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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

CONTRABANDO NO CONCELHO DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 18.11.23

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TIPO E PRODUTOS CONTRABANDEADOS EM MELGAÇO

 

DEPOIMENTOS

“De um modo geral, aquele contrabando, que a gente chama contrabando mais visível, eram os homens que o faziam, era contrabando, por exemplo, de prata, do ouro, do cobre, de tripa, de sabão, isso implicava carga, risco, noite e ligação com os guardas e tudo. Esse, normalmente, eram os homens que o faziam. Se tu quiseres, o contrabando vinha de baixo, às vezes vinha de longe, às vezes vinha de Lisboa e havia as cargas, haviam poucos camiões, portanto, eram sempre dois ou três que andavam nisso, não havia mais e, as pessoas, punham-se em determinado sítio à espera que chegasse um camião, para fazer a descarga, fazer a descarga era pegar nas coisas e levá-las à Espanha, não é? Esse, eram sempre homens, sobretudo homens. As mulheres faziam outro tipo de contrabando, que era um contrabando mais de galinhas, de ovos e essas coisas todas assim, que acabava por ser um contrabando mais arriscado do que o outro, sabes porquê? Porque o outro contrabando, normalmente, estava almofadado, isto é, os guardas… eram coniventes. Recebiam um tanto por atravessar, recebiam outro tanto ao mês. De uma maneira ou de outra. Portanto, era mais almofadado. Quando os guardas apanhavam alguém lá com os ovos, com as galinhas, ou com nada, aí é que exerciam a autoridade toda e tu podias ter circunstâncias em que, uma mulher, por estar a passar ovos, ir para a cadeia, por exemplo.” (A. Gonçalves)

 

“Eu mesmo, quando vinha cá à terra, ia buscar as coisas à Espanha. Eu não estive envolvido no contrabando, mas estava bem ocorrente de como funcionava o contrabando, porque isso era o florão da nossa terra. Era um passar em contrabando de coisas importantes para Espanha e da Espanha para Portugal. De Portugal para a Espanha, era sobretudo o café, adepois, o cobre, o ouro, o volfrâmio, que nós tivemos aqui, uma coisa importante em Castro Laboreiro foi o volfrâmio. Eu sei que o meu pai e uma tia minha trabalharam lá, foi mesmo difícil, você imagine que iam daqui para Castro Laboreiro para trabalhar e ficavam lá, sabe Deus a dormir como, na estação do volfrâmio.” (António, Paderne)

 

A FRONTEIRA ENQUANTO ESPAÇO DE PARTILHA IDENTITÁRIA, CULTURAL E LINGUÍSTICA: UM ESTUDO INTERPRETATIVO DA ZONA RAIANA DE MELGAÇO

MARIA SALOMÉ ALVES DIAS

UNIVERSIDADE DO MINHO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

OUTUBRO 2017

CONTRABANDO DE CAFÉ EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 04.06.22

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castreja - 1907

CONTRABANDO EM CASTRO LABOREIRO

 

Comecemos pelo tabaco e com o exemplo de Castro Laboreiro, precisamente para o período dos finais dos anos sessenta e durante toda a década de setenta, época identificada por um movimento intenso em direcção a Espanha.

Transportado para a costa em pequenos barcos, que em autêntica cabotagem, o distribuíam pelo litoral e, em situações particulares, nas próprias margens do rio Minho. Uma vez recolhido nos camiões, que circulavam em vias pouco frequentadas, em terra batida, transpunham Melgaço, para através do vale do Trancoso atingirem Castro Laboreiro, onde as mulas o transportavam a vários sítios da fronteira em direcção a Espanha.

Se o comércio do tabaco adquiriu notoriedade, nomeadamente, no planalto castrejo, o movimento de maior impacto teria sido, sem sombra para dúvidas, o relacionado com a transacção do café, cuja importação, desde sempre, foi dificultada pelas autoridades espanholas.

Embora o fluxo fosse intenso e sensivelmente constante, a travessia do limiar político era efectuado, sempre a pé, em pequenas quantidades, pois o cheiro activo que exarava traía o processo mais suis generis utilizado pelo transportador.

Mas, quando na década de sessenta a torrefacção passou a efectuar-se em localidades espanholas, como Ourense, iniciou-se um novo ciclo, em virtude do café em cru, ou seja, não torrificado, não exarar cheiro e, portanto, ser muito mais fácil iludir as autoridades fiscais.

Este facto coincide com o aumento da produção em Angola e a abertura de novos acessos, principalmente em Espanha, pelo que, se por um lado, os “passadores” a título individual proliferaram, por outro, implementaram-se novos esquemas, com o predomínio dos “patrões locais”, que em coordenação com os principais gestores sediados em Lisboa e em Ourense, faziam chegar à fronteira camiões de grande porte carregados com toneladas do produto, que se armazenava, enquanto se aguardava pelos momentos mais oportunos para que grupos de homens, lusos e espanhóis, a pé, fizessem o seu transporte, através da fronteira em direcção ao país vizinho.

O negócio do café envolveu a grande maioria dos limianos de raia, pelo que desde as mulheres e homens galegos e lusos, a título individual, ou, debaixo de ordens do “patrão”, aos donos de tendas, que acompanhavam as suas mulas e os seus homens, quer até aos marcos da fronteira, quer até aos comércios, ou, então, aos bandos de homens oriundos de Xinzo de Limia e Celanova que, durante anos, a pé, transportaram muitos milhares de toneladas, incrementando-se, assim, um fluxo que se iniciava na região de Lisboa, para terminar nas torrefacções espanholas, ou, talvez melhor, no consumidor individual.

 

LIMA INTERNACIONAL: PAISAGENS E ESPAÇOS DE FRONTEIRA

Volume I

Elza Maria Gonçalves Rodrigues de Carvalho

Tese de Doutoramento em Geografia

Ramo de Geografia Humana

Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

Julho de 2006