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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

FORNOS COMUNITÁRIOS EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 23.01.21

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foto de a voz de melgaço

OS FORNOS DE CASTRO LABOREIRO

Em todo este rol de documentação histórica, encontramos apenas três referências a fornos antes do século XX. Duas das referências de fornos de pão estão no fundo documental do Cartório Notarial de Castro Laboreiro (1777-1855). Uma no livro de 1823-1837, com a seguinte referência: “(…) aí tem (…) lamasqueira (…) que dá com o forno de pão” (…). A outra referência, no livro de 1843-1846, “(…) o forno velho, tojal (…) eira e palheiro, anta (…)”, cujas confrontações são a nascente com José Alves e a ponte com um caminho público. Se a palavra “lamasqueira”, da primeira referência, for de carácter toponímico, poderá querer aludir ao atual lugar da Ramisqueira. Se assim for, podemos confirmar que existe forno de pão nesse lugar. Este forno, segundo o sr. Eduardo Afonso, herdeiro e seu proprietário atual, sempre foi privado. Acrescentou que dele se serviam todos os vizinhos que no Inverno se mudavam para aquela inverneira, uma vez que um outro forno da Ramisqueira, dito de tradição comunitária, segundo o mesmo testemunho, tinha ruído ou fora demolido. Quando consultámos as matrizes prediais e urbanas na repartição de finanças de Melgaço, o forno da Ramisqueira que atualmente se pode ver, não está registado sob nenhuma tutela. Contudo o forna está implantado num terreno particular, que pertence ao sr. Eduardo Afonso e família.

O atual forno das Eiras pode ser aquele que é mencionado na segunda referência, pois é considerado antigo, não havendo, no enquanto, memória da sua construção. Está implantado entre vários terrenos particulares, e a sua entrada confronta a poente com um caminho público e a nascente confronta-se com a casa de um particular, correspondendo à descrição do “forno velho”. Porém, a população desta branda diz que o forno não tem proprietários, sendo, por isso, comunitário. Tudo parece indicar que assim é, sobretudo pelas suas dimensões, mas ficam por apurar alguns detalhes relativos aos antigos proprietários, que pudessem confirmar a antiga tutela do forno. Este também não se encontra inscrito nas matrizes prediais e urbanas consultadas. A terceira referência encontrada no século XIX, está num livro de atas de vereação da década de 40. No livro de atas de vereação da extinta Câmara Municipal de Castro Laboreiro de 1842 a 1849, está então uma referência ao forno do Lugar das Cainheiras, em 31 de Maio de 1844, a propósito da nomeação de um “goarda rural daquele lugar fazendo cumprir por todos os moradores daquele lugar”, a “vigilância e bom funcionamento”, “de todas as fontes, fornos, caminhos e mais obras públicas daquele lugar.” – este excerto demonstra que todos os elementos nomeados são de uso comum, aliás, “público”. Apesar do excerto da fonte nos indicar uma pluralidade de fornos, atualmente o lugar das Cainheiras dispõe apenas de um forno que se diz ser comunitário. Além da bibliografia e fontes mencionadas não foram encontradas mais referências a fornos anteriores aos finais do século XX que nos levassem a tirar conclusões determinantes relativamente à natureza administrativa dos fornos de pão de Castro Laboreiro que não fosse de ordem principalmente comunitária. Todavia existe uma panóplia de documentação medieval e moderna, que se encontra dispersa e por estudar, não havendo possibilidade nem habilidade até ao momento de a reunir e descodificar, mas onde se poderão encontrar informações específicas quanto ao passado tutelar destes bens de produção.

 

CASTRO LABOREIRO – DO PÃO DA TERRA AOS FORNOS COMUNITÁRIOS

Uma proposta de mediação patrimonial

Diana Alexandra Simões Carvalho

Dissertação do Mestrado em História e Património

Ramo de Mediação Patrimonial

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

2017

pp. 60-61

 

video de diana carvalho

 

 

A NEVE MÁ

melgaçodomonteàribeira, 21.09.19

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MORTE BRANCA

 

Naquela fria e alva madrugada,

Enfrentando a chuva e o nevoeiro

Partiram sós, de Castro Laboreiro,

Carolina e sua irmã amada.

 

Alegres, riam por tudo e por nada,

No bolso levavam algum dinheiro;

Iam comprar ali, no estrangeiro,

O bacalhau, azeite e a pescada.

 

No regresso, por terras da Galiza,

Ao entrar na alta e dura montanha,

A neve caía com insistência;

 

E no inferno o demónio giza,

Com estranho ódio, raiva e manha,

A morte da virtude, da inocência.

 

Nota: as duas irmãs ficaram soterradas na neve a 17/12/1917; a Carolina casara em Outubro desse ano.

 

OS MEUS SONETOS (E OS DO FRADE)

Joaquim A. Rocha

Edição do Autor

2013

p.128

 

 

FÉRIAS EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 03.08.19

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igreja de santa rita  roussas

 

 

DEPOIS DAS FÉRIAS

(A Voz de Melgaço, 01.09.1971)

 

Alguém passou no meio de nós…

Manhãs de Primavera…

Tanta coisa linda se pode fazer…

 

À hora a que o nosso jornal tiver saído, muitos dos nossos conterrâneos e amigos, que vieram até junto dos seus, a esta linda terra, terão regressado aos lugares de trabalho.

Nos seus carros, nos comboios, nas camionetas, como puderam, lá se foram eles, deixando-nos umas lindas manhãs de Primavera. Aqui deixaram muito dinheiro. Nas suas famílias, nos comércios, nas igrejas, com suas promessas e a sua gratidão, foram lindas manhãs cantantes. Mas alguém passou na nossa terra. Aqui estiveram Melgacenses que ajudaram a construir um Melgaço maior, na sua modéstia, na sua humildade.

Vamos lembrar alguns, já que nos é impossível recordá-los a todos. O Sr. Joaquim Domingues, da Carpinteira, que não pôde frequentar uma Universidade, mas, com o seu trabalho, chegou a lugares dos de mais responsabilidade na escala social, a Director de um Banco no Rio de Janeiro. Pois este nosso amigo esteve sempre junto de nós, melgacenses, nas grandes batalhas. Com ele e outros se comprou o aparelho de Raio X para o hospital, que tanto bem nos tem feito.

Um dia, já distante, o Sr. Joaquim segredava-me que desejava dar 10.000$00 a Santa Rita. No hospital, fazia falta uma ambulância e nós sugerimos-lhe que, para então, seria mais proveitosa a compra da ambulância, para serviço dos pobres. E os 10.000$00 foram para o hospital e sua ambulância.

Tem sido um dos grandes obreiros de Santa Rita. Com ele se lançou a primeira pedra da nova igreja, com ele avançamos.

Paulo Martins, de Sante – Um simpático rapaz, ainda solteiro, que na altura dolorosa da saída das Irmãs, do hospital, num país que não tinha enfermeiras em número suficiente, pôs o seu carro e o seu colega Sr. Augusto César Fernandes, da Carpinteira, e com ele se avançou, só num dia, por cerca de 600 quilómetros por essas terras do Norte, à procura de pessoal. E isto felizmente enquanto a nossa gente, descansada, confiando na Mesa da Santa Casa, podia dormir tranquila… 600 quilómetros, só num dia! Mas o hospital não fechou.

O Armando Malheiro, o António Inácio – Ambos em França, ambos em Melgaço. O primeiro, alma da nossa conferência vicentina em Melgaço, e tantas despesas fiz, em serviço do hospital e de Santa Rita, franqueando-me a sua casa, e as suas numerosas amizades, em que tanto se fez. E tantos dias e sempre com o mesmo sorriso. Como o Armando Malheiro… Não voltarei mais a França, na missão que lá me fez ir. A idade, o cuidado dos nossos 5 irmãos velhinhos em Santa Rita não me deixaram andar por longe. Mas aqui os venho lembrar e, neles, a todos quantos nos deram o seu coração, para estas belas obras a serviço do Pai. E foram muitos.

Pois aqui passou alguém na nossa terra. Como Santa Isabel, podemos dizer: - Majestade, levo flores. Passaram flores na nossa terra. Quantas coisas grandes e belas se podem fazer na nossa terra!

 

                                                                                                Padre Carlos

 

Padre Carlos Vaz: Uma vida de Serviço

Edição: Carlos Nuno Salgado Vaz

Coordenadores: Carlos Nuno Salgado Vaz

                           Júlio Nepomuceno Vaz

Braga

Julho 2010

pp. 607,608

 

NÃO SEI

melgaçodomonteàribeira, 27.07.19

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ATRACÇÃO IRRESISTÍVEL

 

Não sei se és tu, Melgaço, que me atrais,

Ou o meu passado que em ti encerras;

Se são os teus vales, as tuas serras…

Os teus campos verdes, os teus pinhais.

 

Não sei! E não sei o que eu desejo mais:

Se fugir-te, como fujo às guerras,

Se repartir meu amor por outras terras,

Se voltar para os teus braços maternais.

 

Não sei! E nesta eterna indecisão

Agita-se o meu corpo como o vento…

Sofre o meu tormentoso coração.

 

Como pode ser alegria e tormento,

Ser pura realidade e ilusão…

Querer-te e descrer-te cada momento?!

 

OS MEUS SONETOS (E OS DO FRADE)

Joaquim A. Rocha

Edição do Autor

2013

p. 49

MELGACENSES NA I GRANDE GUERRA (E EM OUTRAS GUERRAS DO SÉCULO XX)

melgaçodomonteàribeira, 15.12.18

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Foi há pouco mais de cem anos que os primeiros soldados do contingente que Portugal enviou para combater em França na I Guerra Mundial chegaram à Flandres. Em África, já combatiam os alemães desde 1914. Com base nos dados de que dispomos, de Melgaço partiram para a Flandres mais de setenta homens, oriundos das diversas freguesias. Estes homens foram autenticamente “roubados” às suas vidas e obrigados a ir para uma guerra para a qual não estavam preparados. Paderne, com catorze homens, Penso com doze homens e Vila, com catorze homens, são as freguesias melgacenses que mais contribuíram em termos de número de efetivos. Estes homens da nossa terra, feitos soldados, tinham todos – à data do embarque – idades entre vinte e dois e vinte e sete anos completos (nascidos entre 1891 e 1895), à exceção dos oficiais e sargentos que eram um pouco mais velhos.

 

MELGACENSES NA I GRANDE GUERRA

(E EM OUTRAS GUERRAS DO SÉCULO XX)

Valter Alves

Joaquim A. Rocha

Edição de Autores

Melgaço 2018

 

VALTER ALVES. Filho de Anselmo Alves (1937-1990), funcionário da Repartição de Finanças de Melgaço, e de Elisa Maria Afonso (1938-1993), doméstica. Neto paterno de Francisco Alves e de Maria Teresa Alves; neto materno de Manuel Gaspar Afonso e de Albertina dos Anjos Sérvio. Nasceu em São Paio de Melgaço a 25/4/76. Estudou na escola primária de São Paio e na então escola C+S de Melgaço até aos dezassete anos de idade; depois, devido à morte dos pais, seguiu para Cinfães do Douro, para casa do seu irmão, onde permaneceu até 2002. Licenciou-se em Geografia (Ramo Educacional), na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. É Pós Graduado em Gestão dos Riscos Naturais. Em 2018 morava em Vila Nova de Gaia e era professor de Geografia na Escola Básica e Secundária de Lousada Norte. Casou em 2003 com Carla Alves.Paralelamente à atividade docente, desenvolve investigação histórica, cujo produto tem sido publicado no blogue – Melgaço, entre o Minho e a Serra -, onde divulga notícias históricas, e outras estórias sobre o concelho de Melgaço. Pai de Luís Pedro Alves.

                                

JOAQUIM AGOSTINHO DA ROCHA nasceu em Cevide, Cristóval, Melgaço, onde residiu até aos seis anos de idade. Depois foi para a Vila de Melgaço, terra de sua mãe, Maria Leonor da Rocha. Permaneceu ali até aos vinte anos, altura em que ingressou no serviço militar. Cumpriu cerca de um ano na “Metrópole” e quase dois anos na Guiné-Bissau. Em finais de 1967 regressa e fixa a sua residência em Lisboa. Em finais de 2000 transfere-se para Braga, onde ainda vive. Quanto a estudos: saiu de Melgaço com a 4ª classe mais dois anos do Curso Elementar de Estudos Agrícolas, portanto com a equivalência à sexta classe, ou 2º ano dos liceus. Na capital do país fez o Curso Comercial e o Curso Complementar de Contabilidade e Gestão de Empresas (Técnico de Contas). Fez depois algumas disciplinas no Liceu e Ano Propedêutico, permitindo-lhe ingressar na Faculdade de Letras, onde completou o 2º ano do Curso de Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses). Devido a incompatibilidades de horários, completpu o Curso na Universidade Autónoma de Lisboa (Luís de Camões) com a média de 16 valores. Quanto a empregos: foi empregado de escritório, contabilista, bancário, bibliotecário, professor… Dedica-se atualmente ao estudo da História e Cultura de Melgaço, e também ao estudo da Genealogia, ou seja, à biografia dos melgacenses em geral.

 

O RESPONSO DO CONTRABANDISTA

melgaçodomonteàribeira, 08.12.18

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talha do mestre abel barrenhas igreja de santa maria da porta

 

O CONTRABANDO

O concelho de Melgaço encontra-se situado no extremo Norte de Portugal, entre o rio Minho e o rio Trancoso, que fazem de fronteira natural entre o Minho e a Galiza. A partir de Portelinha começa a demarcação da raia seca. A Sul o concelho fica delimitado pelos concelhos de Arcos de Valdevez e Monção.

Ao longo de toda a fronteira natural, para além de uma alfândega em S. Gregório e de uma delegação em S. Marcos, existiam de ambos os lados vários postos guarnecidos de guardas-fiscais e carabineiros, que tinham por missão fiscalizar a entrada de pessoas e bens. O que dificultava a acção dos prevaricadores da lei das fronteiras, dos chamados «contrabandistas».

O contrabando era uma actividade muito antiga, praticada pelas populações que viviam nas margens do rio Minho, do Trancoso e da raia seca na zona de Castro Laboreiro.

Contrabandear foi a única maneira encontrada pela maioria das gentes do Minho e da Galiza para ganhar uns escudos ou umas pesetas. Era, por assim dizer, a única porta de entrada, e saída, para o exterior, para nós e para eles.

A necessidade e o interesse por esta actividade eram mútuos. Era só praticá-la. Mas pela frente, além do obstáculo natural de atravessar o rio Minho, sobretudo no inverno, havia que ludibriar a vigilância continua dos Guardas-fiscais e dos Carabineiros.

O contrabando tanto ia para lá como vinha para cá, o factor dominante sendo o câmbio entre o escudo e a peseta.

Na zona de Melgaço, em maior ou menor escala, fez-se contrabando de tudo: galinhas, ovos, café, sabão, peças de pano, alfinetes, agulhas, pedras de isqueiro, estanho, volfrâmio, gado, porcos, bacalhau, bananas, azeite, meadas de arame, arados, sulfato, máquinas de sulfatar, etc.

Após a guerra civil 1936/39, a Espanha estava necessitada de tudo. Quase todas as famílias andavam no contrabando, embora sabendo que corriam riscos.

As autoridades de um lado e do outro, lá iam facilitando, embora de vez em quando para tapar os olhos, faziam algumas apreensões. Tinha que ser, não podia passar tudo. Só que às vezes pagava o justo pelo pecador.

Houve muitas pessoas que começaram a contrabandear uns quilos de café e depois chegaram a encher mais que um vagão do comboio só de uma vez.

Para isso, foi necessário construir armazéns próximos da fronteira, comprar camiões, fazer barcos, comprar mulas e até fazer caminhos e estradas para chegar próximo da fronteira.

Recrutavam homens nos cafés e nas tabernas para carregar as cargas de mercadoria, que era transportada ás costas através dos campos e dos montes, saltando valados, corgas e ribeiras, para não serem vistos pelas autoridades.

Em S. Gregório, houve uma sociedade que levava os camiões de café até aos Casais e a Cevide. Depois era só atravessar o rio em barcos e carregar os vagões do comboio do outro lado.

O café era colocado ao pé da linha do comboio, jogo combinado com o chefe da estação da Frieira, que fazia o sinal vermelho e, em poucos minutos, o comboio ficava carregado e seguia o seu destino.

Na zona de Castro Laboreiro, as mulas é que transportavam as cargas do contrabando através dos montes e das serras.

No rio Minho, os pequenos contrabandistas não tinham barcos. Passavam o contrabando em pequenas batelas ou gamelas de madeira muito frágeis, pondo em risco a própria vida. Morreram várias pessoas por afogamento.

 Quando não tinham barco ou batela, em pontos estreitos do rio cordeavam o contrabando em pequenas quantidades.

No rio Trancoso, passava-se o mesmo durante o inverno. Observei várias vezes junto dos moinhos do Recobo, em frente à porta do moinho do «Zé Moreno» e dos herdeiros, as pessoas a cordear cestas de ovos e outros artigos. O galego que trazia a corda para cordear os ovos chamava-se sr. Júlio Reinales. Em criança, lembra-me de ir a casa dele, à Aldeia do Souto, com minha avó Josefina e com Pureza da Marga. Também levei muitas dúzias de ovos. Quando o rio estava bom, passávamos junto ao moinho da tia Joaquina, ou do Alberto. Entretanto, acabou a rambóia dos ovos. O contrabando que durou até à entrada de Portugal na Comunidade Europeia foi o do café e de outros produtos.

Na parte de cima da igreja, houve dois homens que desde sempre fizeram contrabando sozinhos e que depois com homens por conta deles contrabandearam muito café. Chamavam-se eles o Nelo da Ozinga e o Zê Moreno já falecidos. Estes dois homens eram dos mais arrojados para contrabandear. Chegaram a passar o rio Trancoso a tralhão (tudo a eito), como eles diziam. Para fugir aos guardas-fiscais e aos carabineiros levavam o contrabando a Deva, a Trado e onde calhava, para ganhar a vida. Apanharam muitos sustos, suadelas e molhadelas, debaixo da chuva e do frio. Era muito dura a vida de contrabandista.

Cristóval sempre foi um ponto de passagem de contrabando. A Galiza após a guerra civil de Espanha estava carenciada de tudo.

Todos os comerciantes da zona faziam muito negócio com os galegos. Chegava-se a fazer fila indiana pelos carreiros de dia e de noite.

Ainda me lembra de os galegos entrarem para a casa Branca por um portão pequeno que dá acesso para a Corga da Marga. Saíam por ali carregados com cargas de contrabando. Outras vezes desciam as cargas com uma corda para o campo do Corno da tia Maria (Charameca). Faziam tudo para fugir e enganar os guardas-fiscais. Já lá vão mais de 50 anos. Ainda o falecido sr. Manuel Martinho morava lá.

Outro senhor que também vendia e levava contrabando aos galegos era o sr. António (do Orfo), que após ter regressado do Brasil montou uma loja na casa que actualmente pertence ao sr. Armando (Videira). A maioria das pessoas foi pelo mundo à procura da fortuna, este senhor também foi, regressou e veio fazer fortuna na sua terra.

Contou-me muita vez minha avó Joaquina que sr. António (do Ofro), quando regressou do Brasil, ao chegar a S. Gregório, deixou ficar a mala e depois mandou um senhor conhecido (pelo Nacho) buscá-la; quando este chegou ao lugar da Porta, disse: «a mala do sr. António (do Ofro) pesava muito, deve trazer muito dinheiro».

Quando abriram a mala, tiveram uma surpresa: o dinheiro eram pedras. Tinha sido ele que, por malandrice, enchera a mala com pedras.

Naquele tempo os brasileiros tinham a fama de ter muito dinheiro, só que neste caso nem fama nem proveito.

No entanto, com a sua loja fez fortuna na sua terra. É assim a sorte, por vezes está mais perto do que pensamos.

Dizia-me a minha avó muitas vezes: «estás a ver, a ser rico custa muito, mas ser riquíssimo não custa nada, um dinheiro ganha outro».

Muitas vezes tenho pensado nisto, eu era criança, para mim parecia-me um conto de fadas, mas, passados estes anos todos, penso para comigo mesmo: “Como é que uma pessoa que não sabia ler sabia que o dinheiro ganhava dinheiro”. Hoje todos nós sabemos isso, naquele tempo nem todas as pessoas pensavam assim.

Além do contrabando, o sr. António (do Ofro) dedicava-se também ao câmbio de moeda. O senhor a quem ele confiou algumas destas tarefas chamava-se Aniceto Pires, e deslocava-se muito longe a levar e trazer moeda, bem como contrabando.

Ainda fui algumas vezes com ele levar meadas de arame, arados, sulfato e máquinas de sulfatar.

Normalmente, íamos de manhã cedo. Antes de sair, o Niceto rezava os responsos de Santo António. Se não se enganasse a rezar, dizia que tudo ia correr bem, se, por acaso, se enganava dizia que era melhor não ir, que ia correr mal. Se mesmo assim ia trocava constantemente de caminho ou carreiro.

 

Era este responso que ele e muita gente rezavam:

 

Santo António de Lisboa                        E três vezes chamou

Em Lisboa nasceste                                António! António! António!

Em Pádua morreste.                                E  três coisas te pediu,

No púlpito que o Senhor pregou            Que o perdido fosse achado,

Também vós pregaste                             O esquecido lembrado

Indo pelo caminho                                  E o morto ressuscitado.

Perdeste o breviário

Jesus Cristo vo-lo encontrou

                                                   Maria de Jesus Marques – Pousadas

 

Melgaço, Minha Terra – Minha Gente

Histórias de um Marinheiro

José Joaquim da Ribeira

Edição: Câmara Municipal de Melgaço

             José Joaquim da Ribeira

2006

pp. 130, 131, 132

 

DOS MUSEUS DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 01.12.18

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museu do contrabando

 

A MEMÓRIA COMO PATRIMÓNIO: DA NARRATIVA À IMAGEM

 

  O município de Melgaço, em alternativa à criação de um único espaço museológico, tem optado pela criação de uma rede de pequenos museus. O núcleo museológico da Torre de Menagem e as Ruínas Arqueológicas da Praça da República têm, também eles, uma evidente conotação histórica, mas o «Espaço Memória e Fronteira» é o único que procura fazer uma ponte com o presente, isto é, que procura dar sentido e conteúdo à memória colectiva através da construção de uma narrativa em que a comunidade pode e deve rever-se. A junção do contrabando e da emigração no mesmo espaço físico e em semelhantes balizas expressivas faz por isso todo o sentido. Não só pela permeabilidade entre as duas actividades – em lugares de fronteira a emigração incrementa-se não tanto pela diminuição do contrabando mas pelas transformações internas da actividade – mas também porque congregam tópicos discursivos convergentes. As ideias de travessia, de clandestinidade, de enfrentamento dos perigos e da luta pela sobrevivência e melhoria das condições de vida para a família, contam-se entre esses tópicos.

 

Luís Cunha

Universidade do Minho, CRIA

2010

 

DO SUBLIME AO GROTESCO

melgaçodomonteàribeira, 17.11.18

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NOITE FECHADA

 

Noite densa povoa horizontes

Regresso à pacatez da minha cela…

Inspiro-me de novo à luz da vela

E sonho com vales assombrados;

Bebo água que jorra das nascentes,

E ganho mais abrigo nas correntes;

Desço pelos negros altos montes…

Desapareço…

Sinto passos, vejo cães enfeitiçados;

Salto rios, salto abismos, salto pontes…

E adormeço.

 

 

DO SUBLIME AO GROTESCO

                     Poesias

João Vilas

Ancorensis – Cooperativa de Ensino, C.R.L.

Vila Praia de Âncora

2000

p. 20

 

JOÃO MANUEL VILAS nasceu em Melgaço, na freguesia da Vila, em 25/11/1960. Licenciado em Humanísticas, pela Faculdade Filosofia de Braga, é professor de Português na Ancorensis – Cooperativa de Ensino, desde o ano lectivo 1987/88, depois de ter passado por outras escolas: Preparatória de Caldas de Vizela, Secundária de Arcozelo (Barcelos) e Santa Maria Maior (Viana do Castelo).

Há muitos anos que desenvolve o seu gosto pessoal na área do Teatro e da Poesia, tendo participado em inúmeros espectáculos – como actor e animador – e em Momentos de Poesia, dinamizando e declamando.

Co-responsável da Revista Letras de Âncora (Ancorensis – Coop. De Ensino), desde a primeira publicação.

 

PARADA DO MONTE

melgaçodomonteàribeira, 15.09.18

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vestuário de parada do monte

 

PARADA DO MONTE

 

Num edifício construído de raiz e dotado das condições necessárias, poder-se-iam guardar exemplares dos instrumentos utilizados no fabrico da lã (sarilho, dobadoura, carda, urdidor, tear, etc.), as alfaias, os carros de transporte, as louças e mobiliário, as peças de trajo antigo, as mantas e bordados, utensílios do pastor, a croça, etc., etc. A não ser feita esta recolha com urgência, em pouco tempo nada restará dos elementos materiais de uma cultura com características próprias revelando um viver marcado pelo trabalho do campo e o pastoreio na serra envolvente.

Entre esses elementos destaca-se o trajo antigo.

Parada do Monte, no vestuário, procurou adaptar-se às condicionantes do clima pela utilização de fibras naturais que lhe proporcionavam a maior resistência aos frios rigorosos e humidade. As cores em tons escuros exemplificam a necessidade de absorver calor quando o corpo estava em repouso ou deslocando-se lentamente, enquanto que as camisas brancas do trabalho ajudavam a reflectir a incidência da luz solar minimizando o efeito térmico sobre o tronco.

As mulheres de Parada vestiam uma saia comprida, camisa branca com mangas, colete e corpete. No tempo frio agasalhavam-se com a ‘curbata’, género de xaile que depois de cruzado sobre o peito se atava nas costas. Sobre a cabeça e ombros colocavam o ‘mandil’ feito em tecido de lã que, em tamanho mais pequeno, servia de avental. Normalmente cobriam a cabeça com um “lenço chinês” ou de murino. Nas pernas usavam meias simples, não rendadas e calçavam ‘soques’ com cobertura em couro fixa por tachas à base em pau. Em tempo de chuva cobriam os joelhos e pernas com polainas em burel ou em couro.

Para fazer as meias empregava-se agulhas de ferro com a extremidade em ‘aspita’ (barbela), pequeno gancho golpeado de forma a poder puxar o fio (de lã ou de algodão) e assim obter a malha.

 O homem usava calças feitas no tear, camisa em linho, colete e casaco. Protegia-se também com polainas e calçava sapatos cardados quando havia festas e tamancos no trabalho. Para o pastoreio e no Inverno cobria-se com a croça em junco.

 

 

PARADA DO MONTE, História e Património

Antero Leite

Mª Antónia Cardoso Leite

 

http://acer-pt.org

 

 

DAVID DE CARVALHO (30-11-1955 – 10-9-2018)

 

 

David de Carvalho nasceu em Parada do Monte.

Em Melgaço fundou o conjunto Gaudeamus.

Era colaborador do blog Melgaço, do Monte à Ribeira.

Era editor do blog Melgaço do Passado e do Presente.

Mais uma grande perda da cultura melgacense.

 

Um dia lá nos encontraremos irmão.

 

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david de carvalho

 

O CHOCOLATE DA NOIVA

melgaçodomonteàribeira, 02.06.18

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igreja do facho  cristóval

 

O CARVALHO DA IGREJA

 

Não posso deixar de falar sobre o Carvalho da Igreja que se encontrava à margem de estrada naquele pequeno recinto onde hoje se encontra o fontanário.

Não me lembre de ter visto outro carvalho de porte igual ou semelhante. Devia ter mais de um metro de diâmetro.

Era neste secular carvalho, que se encontrava à margem da estrada, que se afixavam os avisos. Fazia de vitrina informativa local.

Tal como nós, as árvores também têm o seu ciclo de vida, também morrem. Apenas como ponto de referência para muitos encontros.

Há cerca de cinquenta anos, quando os namorados resolviam casar, iam ter com o padre para dar andamento aos papéis para o seu casamento.

O padre, cumprindo todas as formalidades, dava início ao processo do casamento. Na posse de todos os dados de identificação dos nubentes, durante duas ou três semanas, na missa dominical, tornava público o casamento dos nubentes. Simultaneamente, advertia os ouvintes que caso tivessem conhecimento de algum motivo fundamentado que levasse ao impedimento do casamento tinham o dever moral de o informar.

Além disso, era afixado aviso na porta da igreja ou no dito «Carvalho». Após tornado público, o casamento dos nubentes passava a ser notícia local. A partir daí, era costume as pessoas dizerem, fulano e fulana, é verdade que vão casar, já têm «os banhos a correr na igreja». Se, durante o período que decorriam os banhos, não surgisse nenhum impedimento fundamentado, o casamento realizava-se, caso contrário era impedido.

O motivo mais fundamentado eram as queixas de outra rapariga dizendo ter sido enganada pelo nubente. Ou então acusando a nubente de má conduta moral, não reunindo condições de dignidade para ser uma mulher casada.

Entre outros motivos, eram estes os mais fortes, aqueles que normalmente levavam a Santa Igreja ao impedimento de alguns casamentos.

Acerca dos casamentos que outrora se realizavam nas nossas aldeias não posso deixar de realçar uma tradição muito antiga que se perdeu no tempo.

Há cinquenta anos atrás, até meados do século XX, a boda do casamento era feita na casa dos pais da noiva para todos os convidados, hoje em dia os banquetes são feitos em restaurantes.

Quando corria a notícia que uma rapariga ia casar, as pessoas perguntavam-lhe:

- Então vais-nos dar o chocolate?

À qual a suposta noiva respondia afirmativamente ou não.

Assim para manter uma prática muito antiga, era costume na dia da boda de manhã, ao pequeno almoço, dar chocolate acompanhado com doces a todos os convivas. Para os não convidados do lugar e vizinhos mais próximos, as cozinheiras e suas ajudantes transportavam na mão cafeteiras com chocolate e doces numa cesta ou açafate, fazendo a distribuição porta a porta.

Assim se vão perdendo a pouco e pouco as tradições e costumes das nossas aldeias.

 

Melgaço, Minha Terra – Minha Gente

Histórias de um Marinheiro

José Joaquim da Ribeira

Edição: Câmara Municipal de Melgaço

              José Joaquim da Ribeira

2006

pp. 57, 58