro e o contacto, o qual constituía a rede social de apoio – e muito receio e esperança.

Entre Melgaço e Paris, decorriam 96 horas de intensa e penosa viagem. O tratamento facultado pelos motoristas, os quais conduziam duas noites e dois dias sem dormir – algo heróico, mas homicida – era, no geral, desumano. Limitavam-se ao brusco: ‘Oh, tu!’, revelando o valor simbólico da carga que conduziam.

Para ter acesso ao trabalho, em França, era necessário dispor da famosa carta verde, a qual era fornecida pelas autoridades francesas, permitindo que os portugueses ali trabalhassem legalmente.

Como referimos acima, no interior da camioneta encontravam-se dois clandestinos, um deles logrou os seus objectivos, o outro, ou melhor, a outra foi prontamente retida, em Espanha.

 

Emigração & Contrabando

Joaquim de Castro e Abel Marques

Edição do Autor 2003

pp. 92,93

video de Município de Melgaço

 

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raposa em castro laboreiro - foto norberto esteves - notícias ao minuto

 

 

MÃES DO MINHO

melgaçodomonteàribeira, 22.09.18

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“Mães do Minho”, de rosto sulcado pela ausência de afago, ficaram nas aldeias, no vazio das casas, abraçadas pelo xaile negro da despedida, carregando o árduo amanho da vida.

Eles, os maridos e os filhos, partiram. Levaram como bagagem, a certeza da incerteza de tudo.

“Mães do Minho”, um pelouro de referência humana, testemunho de uma época, de gerações, reflectidas na memória do tempo, que o próprio tempo jamais apagará. Um tempo cinzento, denso, sombrio. Pedaço de história. Um espaço cronológico e social, onde o êxodo migratório e a guerra colonial se situam, como realidade mártir, feita de dor e de saudade. Vivência de um tempo, numa região, em que as dificuldades económicas e a conjuntura política, aliciaram estes homens dignos, mas carentes de dignidade, a descobrir novos mundos.

Mais do que um louvor, uma homenagem. “Mães de Minho”, é um cântico de amor nunca esgotado, a essas Mães, Mulheres Mães, de sorriso adormecido, enquanto ateiam o amor, em cada gesto cálido e nobre, tocado pela aspereza do pão que o diabo amassou.

São estas, as nossas Mães, as “Mães do Minho”, de braços sempre enternecedoramente abertos, à espera do nosso regresso.

Elas serão, eternamente Mães.

 

Às “Mães do Minho”, deixo a minha grata admiração, pela sabedoria, pelo exemplo de intemporalidade espiritual, que nos legaram.

Ao autor, Tino Vale Costa, também eu, na condição de Mãe, abraço-o, por este tamanho sentir…

 

                                                                                  Adelaide Graça

 

 

Mães do Minho

 

Diamantino Vale Costa

 

Edição Câmara Municipal de Melgaço

 

2000

 

FRONTEIRAS A SALTO

melgaçodomonteàribeira, 06.02.16

 

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primeiros metros dum país, primeiros metros da nossa terra

 

O escritor neo-realista Assis Esperança publicou, em 1963, o romance Fronteiras, cujo título denuncia o tema. Aventura e drama continuavam a misturar-se no forçado exílio para que arrastado o trabalhador do campo e da cidade, maioritariamente compelido a buscar em terra estranha as condições de vida que a pátria não lhe proporcionava. Na Europa, a França, Luxemburgo e Alemanha perfilavam-se como destinos procurados. A emigração clandestina, tentada a salto apesar do forte controle ditatorial salazarista, constituía o recurso de que grande parte se via forçada a servir-se. As redes e caminhos do contrabando ofereciam-se por todo lado. Do litoral ao interior do país, alimentava-os esmagadora procura de trabalho para mão de obra não especializada. No romance de Assis Esperança se confirma que os engajadores não paravam de recrutar «homens da Beira Litoral e do Alto Minho, os de Castro Laboreiro numa percentagem ainda tão razoável que (…) levava a pensar que naquela e, possivelmente noutras regiões serranas apenas acabariam por ficar algumas mulheres, os velhos e as crianças». A obra oferece a surpresa de ser uma mulher, e com alguma escolaridade, a protagonista que vai demandar trabalho além fronteiras.

 

Retirado de:

Estudos em Homenagem a Luís António de Oliveira Ramos

Universidade do Porto

 

http://books.google.pt

 

CASTRO LABOREIRO HOJE III

melgaçodomonteàribeira, 14.11.15

 Castro Laboreiro, Portelinha - Relato de um ataque lupino  Por: Polen Alua

 

 

Recomeçar no interior

Se a maioria das pessoas foge de Castro Laboreiro por causa do desemprego e do isolamento, Vítor e Diana vieram para cá, há dois anos, em busca de uma vida melhor. Ou, pelo menos, diferente.

Ele é natural de Alcobaça, ela é do Porto e foi na Invicta que se conheceram. “Eu trabalho em azulejaria há 14 anos, mas, nos últimos tempos, o volume de trabalho estava a diminuir bastante”, começa Vítor. Até que conhece Diana, uma técnica de ilustração que nunca conseguiu emprego nem na sua área, nem em nenhuma outra.

Para este casal, é ilusória a ideia de que as oportunidades são um exclusivo das grandes cidades. “Temos a nossa pequena horta” afirma Vítor com orgulho. “E aqui aprendemos com as pessoas da terra a cultivá-la e a colher os frutos desse trabalho”, conclui Diana com entusiasmo.

E ter filhos? Na resposta, multiplicam-se dúvidas e receios. A isso não é alheia a falta de serviços essenciais de saúde nas proximidades. Diana aponta culpas “ao Governo e ao poder local, que lavaram as mãos em relação ao que faz mais falta no interior”. Mas também reconhece que “sem crianças não há evolução, sem evolução não há necessidade de serviços essenciais e sem serviços essenciais não há população”.

 

À beira do fim?

O ciclo vicioso é difícil de ser estancado e está em linha com a tendência dos últimos 20 anos. Castro Laboreiro perdeu mais de mil habitantes nesse período. “Uns porque morreram, outros porque emigraram e já não voltam”, lamenta Elisabete Sousa.

Se o êxodo a que se tem assistido não for travado ou compensado com gente nova, “daqui por vinte anos, os velhos já morreram”. Restarão as casas de granito e os campos abandonados. Depois disso, quem virá para Castro Laboreiro? “Ninguém”.

 

Publicado por:

www.rr.sapo.pt

 

CASTRO LABOREIRO HOJE II

melgaçodomonteàribeira, 11.11.15

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Ribeiro de Baixo, Castro Laboreiro

 

 

CTT na Junta e escola a 16 quilómetros

Há pouco mais de um ano, Castro Laboreiro quase perdia o posto dos CTT. Em protesto, a população cortou a única estrada que liga a freguesia à sede do concelho. A estação acabou mesmo por fechar, mas os serviços foram transferidos para um balcão na junta de freguesia, que funciona três horas por dia. É lá que se fazem os pagamentos das contas, que se recebem as reformas. Isso e pouco mais.

Crianças, nem vê-las. Elisabete Sousa, funcionária do posto de turismo e Secretária da Junta de Freguesia, explica: “As poucas que temos aqui são obrigadas a ir à escola em Pomares”. Desde o ano 2000 que o Ministério da Educação decidiu que Castro Laboreiro não tinha crianças em número suficiente para frequentar as seis escolas espalhadas pelo extenso território da freguesia.

Francelina é proprietária de um dos restaurantes de Castro Laboreiro e tem duas filhas na escola em Pomares. Todos os dias, sujeitam-se a mais de 30 quilómetros de estrada, entre ida e volta. No Inverno, “a preocupação é muito maior”, diz. É que a neve bloqueia a estrada “e o autocarro não arrisca vir por aí acima para vir buscar as crianças”. A solução? “Ou vai lá o meu marido levá-las de propósito ou, então, não vão às aulas”.

A todos os transtornos, acrescenta-se o cansaço das filhas que “saem de casa muito cedo de manhã e só regressam já noite cerrada”. Ficam, muitas vezes, “tão exaustas que nem conseguem fazer os trabalhos de casa”.

Do jardim-de-infância ao quarto ano de escolaridade, é a Pomares que todos vão parar. De lá, os miúdos migram para Melgaço. Depois, chega a hora da universidade. Adultos para se fixar na terra? “Infelizmente, não”, responde Elisabete, com o sorriso amargo de quem antecipa o definhar da terra que a viu nascer.

Vão resistindo os negócios do turismo e da restauração, o principal cartão-de-visita desta zona que beneficia da envolvente do Parque Nacional Peneda-Gerês, mas que se debate com défices que, não sendo tão prioritários como os serviços essenciais, condicionam o dia-a-dia de quem cá vive ou visita a aldeia.

 

Sem telemóveis nem multibanco

Das três operadoras móveis nacionais, só duas funcionam mais ou menos bem e não em toda a freguesia. E o multibanco “só em Melgaço”, diz Fernando, dono de um hotel que também é restaurante e café. Este empresário de hotelaria diz que o estabelecimento “até nem trabalha mal”, mas “nota-se uma quebra no poder de compra” dos clientes, “que são, sobretudo, os espanhóis e os portugueses que viajam com cada vez menos dinheiro”.

É aqui que a crise entra na conversa. Fernando procura empregados para trabalhar na recepção e no serviço à mesa. “Fala-se tanto de desemprego e eu não encontro ninguém que queira trabalhar. Alguma coisa não bate certo”.

Vítor também entra na conversa. É cliente habitual e amigo do dono do hotel. Sempre que pode, vem de Salvaterra de Magos a Castro Laboreiro. É um amante da fotografia, da beleza natural e dos trilhos para as caminhadas. “Por isso, aqui juntei o útil ao agradável. Pena é que as nossas autoridades não estejam atentas ao potencial inesgotável de Castro Laboreiro”.

Fernando concorda. Diz que o turismo em Portugal está viciado por lugares comuns. “No nosso país, o turismo é todo canalizado para as zonas mais evoluídas, como o Algarve. Nós, os pequenos, acabamos sempre esquecidos”. Ou quase sempre. “Aqui só se lembram de nós quando é para pagar os impostos”, desabafa.

 

(continua)

 

 

EMIGRAÇÃO & CONTRABANDO

melgaçodomonteàribeira, 04.11.15

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A FRONTEIRA COMO DESTINO

 

Melgaço traz consigo as marcas da emigração. O seu lastro prolongar-se-á, certamente, por longos anos. Ficou para perdurar e não há modo de o ignorar. Os nossos avós foram pioneiros na emigração para os países da Europa, designadamente para França. Quando o País acordou para este fado, já os melgacenses trabalhavam, há vários anos, para além dos Pirenéus. Primeiro, os do monte, logo os da ribeira. O êxodo foi de tal ordem que, em poucas décadas, a população concelhia diminuiu para quase metade (55%). Se o censo de 1960 registava 18 211 residentes, estes resumiam-se, no censo de 2001, a 9 996, ou seja, menos 8 215 habitantes em 41 anos. A envergadura do movimento avoluma-se ainda mais se recordarmos que, durante esse período, Melgaço, principalmente no que respeita às freguesias da ribeira, acolheu importantes contingentes de pessoas provenientes de concelhos mais ou menos vizinhos. A maioria veio suprir a carência de mão-de-obra provocada, precisamente, pelo vazio aberto pela emigração. Acorreram, sobretudo, caseiros para viabilizar as “quintas”, mas também “artistas” para a construção civil, comerciantes, empresários, empregados, funcionários… Esta afluência, que diversificou a origem geográfica dos melgacenses, assevera-se, aliás, uma das marcas indirectas da emigração.

Mas a emigração, no nosso concelho, não se distinguiu apenas por ter sido mais precoce e mais intensa do que nos demais. Apresenta outra característica que a individualiza: manifesta-se bastante elevada a proporção de emigrantes que regressam à terra natal, mormente entre aqueles que, mais antigos, pertencem à chamada  “primeira geração”. Terminada a lide no estrangeiro, demandaram as origens. A dimensão deste movimento expressa-se, de forma imediata, no envelhecimento da população, um dos mais pronunciados da Região Norte. O censo de 2001, registava, no concelho de Melgaço, uma relação de três idosos (pessoas com 65 ou mais anos) para cada jovem (até aos 14 anos). O triplo do País, quase o quádruplo da Região Norte! No caso das freguesias da Gave, Castro Laboreiro, Fiães e Cousso, este número ultrapassa os seis idosos por cada jovem! A intensidade da emigração, a saída dos mais jovens, a esperança de vida e a taxa de mortalidade são variáveis que não chegam para explicar a razão por que, em matéria de envelhecimento da população, Melgaço ultrapassa, por exemplo, a maior parte dos concelhos de Trás-os-Montes. A diferença radica, provavelmente, numa maior incidência do regresso, normalmente em idade avançada, dos emigrantes melgacenses. Os resultados de um inquérito aos idosos das freguesias do Alto Mouro, promovido em 2003 no âmbito da Rede Social, ilustram esta realidade: 90% dos homens com mais de sessenta anos foram emigrantes, o que nos dá uma ideia do impacto da emigração e do alcance do regresso. Trata-se de mais uma marca da emigração, a acrescentar a outras, tais como a distorção do ciclo anual de actividades, a efervescência do Verão e a letargia do Inverno, o desequilíbrio da estrutura produtiva, a propensão para o consumo, a renovação da paisagem ou a mudança dos hábitos e dos valores locais.

Para além da emigração, o presente livro contempla, também, o fenómeno do contrabando, outra actividade vinculada à fronteira, que, na sua ambivalência, ora se ergue como obstáculo, ora se oferece como oportunidade. Em Melgaço, o contrabando é uma tradição que remonta a tempos longínquos que nem a memória enxerga. Café, minério, metais preciosos, gado, marisco, electrodomésticos, tabaco, entre outros produtos, sucederam-se na travessia furtiva da fronteira pela mão de pequenas redes informais assentes na família e na vizinhança, mas também de organizações relativamente complexas. Ao contrabando de mercadorias, talvez se deva acrescentar uma outra “passagem clandestina”, a de homens e de mulheres rumo a destinos mais promissores.

A escolha da emigração e do contrabando para tema deste livro não podia ter sido mais pertinente e oportuna. Sintoniza-se, designadamente, com o desígnio local de promover um espaço museológico e de animação dedicado à “memória da fronteira”. Em Melgaço, tem vindo a ressurgir uma auspiciosa actividade cultural, um sobressalto decisivo para a construção da identidade do concelho e para o estímulo da sua vontade criadora. Boa parte da responsabilidade deste impulso anímico cabe às gerações mais jovens, a que pertencem o autor, Joaquim Castro, e o colaborador, Abel Marques. Pulsa-lhes nas veias a história da terra natal. A sua escrita é reflexiva, movida pelo entusiasmo e pela curiosidade, num misto de rigor e inconformismo. Disposição que não lhes tolda, todavia, o olhar, que se quer pautado por uma abordagem de cariz científico. Tiveram, nomeadamente, a sensibilidade de investigar o nosso “legado histórico” privilegiando fontes de ancoragem local: os jornais Notícias de Melgaço e A Voz de Melgaço, o jornalista melgacense N. Rocha e a memória de conterrâneos. Um dos capítulos mais interessantes do livro consiste, aliás, num relato de vida. Sabendo-se que “cada pessoa que morre é uma biblioteca inteira que arde”, urge programar e intensificar esta recolha de testemunhos e de histórias de vida para uma valorização previdente do património local.

Encarando a cultura actual como um rio que corre na “sombra dos dias velozes”, exposto, portanto, à vertigem do esquecimento, esta obra revisita o passado, procurando convocar “a vida intensa de outrora”. Não o faz, porém, com o propósito de uma contemplação saudosa. Procura-se, antes, que a memória concorra para dar corpo ao presente e alma ao futuro. Nesta perspectiva, o estudo é movido por um duplo ímpeto de apego e de inquietação.

Abre o livro com cinco citações, uma, por sinal, do poeta espanhol António Machado. Não resisto a transcrever o poema na íntegra:

Caminante, son tus huellas

el camino, y nada más;

caminante, no hay camino,

se hace camino al andar.

Al andar se hace camino,

y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se há de volver a pisar.

Caminante, no hay camino,

sino estrellas en la mar.

Se é certo que “caminhando, não há caminho, o caminho faz-se a andar”, não é mesmo verdade que convém, de vez em quando, olhar para trás para reconsiderar a “senda que nunca mais se há-de voltar a pisar”. Indispensáveis são, ainda, as “estrelas” para nos orientar. Como constata Walter Benjamim “estamos condenados a avançar com os olhos postos no retrovisor”.

São gratas as obras que, como esta, indagam as pegadas e sondam as estrelas do nosso devir colectivo. Ouvir, fotografar, revolver, contar e escrever o concelho de Melgaço, apresentar, sem exageros ou artifícios, a terra, as gentes e a história é, no meu entender, quanto baste para lhe prestar homenagem.

 

                                                                     Albertino Gonçalves

 

 

VIDA DE RICO, MORTE DE POBRE

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

   Dinheiro e mais dinheiro. A movimentação de homens, carroças e sacos no armazém de Adolfo Vieira, por detrás do actual Palácio da Justiça de Monção, significava mais uns contos largos a amealhar ao seu já milionário pecúlio. Os negócios, legais ou ilegais, terão feito dele um dos indivíduos da vila. A acreditar nas histórias de amantes, filhos e de alguns que o conheceram, Adolfo não era do género de correr riscos, andar a saltar de um lado para o outro da fronteira. Raramente conduzia a carroça até à pesqueira do rio.

   Não. O contrabandista sempre terá preferido o recanto do seu armazém para gerir a actividade. Ali recebia e pagava. Apenas algumas vezes ia ao Porto, onde mantinha contactos com os bancos.

   Mas Adolfo Vieira era um esbanjador por excelência. Ninguém lhe conhece uma nega a quem lhe pedia emprestado ou dado. O resto era para as mulheres, que o levariam à ruína. Sem fundo de maneio, o contrabandista, então a deixar o negócio, emigrou para Bologne, perto de Paris, França, em finais da década de 50. Lá, trabalhou como recepcionista e foi doméstico em casa de uma família que alugava quartos.

   Voltou a Monção alguns anos mais tarde. Sem dinheiro. Pouco depois sofria uma trombose que o deixava parcialmente paralítico, para morrer em Março de 1970, com 68 anos. Na miséria.

 

(continua)