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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

À ATENÇÃO DO PODER LOCAL E NACIONAL

melgaçodomonteàribeira, 08.04.23

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MONTES LABOREIRO

Palmilhando uma raia carregada de séculos

José Domingues

PROTECÇÃO E PRESERVAÇÃO

 

No final do século XX, nos países mais desenvolvidos, a crescente valorização dos espaços de grande integridade natural e detentores de um património eco-cultural, levou a que as áreas de montanha, que constituem os ecossistemas mais bem conservados que chegaram aos nossos dias, conheçam nas últimas décadas um incremento da sua procura com motivações e interesses ligados às actividades de recreio e lazer.

Na prática, estes espaços passaram a ser protegidos e valorizados, em virtude dos seus recursos, da sua integridade e do património que encerram.

Portugal tenta acompanhar esta tendência, mas os constrangimentos são mais que muitos, num país de parcos recursos económicos e onde as mudanças sociais não são assimiladas como seria desejável, tendo como consequência a criação de resistências inultrapassáveis, na elaboração de estratégias que acompanhem o pensar de uma minoria, no sentido da valorização e preservação de tais locais. São espaços geradores de conflitos, pelas diferentes orientações e interesses de gestão e uso.

A desarticulação da estrutura socioeconómica da região, em virtude da emigração massiva e do abandono de muitos modos de vida específicos (fim do sistema agro pastoril e do contrabando), especialmente a partir de meados dos anos setenta do século XX, originou a marginalização dos montes e a sua descaracterização, levando a que o espaço tenha conhecido uma evolução complexa, quer nas formas de uso e ocupação, quer na sua percepção.

A tragédia deu-se a conhecer já em meados do século XX com a plantação de espécies não autóctones (manchas de pinheiros), a abertura de estradas desnecessárias e a destruição de muito do património natural e construído (principalmente mamoas). Tais práticas continuam nos dias de hoje, agora com a companhia dos desportos motorizados, dos incêndios cobardes, da caça legal e furtiva e, dos envenenamentos criminosos das espécies selvagens e domésticas.

O desleixo e a ganância dos subsídios indiscriminados da Comunidade Europeia, na ausência de um qualquer modelo ou projecto de sustentabilidade futura, têm levado à fruição do espaço de forma irresponsável e abusiva, traduzindo-se num uso da terra sem qualquer controlo e responsabilidade.

No lado galego ainda recentemente assistimos a autênticas barbaridades: criação de coutos de caça com vedação em arame, destruição indiscriminada de dólmenes para plantação de pinheiros e abertura de estradas sem qualquer fim justificativo. Os envenenamentos por estricnina continuam a ser uma prática comum, matando todo o tipo de animais.

No final do século XX houve mesmo violação da Mota Grande (mamoa emblemática) e a destruição de um Menir com um caterpillar.

Na actualidade, coloca-se um crescendo de preocupações no aproveitamento e gestão destas áreas, face à fragilidade que apresentam e aos novos desafios e cenários que se desenham, em virtude das suas novas funcionalidades e utilizadores. Sendo territórios económicos e demograficamente deprimidos, apresentam um potencial paisagístico, ambiental e arqueológico, capaz de fomentar o desenvolvimento, assente em princípios de sustentabilidade e com condições para alimentar uma actividade tão dinâmica como é o turismo.

O NEPML defende que as actividades tradicionais devem ligar-se com o turismo, como factor revitalizador da economia local e regional e, pensa que tal cenário deve ser potencializado, e que os políticos e os poucos habitantes usufrutuários naturais, devem perceber de uma vez por todas que estes territórios devem ser vistos como guardião de valores naturais e culturais.

O espaço de fronteira de que falamos destaca-se, pela altitude que atinge (perto dos 1400 metros no ponto mais alto: Giestoso), quer pela sua paisagem natural com a sua riqueza de flora e fauna. Muitas espécies de aves, o lobo, o corço, o veado, o javali, o gato bravo, o texugo, a gardunha, a lebre e outros animais em vias de extinção, apesar de toda a perseguição ainda aparecem nestas paragens.

Além do património natural, só por si raro e de estimável valor nos dias de hoje, conserva-se aqui uma riqueza arqueológica inigualável: Monumentos Megalíticos e Arte Rupestre. O espaço conta com perto de sete dezenas de mamoas inventariadas no lado português e, do lado galego, em direcção a Celanova e vale do rio Lima são conhecidas mais umas dezenas. Estamos perante uma das mais expressivas concentrações de monumentos megalíticos da Península Ibérica.

O espaço devia ser revalorizado pelo seu potencial eco-cultural, tornando-se um atractivo único ao nível paisagístico, ambiental e histórico-cultural. O seu valor didáctico, nomeadamente pela análise, a interpretação e o relacionamento integrado dos seus diversos elementos, devia constituir um processo fundamental de educação e sensibilização.

Apesar de a Necrópole ter merecido a atenção de alguns ilustres investigadores, como Lopez Cuevillas já nos anos 20 do século XX, Eguileta Franco, Sande Lemos, Martinho Baptista e Vitor Oliveira Jorge, entre outros, o local tem sido ignorado e desprezado pelos poderes locais.

Entidades galegas e portuguesas têm responsabilidade acrescida no uso, ocupação e promoção destas áreas, de forma à sua utilização racional e sustentável, como verdadeiros reservatórios eco-culturais, através de um modelo de desenvolvimento que reconheça os seus problemas e especificidades. Torna-se necessário continuar a desenvolver iniciativas que possam dar a conhecer as diversas potencialidades desta fronteira virtual, promovam o seu espaço, a sua cultura, economia, reconheçam os seus problemas estruturais e apelem para uma visão atenta, cuidada, e de valorização e cooperação específica para o local. Em 2008, com a proposta de classificação, deu-se mais um passo na protecção dos MONUMENTOS MEGALÍTICOS E ARTE RUPESTRE DO PLANALTO DE CASTRO LABOREIRO.

CADERNO ARRAIANO

NEPML – NÚCLEO DE ESTUDO E PESQUISA DOS MONTES LABOREIRO

GRAVURAS RUPESTRES D0 FIEIRAL

melgaçodomonteàribeira, 10.09.22

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GRAVURAS RUPESTRES DO FIEIRAL

CASTRO LABOREIRO

MELGAÇO

 

O Fieiral, situa-se no seio da necrópole megalítica do planalto de Castro Laboreiro, a cerca de 500 m para nascente da mamoa de Porcoito 1 e a, aproximadamente, 450 m da mamoa do Alto dos Piornais . Localiza-se numa pequena plataforma a oeste-sudoeste do Alto dos Piornais, na margem direita do rio Laboreiro, à cota de 1169 m.  Trata-se de um local bem irrigado onde se destacam, para além do referido rio, a Corga do Fieiral, a Corga dos Piornais e a Corga do Vale das Antas.

Apesar do Fieiral ser protegido a Norte e a Este, pelas plataformas mais elevadas do planalto, dali obtém-se um excelente domínio visual para o vale de Castro Laboreiro, que se abre a Oeste, e para os prados onde se concentram as brandas do Rodeiro, de Adofreire, de Queimadelo, de Falagueiras e das Coriscadas.

Aqui, emergem à superfície dois grandes afloramentos de granito do tipo de Castro Laboreiro, moderadamente elevados, que se orientam no sentido NE/SW: o Fieiral I, mais a norte e de menores dimensões, com cerca de 8 m de comprimento, e o Fieiral II, com cerca de 35 m de comprimento.

O Fieiral I apresenta uma superfície superior horizontalizada onde existe uma incrustação de cristais de quartzo hialino e pendentes suaves. O Fieiral II, de contornos mais irregulares, com algumas fissuras significativas e áreas levemente deprimidas no topo, também apresenta pendentes suaves. Na sua extremidade NE, há uma nascente, hoje transformada. Estes dois afloramentos distam entre si cerca de 10 m e avistam-se mutuamente.

Uma das particularidades deste lugar é a existência de um filão de quartzo branco que o atravessa no sentido Norte/Sul e que, por vezes, irrompe de forma destacada do solo, característica que pode estar na origem do topónimo. Tal permite que existam à superfície inúmeros calhaus e blocos desta matéria, embora estes possam resultar tanto de fatores naturais como antrópicos.

O Fieiral é de fácil acessibilidade pedestre, quer para quem está nas áreas mais altas do planalto, quer para quem, seguindo o vale do Laboreiro, lhe acede a partir de cotas inferiores. Tal circunstância, associada às características aplanadas do lugar, teria possibilitado a concentração de um número significativo de pessoas em redor do espaço gravado, com visibilidade para os símbolos que se escrevem nas pendentes oblíquas dos afloramentos. Parcelar seria a visualização de alguns motivos existentes na superfície superior do Fieiral II.

As gravuras em ambos os afloramentos inscrevem-se, maioritariamente, no que se denomina “arte esquemática”, embora ocorram algumas que se inscrevem na gramática estilística da “arte atlântica”, normalmente isolados ou em áreas periféricas.

O Fieiral I apresenta menor diversidade de símbolos. Aí, inscrevem-se quase só quadrados ou retângulos segmentados internamente, distribuídos nas diferentes pendentes da rocha, atribuíveis à Pré-história.

No Fieiral II, com maior diversidade de símbolos, serão pré-históricos os quadrados ou retângulos segmentados internamente e os diversos tipos de antropomorfos, alguns deles ictiformes. Da Idade do Bronze, poderá ser a gravação de um machado plano de gume alargado, encabado, localizado na extremidade norte da rocha, nas imediações da nascente, assim como um círculo segmentado. Deste período ou posterior, será um par de pedomorfos de adulto, orientados no sentido poente-nascente, existente na pendente Este deste afloramento. Aqui gravaram-se, igualmente, diversas paletas quadrangulares em baixo relevo, com cabo delimitado por covinha, motivos que tipologicamente se inscrevem na Idade do Ferro. As paletas aparecem, também, na área mais interna da rocha, por vezes sobrepondo-se a antropomorfos, numa nítida apropriação e alteração dos signos anteriores.

A diversidade de símbolos e de estilos, as alterações que parecem ter sofrido alguns deles, as sobreposições e as diferentes técnicas utilizadas (picotagem com abrasão e baixo relevo) indiciam que o Fieiral foi um lugar significante e com uma biografia complexa, na longa duração, que se foi mantendo simbolicamente ativo para as populações que viveram e frequentaram o planalto de Castro Laboreiro, desde a Pré-História até à Idade do Ferro.

Pela proximidade com os monumentos megalíticos e pelo esquematismo dos símbolos maioritariamente gravados, característica que também se encontra no interior das câmaras funerárias deste planalto, embora com temáticas globalmente distintas, colocamos a hipótese que o Fieiral terá sido materializado, em pleno Neolítico, como um lugar de reunião e de celebração do mundo. A especificidade dos símbolos gravados em relação aos das câmaras megalíticas explicar-se-ia pelas diferentes ações e sentidos, inerentes a cada um destes espaços.

 

GRAVURAS RUPESTRES DO FIEIRAL

CASTRO LABOREIRO, MELGAÇO

Ana M. S. Bettencourt & Alda Rodrigues

Departamento de História da Universidade do Minho

CITCEM