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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

PODIA SER UM PARAÍSO

melgaçodomonteàribeira, 06.06.15

À esquerda do rio Laboreiro, Espanha; à direita, Ribeiro de Baixo

 

TERRAS DO FIM DO MUNDO

 

Álvaro Domingues / 11 Abr 2015

 

Pelo fundo de encostas abruptas, praticamente esculpidas em pedra, corre o rio que as escavou e que foi deixando, num leito também de pedras, uma cicatriz que aparta uma e outra margem. Por estas bandas, desde os alvores da demarcação do reino e das suas fronteiras, também se disputaram terras de pasto e lameiros.

Numa nesga à borda de água fica o fundo do lugar, onde ainda moram alguns dos descendentes de uma comunidade que, na outra margem, aqui deixou uma pegada de campos férteis, onde a cheia do rio não subia e que são um misto de terra desprendida das vertentes e séculos de estrume de animais. Essa geometria de campos minúsculos desenha-se entre muros de pedra solta que o rio rolou e poliu; assim se protegiam as culturas do passo dos animais que debandavam os pastos pelas encostas e se iam espedregando os campos para o lavrar dos arados. Pelo Abril, as cerejeiras em flor iluminam-se como aparições. Podia ser o paraíso.

Não é. Nunca foi. Geria-se a escassez e o pouco que a terra dava com o muito que era preciso trabalhar e calcorrear por montes e tojos. Por serem terras do outro lado do rio-fronteira, noutro país, nem sempre as coisas eram serenas. Tudo era longe por caminhos a pique.

Agora reina a calmaria. Quando algumas das comodidades de hoje chegaram, já o povo tinha emigrado e o que mais há nestes dias são casas vazias, umas velhas, quase ruínas, outras quase novas, quase sem estrear.


Publicado em: JORNAL UNIVERSITÁRIO DO PORTO

http://juponline.pt/2015//04/terras-fim-mundo/

 

PARAÍSO EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 11.04.15

Galvão, Melgaço

 

RUA DA ESTRADA DO PARAÍSO

 

PARA os que pensam que a Rua da Estrada é um inferno, lhes diria que é o seu contrário e que não é difícil provar tal facto de tão visível e argumentada que está a existência do paraíso, decorado interior e exteriormente e equipado com mobiliário de jardim como lhe compete. As portas do paraíso teriam que dar para a Rua da Estrada que é coisa que vai a todo o lado e não tem portagens como as vias mais rápidas.

Depois de terem provado do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, Adão e Eva foram expulsos, como se sabe. Ei-los, no entanto, sentados à porta, já completamente calçados, vestidos e penteados de caracolitos, razoavelmente refeitos dos seus desentendimentos com o Todopoderoso. Em todo o caso, o querubim disfarçado de anjinho papudo, deve ter a espada de fogo guardada debaixo da túnica, não se lembrem eles de voltar a entrar. Da fartura do éden e da paz que reinava entre as bichezas que o habitavam, vislumbra-se daqui a fertilidade de uma galinha no choco e uma águia em sã e branca convivência. Confere.

Como é Paraíso, a Rua da Estrada organizou-se como nunca: ele é passeios, rampas, baias de estacionamento, passadeiras, iluminação, bandeiras, petúnias em vasos e tiras relvadas, separação de faixas de entrada e saída de veículos, caixotes verdes para o lixo e o que mais se poderia ver ao longe se não fosse a curva.

 

Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada

 

Retirado de:

Correio do Porto

memórias de um mundo à parte

 

www.correiodoporto.pt/rua-da-estrada/rua-da-estrada-do-paraíso