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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O PELOURINHO

melgaçodomonteàribeira, 14.12.24

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REFUGIADOS EM PORTUGAL. REPRESSÃO E CONTROLO NO CONTEXTO DA

GUERRA CIVIL DE ESPANHA (1936-1939)

Nos últimos dias de agosto de 1936 desenvolveu-se uma operação policial na região de Castro Laboreiro (Melgaço) para se verificar a veracidade das informações recebidas sobre a incursão de espanhóis armados nessa região. Esta operação foi conduzida pelo comandante do posto da GNR de Melgaço, que, seguindo as ordens superiormente recebidas, organizou uma patrulha constituída por 1 cabo e 3 soldados que, com o apoio de 1 guia, se dirigiu para Castro Laboreiro. No seguimento de algumas diligências, as autoridades portuguesas concluíram que as suspeitas relativamente à entrada de refugiados armados nesta região se prendera com a vinda de espanhóis em perseguição de compatriotas fugidos que, por desconhecimento, haviam transposto a linha fronteiriça, pretendendo proceder à captura desses indivíduos e não fazer buscas domiciliárias e ameaçar os habitantes locais.

A região de Castro Laboreiro foi especialmente intensa em termos de batidas policiais, o que se justifica pelo facto de ter sido bastante procurada pelos fugitivos espanhóis, dada a sua proximidade geográfica com Espanha. Nos inícios de setembro de 1936 o comandante da secção da GF de Melgaço chamava a atenção para a realização de batidas na região, uma vez que se suspeitava que aí se encontravam escondidos bastantes comunistas espanhóis. No entanto, tal tarefa não se revelava fácil de concretizar, uma vez que era praticamente impossível capturar refugiados numa região montanhosa como Castro Laboreiro, dado que estes escondiam-se em lugares muito distantes da fiscalização, onde os habitantes locais lhes prestavam auxílio. A acrescentar a esta dificuldade havia o facto de a fiscalização dos postos ser desempenhada por apenas 3 praças, os quais, em virtude da extensa área que tinham a seu cargo, obtinham escassos resultados. Como possível solução para este problema, o comandante da secção de GF de Melgaço sugeria que o destacamento de praças da GNR que se encontrava nessa localidade fosse transferido para Castro Laboreiro, onde se encontravam mais espanhóis refugiados. Não obstante o emprego de diversos meios materiais e humanos na realização destas operações, muitas vezes os resultados conseguidos através das mesmas foram nulos, uma vez que não se capturava qualquer refugiado.

Fábio Alexandre Faria

Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL)

 

O TRAJO DE CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 16.11.24

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O TRAJO DE CASTRO LABOREIRO

Maria Antónia M. Cardoso Leite

Antero Leite

Em carta datada de 26 de setembro de 1791, Dom Frei Caetano Brandão descrevia assim o traje das mulheres de Castro Laboreiro: Não há coisa mais fêa que o (uniforme) do sexo feminino; huma manta de Çaragoça dobrada na cabeça descendo da parte de diante até ao peito muito cozida com o rosto; de trás quasi até ao chão; hum avental da mesma, ou mantéo, sem género de refego, nem prega, polainas de panno branco, e huns tamancos muito altos, atados com diferentes corrêas; he o vestido geral de todas.

A esta fealdade no trajar, Dom Frei Caetano Brandão acrescentou liminarmente a sua apreciação sobre os rostos das castrejas: as caras são de tapuyas tostadas e disformes.

No ‘Minho Pitoresco’, cerca de um século depois, José Augusto Vieira exprimia uma opinião diferente ao afirmar a castreja com quem conversamos, assim como todas as que se relacionaram comnosco, de tracto afável e simples, modesta e com uma physionomia expressiva. Em todas encontramos uma regularidade de traços, formando um conjunto agradável e sympathico.

As peças mais originais do costume, ou trajo, que vestiam eram: a mantela, espécie de lenço para a cabeça, o collete, o manteo largo deitado desde os hombros até aos joelhos, as piugas e os tamancos que dão à castreja a pequenez do pé, como acontece na China com os borzeguins das altas damas. Chamam-lhes na linguagem local «alabardeiros».

Alguns anos depois, em 1904, Leite de Vasconcellos e o Abade de Melgaço, José Domingues, empreendem uma excursão a Castro Laboreiro montados em mulas e acompanhados de duas mocetonas, calçadas de grossos çoques (i.é, çocos ou socos), e com polainas de branqueta.

Quando chegaram a Castro Laboreiro era dia de feira e o etnógrafo observou “muitos homens juntos: apresentavam-se geralmente de cara rapada, vestidos de çaragoça (jaqueta, calças e collete), traziam chapéus de panno ou carapuça e varapau. Mulheres, por ser de gado a feira, não andavam lá muitas. O trajo ordinário d’ellas é: camisa, faxa vermelha; collete; jaqueta; saia branca; saiote; saia de cor, quási sempre preta, feita de foloado «panno de lã ou linho» que se fabrica em Castro; mandil, singuidalho, do mesmo ou de outro panno; na cabeça capella, que pode ser substituída por lenço; nas pernas calções e piúcas, meias sem pés, que se prendem com uma liga ou baraça; e nos pés chancas. (…) No Inverno, tanto homens como mulheres, se abrigam das neves, chuvas e friagens com o corucho, espécie de capuz de borel que se traz na cabeça, e tem uma espécie de aba que se prolonga pelas costas abaixo.

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AUTORIDADES EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 02.11.24

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marco 51 na ameijoeira  .  castro laboreiro

OPERAÇÕES POLICIAIS PARA CAPTURA DE REFUGIADOS EM

CASTRO LABOREIRO

Sempre que existiam suspeitas de que espanhóis tinham entrado em território português, as autoridades agiam no sentido de verificar a sua veracidade. Foi o que aconteceu no caso das informações recebidas sobre as incursões de espanhóis armados em Castro Laboreiro no final de agosto de 1936. No seguimento destas informações, o comandante do posto da GNR de Melgaço recebeu ordens para organizar uma patrulha para se dirigir a Castro Laboreiro, com a missão de verificar se tinha ocorrido a entrada de espanhóis armados na zona e se estes haviam procedido a buscas nas casas da população local, concluindo-se que tal não se verificara. Esta operação colocou em evidência um dos principais problemas que as autoridades tinham de enfrentar, o difícil acesso em virtude do terreno acidentado e montanhoso.

Podemos colocar algumas hipóteses a partir deste facto: que efetivamente circulavam poucos refugiados na região ou que os refugiados que se encontravam naquela área estavam bem escondidos das autoridades policiais. Devemos também ter em consideração que, com esta afirmação, o oficial português pretenderia querer demonstrar que a vigilância na região era feita de forma eficaz, o que poderia não corresponder totalmente à verdade. Com efeito, a presença de refugiados espanhóis em Castro Laboreiro parece ter sido significativa. Só para o primeiro semestre de duração do conflito espanhol, Ángel Rodríguez Gallardo, baseando-se em testemunhos orais, refere a presença de 480 refugiados na freguesia (Rodríguez Gallardo 2003: 641).

Estas batidas realizaram-se também ao longo de 1937 e 1938, e mesmo após o conflito. Em junho de 1938 era apresentado um relatório por parte do capitão Luís Gonzaga da Silva Domingues relativamente a uma expedição realizada na Serra da Peneda, localizada no Nordeste do distrito de Viana do Castelo, que contou com a participação de elementos da GF da Ameijoeira e de civis para servirem de guias e demonstrou algumas das dificuldades encontradas, nomeadamente maus caminhos, piso irregular e pedregoso, montes e vales com subidas e descidas íngremes.

Este operacional não considerava que existissem refugiados em grande número em Castro Laboreiro, e muito menos que eles tivessem na sua posse grandes armas, admitindo que os que andavam pela região encontravam-se isolados ou em pequenos grupos, abrigando-se em lugares incertos e sustentando-se à custa do que a população local lhes dava, por uma questão humanitária, por receio ou ainda a troco de dinheiro que, eventualmente, os refugiados pudessem possuir, situação favorecida pelo isolamento da região, evidenciando problemas como a carência de estradas e de recursos humanos e materiais.

Os relatórios e ofícios das forças policiais portuguesas atestam a presença de refugiados espanhóis na região de Castro Laboreiro e demonstram que, apesar dos esforços desenvolvidos pelas autoridades, muitos conseguiram escapar à repressão operada pelo regime salazarista. Em sentido contrário, inúmeros refugiados acabaram capturados pelas autoridades portuguesas, levados para as prisões e, posteriormente, expulsos do país.

A 25 de setembro de 1936 existiam 496 espanhóis detidos em Portugal, encontrando-se mais de metade concentrada no Forte de Caxias, o que se justifica pelo facto de ter sido durante o primeiro trimestre da Guerra Civil de Espanha que se registou a entrada de um maior número de espanhóis no país, sobretudo após a conquista nacionalista de Badajoz, como já documentou César de Oliveira (Oliveira 1987). (…) O desenvolvimento do conflito espanhol teve uma influência direta no crescimento do número de espanhóis detidos em Portugal. De acordo com o Registo Geral de Presos, em 1935 o número de espanhóis presos em território nacional não ultrapassava os 40 indivíduos, realidade que se manteve ao longo do primeiro semestre do ano seguinte, quando, até se iniciar a guerra civil, foram capturados cerca de 30 espanhóis.

REFUGIADOS ESPANHÓIS EM CASTRO LABOREIRO (1936-1939)

Fábio Alexandre Faria

Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

Maria João Vaz

Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

 

MELGAÇO, HISTÓRIAS DE VIDA I

melgaçodomonteàribeira, 21.09.24

935 b Castro Laboreiro - Perto do Ribeiro de Baixo

montes laboreiro

OS PATRIMÓNIOS ALIMENTARES NAS ROTAS DO CONTRABANDO

Lídia Aguiar

Rosalina, pacatamente, fazia renda na biblioteca de Castro Laboreiro. Com 77 anos, para lá se desloca nos dias frios de inverno, já que em sua opinião, aí está mais quentinha. Fez questão de dar o seu testemunho, frisando bem que nunca foi contrabandista, embora, como todos os habitantes desta freguesia, foi muitas vezes às compras a Espanha, tendo por isso sido vítima da violência dos guardas, principalmente dos carabineiros. Sublinhou que quando ia nunca retornava pelo mesmo caminho. Era uma questão de segurança, a guarda podia ter visto ela a passar para Espanha e aguardar o seu regresso. Deste modo, quando encetava a volta a Castro Laboreiro escolhia um caminho alternativo.

Eu nunca fui contrabandista pois tinha muito que fazer nos campos e que tratar do gado. Mas claro que ia a Espanha comprar umas coisitas que nós procurávamos sempre o mais barato. Lembro-me bem do azeite, que era mais óleo, aquilo até era branco, mas era barato. Lá íamos então ao Pereiro, à Luísa, vinha em latas de 5l, se nos apanhavam tiravam-nos as coisitas e os guardas espanhóis ainda nos batiam.

(Rosalina Fernandes – Castro Laboreiro – 20-10-2013)

A D. Rosalina indica-nos que nunca entrou em grandes rotas de contrabando. Praticou o ato para sustento da sua própria família. Era hábito as mulheres juntarem-se em grupo, para mais facilmente se furtarem ao controlo das autoridades das fronteiras.

Isolina da Luz, também abrigada do frio na biblioteca de Castro Laboreiro, entra na conversa:

Eu só trabalhei no do gado e mais tarde no das bananas. Mas sei de quem trabalhasse com contrabando de azeite, farinha, milho, ovos (os ovos iam para Espanha em saias especiais que as mulheres vestiam e disfarçavam na sua roupa). Outro contrabando forte foi o do café, esse ia em mulas até à fronteira e depois os galegos vinham busca-lo. De noite eram umas 4h a andar. E também ia dinheiro, muitas vezes escondido nas tranças do cabelo ou na roda das saias. Também fui muitas vezes às compras a Espanha. Mas aí tinha de vir tudo muito bem escondido e havia que escolher bem os carreiros que usar. Era bem difícil. Os guardas, quer os portugueses quer os espanhóis se nos apanhavam tiravam-nos tudo. Mas valia a pena ir lá comprar, pois era tudo muito mais barato.

(Isolina da Luz – Castro Laboreiro – 20-10-2013)

É com D. Isolina que temos acesso a indicações sobre o contrabando alimentar mais antigo e que mais perdurou na fronteira luso-espanhola: o café. Ela descreve a primeira fase deste tráfico, feito por mulheres, dissimulado em coletes costurados de forma especial, vestidos como de roupa íntima se tratasse. Quanto aos ovos disfarçados na roupa, referia-se Isolina a saias rodadas com sacos disfarçados de pregas, onde enfiavam ovo por ovo, até ao máximo de 5 ovos em altura. No que se refere ao café em maiores quantidades, como se verá posteriormente, o primeiro transporte utilizado foram as mulas.

Dada a dificuldade em breve os próprios galegos se deslocavam através do rio Trancoso e o levavam às costas:

No tempo da guerra ia para Espanha muito amendoim, açúcar e café. O meu pai é que foi do tempo mais antigo. Ele sim, fez contrabando de café para Espanha. Lembro-me que vinha muita gente buscar o café e de muito longe, até de Cortegada. Faziam com o saco de café cru, uma mochila para pôr aos ombros, mas tinham muito medo dos carabineiros e dos guardas portugueses também, que naquela altura os guardas eram muito maus. Também levavam do café já embalado, era o Café Sical. Mas por aqui passava muita coisa, que depois da guerra havia falta de tudo em Espanha. Chegou a vir gente de Vigo, eles tinham de procurar pela vida. Quando a vida em Espanha começou a melhorar, então também passou a vir mercadorias de lá. Lembro-me das uvas passas e do bacalhau no Natal. Aqui toda a gente passou a andar nisto, era a única sobrevivência. Mas valha-me Deus, muitos morreram no rio, que às vezes ia alto e as batelas eram fraquinhas e viravam. A carne também se ia lá buscar. É verdade, que vinha muito gado para cá, mas era velho, que o nosso gado novo, esse ia para lá. Isso sei eu bem, que o meu marido ainda andou a ajudar a passar alguns. Então toda esta zona ia lá comprar a carne, mas era contrabando. Até o pão era um problema. Aqui em Cevide não chegava o padeiro, apesar de isto ser muito povoado, não era como agora que a menina vê. Do outro lado do regato havia uma loja que vendia e nós chamávamos a senhora para nos trazer o pão. Atirávamos uma guita e ela amarrava e mandava assim pendurado por cima do regato. Mas os guardas quando viam a guita logo a atiravam ao regato. Por vezes, já estávamos tão habituadas que ela nos atirava mesmo por cima do regato. Mas então, estávamos condenados a não comer pão? É que ir a Melgaço era muito longe e não havia transportes.

Glória Pires – Cevide – 23-1-2014

   laguiar@iscet.pt

Revista Turismo & Desenvolvimento

Nº 33

2020

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fronteira de amenjoeira - castro laboreiro

 

 

FRONTEIRA E VIGILÂNCIA NO TEMPO DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA

melgaçodomonteàribeira, 14.09.24

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lámina - desenho de conde corbal

REFUGIADOS EM PORTUGAL. FRONTEIRA E VIGILÂNCIA NO TEMPO

DA GUERRA CIVIL EM ESPANHA (1936 – 1939)

Fábio Alexandre Faria

No distrito de Viana do Castelo a situação apresentava-se mais complicada, sendo constantes os pedidos e as ações de reforço dos postos fronteiriços de vigilância. A 31 de julho de 1936, o Comandante da PSP de Viana do Castelo, Tenente Francisco Pimenta da Gama, comunicava ao comando geral que, em consequência do grande movimento de pessoas na fronteira, resultante do ataque franquista à cidade de Tuy, havia deslocado 22 guardas e um graduado para reforçar os postos fronteiriços da Polícia Internacional e da Guarda Fiscal. Já o governador civil desse distrito, Tomás Fragoso, requeria ao ministro do Interior que fosse reforçado o posto da GNR de Melgaço devido ao facto de se ter registado a entrada por Castro Laboreiro de espanhóis armados que procuravam localizar os adversários políticos que se tinham refugiado em Portugal.

Esta região parece ter sido uma das mais complicadas de vigiar, sobretudo devido ao terreno acidentado e montanhoso. Em finais de agosto de 1936, foi nomeada uma patrulha com a particular missão de investigar se as casas dos habitantes de Castro Laboreiro estavam a ser alvo de buscas por parte de espanhóis armados, concluindo-se que estes eventualmente teriam entrado em Portugal perseguindo algum fugitivo e não para alterar a ordem pública por meio de buscas domiciliárias e ameaças. Segundo este ofício, foram detidos, na mesma altura, quatro cidadãos que estavam escondidos na região de Castro Laboreiro e o chefe da Polícia Internacional de S. Gregório multou os portugueses que tinham acolhido os refugiados, considerando que o fizeram por amizade e não por identificação política.

Para colmatar as dificuldades existentes nesta zona, a PVDE considerava que a reduzida fiscalização dos postos, geralmente levada a cabo por apenas três praças, só melhoraria com um forte reforço, dada a grande extensão da área, e que o destacamento de praças da GNR deveria ser deslocado de São Gregório para Castro Laboreiro de forma a garantir uma fiscalização mais eficaz.

REVISTA PORTUGUESA DE HISTÓRIA 48

Margarida Sobral Neto

Imprensa da Universidade de Coimbra

2017

pp.82-83

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castro laboreiro

 

À DESCOBERTA DE CASTRO LABOREIRO E SUAS GENTES

melgaçodomonteàribeira, 31.08.24

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FICAR “CHIMPADO” COM CASTRO LABOREIRO

Jorge Montez (texto)

Miguel Montez (imagem)

Do planalto aos picos escarpados da serra da Peneda, é em Castro Laboreiro que se encontra uma das mais grandiosas paisagens de montanha do continente. Pela natureza, mas também pela forma como o homem soube fazer seu este território, é natural que se fique “chimpado” com a aldeia serrana do concelho de Melgaço.

Este é o território do lobo e agora também das cabras pyrenaicas, do garrano e da vaca cachena. São os céus da águia de asa redonda e da mais rara águia real. Aqui voam os grifos e saltitam os corços. No alto da serra da Peneda, ali onde Portugal se encontra com Espanha, o tojo e a urze imperam no planalto, enquanto as encostas são cobertas por carvalhos, vidoeiros e pinheiros silvestres.

Esta é uma das paisagens mais intocadas de Portugal, fazendo parte integrante do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Mas é também uma paisagem humanizada, que o homem escolheu há milénios para viver. Castro Laboreiro é uma aldeia de costumes e tradições antigas que o antigo isolamento ajudou a preservar.

Fossem Gorriões ou Camarros, ou mesmo Truitinhas, os homens e mulheres que ao longo dos séculos habitaram Castro Laboreiro conseguiram fazer seu um território de grandes fragas e penedios que não se deixam moldar.

Esta é uma terra de gente de vida dura, marcada pelo ritmo das estações, que fez do centeio e da pastorícia o seu ganha-pão e que tinham casa de inverno para fugir aos rigores da neve na zona mais alta. As brandas e inverneiras fizeram desta aldeia de 40 povoados um caso único no mundo.

O rio Laboreiro nasce no planalto e corre pelos vales da Peneda em direção ao rio Lima. Pouco depois da foz, corta ao meio a aldeia. Os que vivem numa margem ganharam o nome de Gorriões e os que habitam na outra eram os Camarros. Truitinhas são os que vivem no centro da aldeia. “Durante muitos anos, Gorriões e Camarros não se deram. Não tinham qualquer contacto e nem se falavam”, conta Filipe Sousa, filho de pais que quebraram a tradição e – quais Romeu e Julieta – viveram o amor antes proibido.

Este caráter moldado pela imponência da paisagem, pelos rigores das estações e pelo isolamento, faz dos castrejos gente especial, que desde sempre lutou para sobreviver numa zona pouco amiga do homem. De grande ajuda, nos tempos em que havia muito gado no monte, era o cão mastim de pelo malhado e olhos cor de mel. O Castro Laboreiro é um cão de guarda por excelência e são míticos os seus recontros com o lobo.

TERRA DE TRADIÇÕES

Aqui nesta aldeia remota, nunca ninguém comprou ou vendeu a lã que os seus rebanhos dava. “Vender lã dá azar, porque é para fazer roupa e agasalho. Ainda hoje, trocamos a lã por colchas, toalhas e lençóis, mas não vendemos, continua Filipe Sousa, enquanto leva as suas ovelhas a um novo pasto.

Com o declínio da pastorícia, o Castro Laboreiro esteve em vias de extinção, mas uma família tomou em mãos a preservação da espécie e os grandes e falsamente pachorrentos cães conseguiram sobreviver. “O Castro Laboreiro é um cão doce, mas um óptimo guarda. Deixa as pessoas entrar, mas já não as deixa sair”, conta Sara Esteves que, juntamente com o marido e o filho, salvou a raça.

Com grande parte do território a fazer fronteira com Espanha, durante décadas a população de Castro Laboreiro teve no contrabando uma forma de vida. Pelos caminhos do monte levavam-se vacas, ou em tempos precisos, minério, para de lá trazer o café, o sabonete e os artigos que deste lado escasseavam.

Depois veio a emigração. Nos anos 60 e 70, a maior parte dos homens foi para terras de França ganhar a vida. Muitos ficaram por lá. Nesses tempos de comunicações difíceis, as mulheres vestiam de negro completo quando os seus maridos iam a salto pelos caminhos do contrabando. Ficaram conhecidas como Viúvas de Vivos, como lhes chamou José Cardoso Pires.

Exigia-o a sociedade e o decoro próprio de quem no casamento já ia de preto e desde menina que não vestia roupas garridas. Usavam a capa de inverno e também os calções que aqui são de lã grossa e servem para proteger as pernas do frio e dos espinhos do mato. Tornavam-se Viúvas dos Vivos para não serem apontadas na aldeia e para se precaverem de alguma desgraça que acontecesse em terras de França e cuja notícia demorasse a cá chegar.

Maria Olinda Gonçalves lembra-se bem do dia em que o seu marido partiu. “Tinha 19 anos quando ele emigrou e no dia seguinte saí à rua toda de preto. Não ia com este traje, mas usava calças ou saias pretas. As da minha geração foram as últimas viúvas de vivos. Quando ele chegou passados três meses disse que não me queria ver assim e como na altura éramos muitas mulheres novas na aldeia, apoiámo-nos umas às outras e deixámos de vestir de negro”. Estávamos em 1987.

MAMOAS, PONTES, CASTELO E MOINHOS

Esta é, como se disse, uma paisagem de que o homem fez parte. Ao correr do rio Laboreiro encontramos os moinhos e as pontes romanas e medievais de pedra de um ou dois arcos. O núcleo central da aldeia é dominado por um imenso penhasco no alto do qual existe um castelo que teve importância no estabelecimento da nacionalidade que recebeu mesmo a visita de D. Afonso Henriques. E no planalto, encontramos a mais importante necrópole megalítica da Península Ibérica.

São histórias que nos podem deixar “chimpados” (pronuncia-se “tchimpados”). Os castrejos, mercê do isolamento do alto da serra e da proximidade das aldeias galegas, têm um falar muito próprio e com expressões únicas. Um chimpado é um tolo que o pode ser permanentemente ou ter ficado depois de ver qualquer coisa de único. Por isso, corremos todos o risco de ficar chimpado com a beleza, a história e tradições de Castro Laboreiro.

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planalto de castro laboreiro

 

ECOTURA

melgaçodomonteàribeira, 27.07.24

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ECOTURA: O CAVALO E O LOBO EM CASTRO LABOREIRO

Jorge Montez

No meio do vale, Stefanie ajusta os binóculos, percorre com o olhar o penedio, fixa-se num ponto e exclama: “estou a ver! Estou a ver!”. Ao fundo, a silhueta duma cabra Montês recorta-se nas escarpas da serra da Peneda. Pedro Alarcão, da Ecotura, sorri e diz que “este é um dos avistamentos de mamíferos mais difíceis da Europa”.

A suíço-alemã Stefanie e a sua filha Greta estão há uma semana em Castro Laboreiro. Este é já o final de uma semana de férias equestres. Todos os dias, saíram com os cavalos e percorreram a serra da Peneda. Aprenderam a montar e a cuidar dos animais e deslumbram-se com as paisagens e as histórias de lobos.

“Já há muito tempo que queria aprender a montar, mas na Alemanha é tudo muito rígido e não queria andar só às voltas no picadeiro. Soube da proposta da Ecotura, vi as muito boas críticas e não hesitei. Ainda bem que o fiz, está a ser uma experiência absolutamente fantástica”.

Ao longo de uma semana, percorreram com os cavalos o território do Lobo Ibérico, viram vestígios e ouviram muitas histórias de lobos. Pedro Alarcão e Anabela Moedas, o casal que montou a Ecotura, são as pessoas indicadas para isso.

Ambos jornalistas, chegaram a Castro Laboreiro em 1999 com o objetivo de fazerem um livro sobre uma família de lobos. O projeto cresceu e seis anos depois nascia o documentário “A Vida Secreta dos Lobos”, que passou na RTP.

TURISMO SUSTENTÁVEL

Entretanto, foram ganhando raízes, passaram a viver permanentemente na serra e lançaram a Ecotura, um projeto turístico sustentável que é um dos meios para “ajudar a divulgar o lobo de todas as formas possíveis. Fazer com que a população local olhe para o lobo com outros olhos e que o medo do lobo mau faça parte do nosso passado. Contribuir para melhorar a imagem desta espécie tão importante e que tem sido alvo de uma perseguição sem tréguas ao longo de vários séculos” é o seu esteio de vida.

Anabela e Pedro fazem questão de promover um turismo sustentável, organizando toda a sua oferta em passeios equestres e pedestres. “Estes passeios são sempre recheados de informação sobre o ambiente que nos rodeia e de acordo com o tema de cada actividade. O número limite de participantes em cada passeio é ainda mais limitado do que as normas legais pedem. Além disso, usufruir a natureza sabe bem melhor se o fizermos no seio de um grupo pequeno. O facto de estarmos no único parque nacional português, o Parque Nacional Peneda-Gerês, traz-nos responsabilidades acrescidas. Com a crescente desertificação das zonas rurais o mosaico agrícola tende a desaparecer. A diversidade da nossa fauna e flora depende da manutenção desse mosaico. A Ecotura assegura a manutenção dos seus cavalos participando na recolha do feno dos campos que vão sendo progressivamente abandonados, os resíduos orgânicos gerados por esses mesmos animais são cedidos gratuitamente à população local incentivando uma menor utilização de adubos químicos”, afirmam no site da Ecotura.

ECOTURA COUNTRY HOUSE

À noite, sentados no jardim da casa tradicional recentemente recuperada, com o vulto das escarpas da serra a recortarem-se num céu que é uma imensidão de estrelas, trocamos histórias com Stefanie. É nesse cenário idílico que percebemos como esta semana de contacto com o cavalo e o lobo a está a marcar. Greta, no fim da adolescência, não perde pitada. Vai sorrindo e aqui e ali acena, como que a dar força às palavras da mãe, que não esconde o espanto com as paisagens e com a gastronomia.

Pela manhã, bem cedinho, Stefanie já estará no jardim a receber os primeiros raios de sol enquanto lê e toma o primeiro café. À sua volta, um imenso carvalhal.

A Ecotura Country House é uma tradicional casa de montanha do início do século XX recentemente recuperada e adaptada para o melhor dos confortos. O piso térreo é um grande espaço aberto com sala e cozinha totalmente equipada. Lá em cima, no primeiro andar, estão os quatro quartos, três dos quais amplos.

A casa é decorada com gosto e com muito do trabalho da família. Muitos dos quadros são da filha de Anabela e Pedro. Anabela é ainda responsável por alguns dos móveis, que essa é outra das suas paixões.

Seja no jardim quando o tempo está mais convidativo, ou à lareira quando o corpo pede calor, este é um local a que voltaremos.

 

http://portugaldelesales.pt/ecotura-cavalo-e-lobo-castro-laboreiro

 

BRANDAS E INVERNEIRAS EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 13.07.24

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foto gonçalo delgado

EM CASTRO LABOREIRO, AINDA HÁ NÓMADAS QUE LEVAM A CASA ÀS COSTAS

DE INVERNO OU DE VERÃO

CATARINA PIRES

30/01/2018

Curva e contracurva. Montanha adentro. Rochas de granito. Muitos carvalhos. Quem entra em Castro Laboreiro pelos caminhos do Soajo parece que desliza por um trilho secreto pouco percorrido, tal a estreiteza da estrada e a natureza em estado de graça. Num instante as nuvens se tornam o chão mais branco onde a vista pousa.

São dez da manhã mas, para Isalina Fernandes e Leonor Rodrigues, mãe e filha, já pouco falta para o jantar, que aqui quer dizer almoço. A esta hora, na mala da carrinha pick-up, à porta de casa, já se veem caixas empilhadas e cestas acauteladas, coroadas por uma tábua de passar a ferro. Não há dúvida: estamos no fim do verão.

Há meses que a estação estival ficou para trás no calendário, mas este dia de inverno assinala a mudança que o mesmo não regista: a tradição secular dos aglomerados à volta da vila de Melgaço, distribuídos pelas duas margens do rio Laboreiro, segundo a qual, duas vezes por ano, a população se desloca entre as terras mais altas, as brandas, entre os 1050 e os 1150 metros de altitude, e as mais baixas, as inverneiras (700 a 800 metros), num nomadismo cunhado pelo sabor das estações.

De dezembro a março a população castreja foge das temperaturas baixas e da neve nas regiões mais altas e, no verão, do calor das regiões mais baixas. As brandas são também os terrenos mais férteis, daí que a maior parte do ano seja passado nestas terras.

Aqui, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês, vivem umas 500 pessoas e já são poucas as famílias castrejas com as duas residências anuais. Mas Isalina e Leonor aqui estão para manter a história e a tradição. «É uma vida de ciganos», solta a mulher de 72 anos enquanto ciranda entre a lida da mudança. «Andamos sempre com tudo às costas». Entra no galinheiro, ultrapassando certeira a gaiola onde já encurralou as galinhas. Agora é a vez de pegar nos coelhos pelas orelhas.

Enquanto trabalha tagarela. O galego sai-lhe boca fora com a naturalidade de língua materna. Estamos na raia, a Galiza é já ali. Toda a vida de Isalina, como a dos castrejos da sua geração, foi com um pé cá, outro lá. «Pronto, agora hemos a levar isto abaixo. Que trabalheira», resmunga enquanto pega nas gaiolas dos animais, com um sorriso que não denuncia lamentos.

Sentada no pátio da casa na branda de Padrosouro, um dos 46 aglomerados que compõe Castro Laboreiro, Isalina, com o lenço negro enfiado na cabeça, bochechas rosadas do frio, plainas brancas atadas às canelas e toda trajada de negro, é o retrato vivo da mulher castreja doutros tempos.

O som dos chocalhos que chega desde a estrada desperta-a. Não precisa de ver Rubia e Bonita, as vacas, para saber que são elas que chegam com Leonor. «Distingo-as pelo chocalho. Não há dois iguais». De um salto se levanta para as ir pôr a pastar. Há que abastecê-las para a viagem desta tarde, rumo à inverneira de Cainheiras. Apenas o gado faz a travessia caminhando. «Antigamente até os potes de cozinhar se levavam. Hoje só levamos para a outra casa a roupa de vestir», diz Leonor.

A mudança é bem mais simples agora. Isalina e Leonor põem tudo o que levam na carrinha. Antigamente tudo se fazia a pé e carregado em carros de bois: a roupa para vestir e para a cama, os utensílios domésticos e as ferramentas agrícolas, como uma romaria a cruzar as montanhas. «E por arriba dos carros de bois iam os gatos presos por uma corda», recorda Isalina, para quem estas histórias não são mais que a sua própria. «Quando havia doentes, fazia-se-lhes uma caminha no carro de bois e lá se ia com elas por aí fora. Quantos não morreram por esses montes durante as mudanças!»

Não se sabe quão antiga é esta tradição. Segundo José Domingues, investigador da Universidade Lusíada do Porto, o primeiro registo a dar conta desta tradição data de 1527. Mas «não se torna difícil conjeturar que este nomadismo do Laboreiro tenha as suas raízes em deslocações de pastores, intrínsecas aos povos mediterrânicos de montanha, desde tempos muito recuados», escreve em Brandas e Inverneiras: o Nomadismo Peculiar de Castro Laboreiro (2007).

Isalina é filha de mãe solteira. Ela e cinco irmãos. «Todos filhos de pais diferentes. Mas a minha mãe nunca nos fez faltar nada. Todos aprendemos a ler e escrever. E sempre foi o campo que nos deu de comer». Com a mesma valentia com que a mãe criou seis filhos sem qualquer marido, Isalina seguiu-lhe os passos. À semelhança das mulheres da sua geração, teve o marido – que morreu há quatro anos – emigrado em França por quatro décadas. «Só cá vinha uma vez por ano. Às vezes, de dois em dois», diz com naturalidade. «Tinha de ser, era preciso trabalhar».

A independência é traço que lhe assenta na perfeição. Tanto ela como a filha Leonor viveram sempre do campo, sozinhas cuidaram do seu império. E não se pode dizer que seja coisa pouca. Se hoje a agricultura é ajudada por maquinaria, num passado recente a força do corpo era ferramenta vital. «Aprendemos a fazer tudo desde cedo», diz Leonor. «A cortar feno à foice, plantar, pastar o gado pelas montanhas, adubar os campos carregando estrume nos carros de bois, a domar as vacas. É preciso ensiná-las porque não nascem a saber trabalhar. Não é fácil, elas são bravas».

Depois de deixarem a carrinha na inverneira de Cainheiras, com a primeira remessa de pertences, mãe e filha fazem a segunda viagem da muda. Hoje contam com a ajuda dum vizinho, que lhes dá boleia outra vez até à casa de verão. Leonor põe-se agora ao comando do trator e, com a mãe sentada no atrelado, junto dos cães, começa a descer lentamente os trilhos até mais baixas altitudes, fazendo as curvas do caminho como se nelas se espreguiçasse.

A viagem é lenta, observa-se com vagar cada pedra, cada folha e cada ribeiro que cruzam o caminho. É tudo isto que Isalina vê também, de lenço negro ao vento, sentada no atrelado, afagando distraidamente a mão no focinho da cadela Lassie. «Esta é a terra do descanso, a terra da liberdade. Aqui ninguém nos invade».

Castro Laboreiro é hoje uma vila de população reduzida, mas houve dias diferentes. «Quando era jovem, isto era uma alegria. Íamos para os montes fazer bailes, andávamos sempre por aí. Era uma vida dura mas feliz. Quando veio o 25 de abril evoluiu tudo. Tínhamos um doutor todas as semanas, dinheiro, casas». Isalina vai puxando pela memória. «Mas veio a televisão e foi uma desgraça, estragou o processo. Antes juntávamo-nos a fazer serões a fiar. Está certo que hoje é um viver mais tranquilo, mas é um viver triste».

Depois dos dois carregamentos, falta o gado. Isalina já não voltará a subir à branda. Agora é hora de caminhar, como antigamente. Quem vem ajudar Leonor é a tia Amabélia. Juntas comandam a procissão bovina, falando com as vacas numa língua de urros e exclamações. Nesta travessia, a distância de uma casa à outra não se mede em quilómetros – serão uns dois ou três - mas antes através da disposição das vacas em colaborar com um marchar sem desvios. Quem manda é a vara que Leonor e Amabélia carregam, para as vergastadas no lombo dos animais.

Uma hora depois, quando chegamos à inverneira de Cainheiras, Isalina está à porta, com as mãos na cintura. Outra vez, os chocalhos denunciam. A mudança está feita. «Estou feliz da vida, ainda faço a tradição. A Leonor, por ela, ficava sempre lá em cima. Eu prefiro aqui. A casa lá de cima é melhor, mas gosto daqui. Foi a primeira casa que construí, há cinquenta anos. E foi aqui que morreu o meu marido. Eu, se calhar, também aqui morro. Enquanto mandar, havemos de fazer a muda. Quando morrer a minha filha fará o que quiser».

Comparada com a branda de Padrosouro, onde a casa parece plantada no céu, com a vista limpa para qualquer rota sideral, aqui tudo é resguardado. Mas basta subir a escadaria que leva à cozinha para, do alpendre, ver que os colossais pedregulhos continuam a traçar o horizonte, irreverentes a brotar da terra. É esta a vista para os próximos meses. Até voltarem a subir a serra outra vez.

NOTÍCIAS MAGAZINE

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foto gonçalo delgado

 

VOLFRÂMIO EM CASTRO LABOREIRO E GAVE

melgaçodomonteàribeira, 06.07.24

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PATRIMÓNIO, MUSEUS E TURISMO INDUSTRIAL:

UMA OPORTUNIDADE PARA O SÉCULO XXI

Em Melgaço, concelho rural, a exploração de volfrâmio, no decorrer da II Guerra Mundial, trouxe algum alento à economia local. A importância do volfrâmio para as populações locais residia no facto de se constituir, a seguir ao contrabando, como o segundo elemento dinamizador das expectativas na melhoria da vida que se viriam a concretizar, ainda através da emigração.

“Durante a Segunda Grande Guerra, por volta de 1942/43, abriu também a exploração do volfrâmio nos montes de Castro Laboreiro. Era um metal muito procurado para armamentos e pagavam-no bem – em quinze dias que passei lá juntei o dinheiro que precisava para pagar as três vacas que tinha “de ganho”. (Virgílio Domingues, memórias de um emigrante pioneiro).

Em 1942, Portugal estabelece um acordo comercial com a Alemanha, em troca de aço, ferro, e vagões de comboio. Os alemães controlavam a exploração de volfrâmio que lhes interessava para armamento tornando-se essencial ao seu esforço de guerra. Este minério metálico, disputado também pelos ingleses, por razões estratégicas e bélicas, era então intensamente explorado nas poucas grandes e muitas pequenas e médias minas na zona norte e centro do país, para além das companhias e empresas estrangeiras e nacionais, exercendo-se também a céu aberto por indivíduos isolados, conforme testemunhado, como se evidenciou atrás, a título de exemplo, por muitos naturais de Rouças da Gavieira, Arcos de Valdevez e Castro Laboreiro em Melgaço.

Daí que a autarquia projecte, actualmente, a requalificação das antigas minas de volfrâmio de Castro Laboreiro, pretendendo-se transformá-las num novo ponto de interesse no concelho, preservando as memórias de um período importante da sua história, relacionada com a exploração deste minério metálico de grande valor estratégico na 1ª e 2ª Guerra Mundiais e na Guerra da Coreia.

Apesar do número de galerias conhecidas ser superior a 40 e a área total da zona mineira ser grande, prevê a autarquia, apenas a recuperação de duas galerias, de forma a não tornar o percurso de visita repetitivo, para além da recuperação da represa de água.

Mas conhecer Gave, onde se localiza a mina de volfrâmio conhecida por “Mina do Pedro” que ainda nos anos 1950 se encontrava em exploração, é também conhecer a Serra da Peneda, desde as suas paisagens, às tradicionais Brandas ou Verandas.

Por exemplo a branda da Aveleira situada a cerca de 1100 m de altitude é uma zona de montanha onde são ainda visíveis os vestígios da era glaciar conhecida como “Glaciação de Wurm”.

Aqui já foi criado, o primeiro trilho geológico português, iniciativa do Instituto Geológico e Mineiro que configura um interessante atractivo turístico.

(…)

Obtinham assim o mineral volfrâmio que conseguiam vender para o contrabando. O contrabandista mais conhecido a quem vendiam era o Mareco, pertencente à bem organizada rede de contrabando “A Companhia”. Com o lucro obtido nesta transacção, a maioria das mulheres comprou fios de ouro com várias voltas, tal como a tradição minhota.

A caminhada até às minas era dura, pelo que as mulheres superavam-na cantando todo o caminho:

(Versos recitados por antiga lavadora de volfrâmio em Castro Laboreiro, D. Angelina Esteves).

Eu hei-de ir ao minério

Trabalhar o filão

Com o dinheiro do minério

Hei-de comprar um cordão

Eu hei-de ir ao minério

Hei-de ir lá trabalhar

Todo mundo anda no luxo

Eu também quero luxar

II CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

22-24 MAIO

2014

A REPRESIÓN FRANQUISTA EN GALICIA

melgaçodomonteàribeira, 29.06.24

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desenho de castelao

REFUXIADOS E GUERRA CIVIL NA FRONTEIRA ENTRE OURENSE E PORTUGAL

Ángel Rodríguez Gallardo

IES Pazo de Mercé

O réxime buscou outros médios para modificar a situación deses refuxiados. Un bando firmado o 6 de setembro de 1938 por Germán Gil Yuste, xeneral de división e xefe da Oitava Rexión Militar indicaba que se concedia “un plazo improrrogable de 15 días a partir de la fecha de este para cuantos indivíduos de los que tomaron parte más o menos activa en la revolución marxista, y se hallen todavía huidos en alguna de las zonas montanhosas de la Región, puedan presentarse en la seguridade de que no recicibirán daño alguno si no han cometido delito por lo que tengan que responder ante nuestros Tribunales de Justicia, que jamás se ensañan con los que han de juzgar, lemitándose en su función al estricto cumplimiento da la Ley”. Ademais, os familiares deses fuxidos ou calquera outra persoa que lles axudase, facilitándolles alimentos, roupas ou novas dos movimentos das forzas encargadas da súa persecución, serián severamente sancionados. Esta estratexia debeu ter efecto entre as filas do continxente de refuxiados porque algúns preferiron entregarse pola presión que exerceron sobre os seus familiares.

Co remate da guerra as condicións para introducirse en territorio portugués endurécense. Así, para entrar en Portugal se lle solicita ós estranxeiros pasaporte (con selo da PVDE), título de residencia, billete de identidade visado anualmente ou certificación de inscripción consular para o caso dos españois.

En abril de 1940 aínda a Embaixada española en Lisboa mostra a súa preocupación sobre algúns refuxiados españois que están a cometer roubos a man armada e que, unha vez cometidos os delictos, se internan en Portugal. Nese mesmo mes reforzase tanto do lado portugués como do lado galego a presencia de tropas para vixilar e perseguir ós fuxidos españois. No concello de Entrimo establécese unha compañia enteira de infantería con pequenos destacamentos comandados por sarxentos nas pequenas poboacións da fronteira.   

Aínda en setembro de 1940 vaise organizar un operativo desde o posto fiscal de Castro Laboreiro para proceder á captura dos refuxiados españois que, nos Ribeiros, se encontran armados, sabendo que é empresa moi complicada e que sería preciso unha forza de dezaséis homes para reducir a un grupo de seis refuxiados españois que se encontran armados.

En realidade, ata o finais da década de cuarenta a presencia de fuxidos españois nas serras ó redor de Castro Laboreiro é moi evidente, amparándose, como afirmaba o xefe dun destacamento da Guarda Nacional Republicana portuguesa recrutado para acabar coa presencia de refuxiados na freguesía de Castro Laboreiro:

“Uma batida completa á serra, dada a imensidade desta, exigiria milhares de homens e, em virtude da carência de estradas e caminhos capazes e da falta de recursos, julgo-a impracticável. Enquanto aquela região, pela ausência quasi completa de vias de comunicação, estiver, como está, isolada do resto do País, será sempre um possível refúgio, a que dá imensas facilidades a natureza montanhosa do terreno, formado por enormes montanhas, sulcado de ravinas (barrancos) que são verdadeiros precipícios, frequentemente coberto de gigantescos penedos de caprichosos recortes, e, em muitos sítios, coberto de carvalheiras, giestais de três e quatro metros de altura, urzes, e outra vegetação selvagens. A população vive a vida mais miserável que é possível imaginar-se; as habitações são choças imundas onde as pessoas vivem na mais repugnante promiscuidade com os animais. As culturas, de centeio e batata, únicas que ali se fazem, não chegam para o consumo dos habitantes, e desenvolvem-se lentamente e com dificuldade. Até há pouco tempo, os homens emigravam em grande quantidade para Espanha e França, e, com o produto de seu trabalho nesses países, sustentavam as suas famílias; mas, desde que começou a guerra de Espanha, essa emigração acabou, o que veio agravar extraordinariamente a situação daquela gente. Pelo atrazo em que a população se encontra, pode afirmar-se que fazer uma viagem a Castro Laboreiro corresponde a recuar alguns séculos no tempo. Afirma o abade da freguesia que quasi todos os seus habitantes são comunistas, porque não frequentam a igreja. O que eles são, com certeza, é miseráveis e analfabetos; mas a irreligiosidade daquela gente já era um facto quando ainda se não falava em comunistas. O auxílio que os habitantes tenham prestado aos refugiados explica-se talvez melhor pelo facto de, dado o isolamento em que a freguesia está do resto do País e até do concelho, as suas relações normais serem feitas desde longa data com os espanhóis”.

ACTAS DO CONGRESO DA MEMORIA

Náron, decembro de 2003

www.memoriahistoricademocratica.org

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