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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

BOLETIM CULTURAL DE MELGAÇO Nº 10

melgaçodomonteàribeira, 16.05.20

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DO MITO À REALIDADE: CULTO E SACRALIZAÇÃO DA ÁGUA NO ENTRE DOURO E MINHO

 

CARLOS ALBERTO BROCHADO DE ALMEIDA

 AS TRAVESSIAS DO RIO MINHO

 

Na ausência de pontes as travessias do rio Minho faziam-se de barca ou então aproveitando as travessias naturais que ficaram conhecidas por vaus.

Ao longo do seu percurso inferior este rio tem, desde época romana, uma ponte em Orense, sendo que as demais são de cronologia bem recente. No tramo inferior a mais antiga é sem dúvida a Ponte Internacional de Valença que abriu ao público em 1886, porque a de Vila Nova de Cerveira, a chamada Ponte da Amizade, essa data de 2004. Depois ainda há as pontes internacionais de Valença-Tuy (1993), a de Monção-Salvaterra (1995) e a do Peso-Arbo de 1999.

Desde a antiguidade que a forma mais comum de atravessar este rio foi o barco e no caso vertente a barca mais conhecida operava entre as duas margens, precisamente, entre o Areínho (Valença) e a margem oposta em Tuy. Esta barca é seguramente anterior àquela que a Rainha D. Teresa instituiu no começo do século XII (Marques, 1991 e 1997) e operava no mesmo ponto onde havia sido a travessia da estrada romana, a Via XIX do Itinerário de Antonino. A ajuizar pela presença de um cruzeiro, atribuível ao século VXIII, localizado a uma escassa meia centena de metros do ponto de acostagem da barca, ficamos com a certeza que os viajantes procuravam junto da imagem de Cristo Crucificado pintada numa chapa cravada num  fuste de granito, o conforto de uma travessia que pretendiam segura e sob a protecção divina. Outras barcas de passagem estão documentadas, por exemplo em meados do século XVIII. Naquela altura o pároco da freguesia de Chaviães escrevia que “nesta freguezia corre muito arrebatado em tanta forma que senão passa para a Galiza em barcas, senão em huma espécie de jangada que não cabem mais que meia dúzia de pessoas e besta nenhuma. Hé desta casta de barcos de passage no distritto desta freguezia quoatro sujeitos à camera da vila de Melgaço, que bem a ser o barco e pasage da Cureia, Outeiro, Bousa e Porto Vivo, porém este hé do Reino de Galiza” (Capela, 2005, 153-155). Para além de outras, referiremos ainda a travessia que se fazia no lugar de Casais (Cristóbal) para a Galiza: “em cujo direito há hum barco no rio Minho, que faz pasage no rio Minho para Galiza” (Capela, 2005, 157-160).

Travessia sacralizada era uma outra no rio Trancoso, afluente do rio Minho. Vamos encontrá-la numas alminhas que foram levantadas junto de uma antiga ponte, hoje reconstruída, que faz a ligação entre a freguesia de Cristóbal (lugar de Cevide) e a vizinha Galiza. As alminhas cravadas na parede exterior de uma casa, que já foi o antigo posto da Guarda Fiscal, são uma bela peça escultórica do século XVIII e são o relato visível do respeito que os caminhantes tinham pela travessia de um curso de água, estreito e ravinoso, que bem podia tornar-se perigoso em tempos mais invernosos. Esta mesma ideia poderá ser colhida no padroeiro da freguesia de Cristóval, também ela separada da Galiza pelo curso do rio Trancoso.

Embora o orago seja São Martinho há que atender à origem do nome da freguesia que é uma variante de Cristovão (Cristóbal em castelhano) ou não estejamos perto da fronteira galega. De acordo com a lenda, Cristovão era um homem avantajado que passou parte da sua vida a servir viajantes e peregrinos na travessia de um rio. Até que um dia atravessou um rio, aos ombros, um menino que era afinal Jesus Cristo (Réau, 2000, 354-355). No rio Trancoso várias são as travessias para a vizinha Galiza o que nos leva a admitir a hipótese da figura do santo ter estado presente na altura da formação desta paróquia nos alvores do II milénio. Se não atente-se nas gravuras da ponte de São Gregório feitas no começo do século XX para se perceber da perigosidade com que a travessia deste rio se revestia.

pp. 158 - 159

 

BOLETIM CULTURAL

Nº 10

Edição: Câmara Municipal de Melgaço

2018

 

 

UM REGRESSO QUE SE SAÚDA

melgaçodomonteàribeira, 01.10.16

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Relançar o Boletim Cultural de Melgaço impõe-se também como forma de afirmação da identidade, contrariando a tendência para esbater as diferenças entre municípios que o fenómeno da globalização tende a favorecer.
Publicações como esta exigem de nós a reflexão dos mais diversificados assuntos locais, acolhendo investigações sobre o território que plasmadas no papel perpetuam para a história os valores culturais de Melgaço. Este número traz-nos conhecimento de diferentes áreas do saber que entendemos serem importantes para o nosso entendimento enquanto território e todos os que dele fazem parte. Através desta publicação divulgamos Melgaço, pois é com esta obra que estabelecemos permutas com outras instituições quer portuguesas quer espanholas, num intercâmbio que enriquece o fundo documental da nossa Biblioteca Municipal.
O Boletim Cultural é ainda um fórum disponível a todos os investigadores e estudiosos das diferentes áreas do conhecimento para divulgarem o seu trabalho e principalmente enriquecerem o nosso saber.
O retomar da edição do Boletim Cultural insere-se num plano de ação cultural mais vasto que estamos a desenvolver e que privilegia ações que destinguem e afirmam o nosso território, a História, a Cultura e a autenticidade. Em articulação com a comunidade local, regional, nacional e internacional pretendemos - e estamos a conseguir - a afirmação cultural do nosso Município e da sua Cultura.
Por último, mas com um sentimento de profunda gratidão e apreço cabe-me dar os parabéns a todos os colaboradores, que sendo ou não de Melgaço, que estando cá ou fora de Melgaço, escolhem o nosso concelho para realizarem os seus estudos e investigações e que agora publicamos de forma a todos termos acesso ao seu trabalho.

 

                                        O Presidente,

 

                           Manoel Batista Calçada Pombal