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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, NOIVOS EM 1745

melgaçodomonteàribeira, 10.10.15

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S. Gregório, início do século XX

 

JERÓNIMO RIBEIRO

 

Capitão, cavaleiro professo da Ordem de Cristo e Fidalgo da Casa Real. Casou com D. Guiomar Nunes de Figueiredo, irmã do Rev.º P.e José Gonçalves de Figueiredo, abade de Cristoval e filho de António Gonçalves de Figueiredo e mulher Maria Rodrigues, assistentes nesta freguesia desde os tempos de seu filho P.e Domingos, mas oriundos de Moselos no termo de Paredes de Coura.

A noiva foi dotada pelo irmão e pela mãe em doze mil cruzados, incluindo-se nesta quantia a legítima da moça mas ainda a deixa do já referido P.e Domingos Gonçalves de Figueiredo, que também fora o abade de Cristoval e o terço deixado pelo pai quer em móveis quer em bens de raiz.

Mas aquele seu irmão P.e José forçou a nota do amor fraternal ao dotá-lo ainda com mais três mil cruzados a pagar dentro de seis anos à razão de duzentos mil réis cada um e ao prometer-lhe reservar apenas duzentos e quarenta mil réis para o bem de alma e deixar-lhe tudo o mais quando Deus o levasse deste mundo.

Além disto permitia aos noivos viverem na residência conjuntamente com ele e em tal caso lhes dava dois criados, uma criada e um cavalo, tudo sustentado à sua custa e por ele pago; no entanto se em casa separada preferissem morar, então só lhe faria estas franquezas passados os seis anos em que estava obrigado ao pagamento dos três mil cruzados.

E, afora tudo isto, anualmente lhes daria cem mil réis para os ajudar a suportar a carga do matrimónio.

E se tão liberalmente dotava a sua irmã era

«por o beneficio e abadia de que é abade ser de bastante rendimento, que passa de tresentos mil réis, alem dos passais com o qual se pode sustentar muito bem, conforme sua pessoa, sem prejuízo do dote que faz a sua irmã dos bens do património e dos mais que tem adquirido. Os passais e a renda do seu beneficio rendiam um por outro quinhentos mil réis».

Nesta altura da vida ainda o abade de Cristoval estava livre das peias, que mais tarde lhe poderiam ter tolhido os últimos movimentos do altruísmo, se lhe não tivesse sido dado o sacudi-las de cima de suas costas por esta escritura de 27 de Junho de 1745:

«que elle por fragelidade humana houvera de Maria Souto, solteira, filha de Francisco do Souto já defunto e de sua mulher Antonia Pires, do lugar do Ranhado desta mesma freguezia coatro filhos por nome Jeronimo, Agostinho, Narcizo e Francisco a quem por direito devia dar estado de casados para descargo de sua consciência e como a dita Maria do Souto se achava contratada para haver de se selebrar o dito sacramento de matrimónio com Manuel Marques, filho de Domingos Marques, do lugar de Sobreiro, desta dita freguezia e para haver de sustentar as cargas do matrimónio com a dita Maria do Souto lhe dava e dotava de hoie para todo o sempre jamais a coantia de carenta moedas cada huma de coatro mil e oitocentos reis a coal coantia lhe dará dentro de dois Annos depois do feitio desta, a saber vinte moedas em cada hum Anno e com a condiçam que os ditos coatro filhos os coais alimentara também com o dote que elle reverendo Autorgante dotava e com esta obrigação he que lhe fas o dito dote the o tempo em que elles seião capazes em idade para tomarem estados ou officios os coais estados ficão por conta delle reverendo Autorgante».

 

Os noivos viveram em Cristoval e aí faleceu o capitão Jerónimo Ribeiro em 1745, indo a Confraria da Misericórdia assistir-lhe aos funerais e dar seu corpo à sepultura.

 

O MEU LIVRO DAS GERAÇÕES MELGACENSES

Volume I

Edição da Nora do Autor

Melgaço

1989

pp. 504-505

 

PASSEI MUITA FOME E MISÉRIA...

melgaçodomonteàribeira, 15.07.15

Minho desde a estrada de Fiães

 

SAPATOS DE FOLHAS DE FIGUEIRA


Nasci a 29 de Outubro de 1921. Quando vim ao mundo, tinha já 4 irmãos, sou, portanto, a mais nova.
A minha mãe era padeira e peixeira, o meu pai nunca quis saber de nós, foi para o Brasil.
Para ajudar a minha mãe fomos trabalhar todos para ganhar o nosso sustento.
Atravessei muitas vezes o rio para ir buscar coisas a Espanha e, posteriormente, vender em Portugal. Muitas vezes fugi aos carabineiros e à guarda portuguesa que não permitiam o contrabando.
Os meus sapatos eram folhas de figueira, passei muita fome e miséria.
Nunca fui à escola, nunca tive condições, tínhamos que cuidar do gado, granjear as terras, trabalhávamos de sol a sol.
No entanto, também havia momentos de lazer. Depois de um longo dia de trabalho, íamos aos bailaricos para dançarmos, conversarmos e namorarmos.
Lembro-me de um dia em que estava preparada para ir a um baile, tendo dois rapazes à minha espera e a minha mãe viu-os e já não me deixou sair fechando-me em casa. Chorei a noite toda.
Um dia, num baile, conheci um rapaz muito bonito e simpático, começamos a namorar. Mais tarde, como nos dávamos muito bem, casamos.
Ele entretanto foi para a tropa e eu fiquei a viver com a minha mãe. Nesta altura já estava grávida. Tive uma linda menina.
Passado algum tempo a avó do meu marido adoeceu e, como a minha sogra era feirante e nunca estava em casa, fui eu tomar conta dela. Estive lá três anos. Durante este período de tempo o meu marido adoeceu e esteve a tratar-se no Caramulo.
Entretanto, o meu marido ficou bem e depois de muito trabalharmos conseguimos comprar casa.
A minha filha casou e está a viver em Afife. O meu marido faleceu, o que me deixou muito triste.
A minha única consolação é o meu genro, minha filha e neta.


Júlia de Lurdes Fernandes – Casais – Cristóval


Retalhos de Vidas


Edição: Câmara Municipal de Melgaço


Outubro 2002


Pág. 16