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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O ÚLTIMO FRADE

melgaçodomonteàribeira, 16.10.21

183-Igreja de Roussas.JPG

 igreja de rouças

 

O ÚLTIMO FRADE EGRESSO DE MELGAÇO

(ÓBITO EM 9 DE JULHO DE 1898)

 

Depois de me ter jubilado, venho dedicando parte do tempo a ler jornais da minha região – o Alto Minho -, nomeadamente os que marcam a passagem do século XIX para o século XX, por serem aqueles onde chega a minha memória, poe força do convívio que fui tendo com familiares ao longo dos 66 anos que já levo de vida.

Foi nessas leituras que na edição nº 634, de 17 de Julho de 1898, do jornal de Monção O Independente, cujo director era o Padre Simão d’Abreu e Mello, descobri uma notícia relacionada com Melgaço, cujo conhecimento me parece interessante para os leitores deste jornal.

Vem noticiado o seguinte:

“Dizem de Melgaço

Depois de prolongado sofrimento, faleceu no dia 9 do corrente (leia-se: mês de Julho de 1898), pelas 7 horas da manhã, na sua casa de Crasto, freguesia de Rouças, deste concelho, o Reverendo António Joaquim de Neiva, último frade que existia por estes sítios.

Nasceu em 14 de Julho de 1813, contando por isso a bonita idade de oitenta e cinco anos.

Principiou os seus estudos no Convento de Santo António, desta vila, passando como noviço da Ordem para o Convento de Caminha, onde mais tarde professou.

Em 1834, sendo expulsos os frades, dirigiu-se este e outros a Lisboa, tomando, perante o Patriarca ordens de subdiácono e diácono com missa em 1838.

Pela vocação que tinha para o canto-chão e como pedinte, foi admitido na Ordem de Santo António e depois que regressou à casa paterna deu-se à execução de música de capela, instruindo com as suas lições muitos indivíduos do seu tempo.

Teve sempre exemplar comportamento, quer como padre quer como frade, sendo além disso protector exímio de seus irmãos, sobrinhos e demais parentes, a quem deu também conselhos paternais.

E há vinte e tantos anos que padecia, quase como mártir, duma chaga que se lhe abriu numa perna, a qual, fechando-se há meses, originou pouco depois um insulto qualquer que lhe pôs termo à vida no dia já indicado”. Em apenas sete parágrafos vêm relatados factos que marcaram uma época de contornos até então inimagináveis para a Igreja e para a cultura do nosso país.

Temos, pois, uma notícia do dealbar do século XIX, que recorda tempos difíceis, que foram os que se seguiram às Invasões Francesas e às ideias liberais que então proliferaram pela Europa, com muito de positivo e alguns resquícios negativos.

Deparámos, então, com os estudos dum noviço de Roussas no Convento de Santo António. O seu posterior professar numa ordem religiosa, que o levou ao concelho de Caminha, junto à foz do Rio Minho. A expulsão dos frades e o seu regresso como egresso à casa paterna. A sua readaptação ao quotidiano familiar e, no caso, a subsequente martirização até ao finar dos seus dias, numa vida que durou 85 anos.

Tenho dúvidas quanto à localização do referido Convento de Santo António. Será em Melgaço ou em Monção? A notícia, proveniente de Melgaço, mas publicada num jornal de Monção diz expressamente “Convento de Santo António, desta Vila”. Em Melgaço desconheço a existência de um Convento de Santo António. Em Monção o Convento dos Capuchos chama-se de S. Francisco, mas também é referido como de Santo António.

Nunca me tinha interessado particularmente pela vida dos egressos, até que, algum tempo atrás, fiquei a saber que dois meus antepassados – os franciscanos Frei Manuel e Frei José -, tinham sido acolhidos na Casa e Quinta do Mosteiro de S. João de Longos Vales, concelho de Monção, propriedade dos meus trisavôs maternos, advogado e juiz substituto Dr. José António Pereira d’Antas Guerreiro e sua mulher D. Maria Rita Monteiro, na sequência de uma convenção antenupcial por eles lavrada, no ano de 1852.

Procurei informação sobre o fim das ordens religiosas, da qual tinha vago conhecimento e pude apurar o que passo a cantar, com todas as insuficiências de que um leigo se pode fazer acompanhar.

A extinção das ordens religiosas em Portugal começou a ser praticada no reinado de José I de Portugal e governação do Marquês de Pombal.

Na sequência de um atentado de que foi alvo, o Rei, por Alvará de 3 de Setembro de 1759 decretou a expulsão dos Jesuítas do País e mandou confiscar os seus bens, que passaram a incorporar a Fazenda Nacional.

Decorridos alguns anos, essa decisão, de expulsão da Companhia de Jesus, foi confirmada pelo Príncipe-Regente D. João, por Alvará de 1 de Abril de 1815.

No contexto da Guerra Civil Portuguesa – 1828-1834 - , liberais e absolutistas assumiram atitudes diferentes quanto a essa questão religiosa, em função da instabilidade reinante e do permanente conflito de forças.

Em Portugal Continental, D. Miguel I autorizou no ano de 1829 o retorno dos religiosos da Companhia de Jesus, que foram instalar-se no Colégio das Artes, em Coimbra em 1832.

Nos Açores, D. Pedro, 16º duque de Bragança, aboliu as ordens religiosas no arquipélago por Decreto de 17 de Maio de 1832.

Com o fim do conflito e a vitória dos Liberais, a partir de 1834, foi confirmada a expulsão dos Jesuítas e das demais ordens religiosas.

No contexto que se seguiu à assinatura da Convenção de Évora Monte, o então Ministro da Justiça, Joaquim António de Aguiar, redigiu o texto do Decreto de extinção das ordens religiosas que, assinado por Pedro IV de Portugal, embora apresente a data de 28 de Maio, só veio a ser publicado em 30 de Maio de 1834.

Por esse diploma, foram declarados extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares (artº 1º), sendo os seus bens secularizados e incorporados na Fazenda Nacional (artº 2º), à excepção dos vasos sagrados e paramentos que seriam entregues aos ordinários das dioceses (artº 3º). O diploma afirma ainda que seria concedida uma pensão anual aos religiosos que não obtivessem benefício ou emprego público (artº 3º), o que entretanto permaneceu letra morta. Esta lei valeu a Joaquim António de Aguiar a alcunha de “Mata Frades”.

Porém, este processo levou apenas à extinção imediata das ordens religiosas masculinas. As ordens religiosas femininas mantiveram-se, não podendo contudo admitir noviças.

A extinção final das ordens religiosas femininas só foi regulada em 1862, ficando então assente que o convento ou mosteiro seria extinto por óbito da última religiosa, sendo os bens da instituição incorporados na Fazenda Nacional.

Foi assim que a maior parte dos frades e freiras das ordens extintas regressaram às suas terras e casas de família, ficando conhecidos por egressos.

A título de exemplo e a propósito da extinção das ordens religiosas femininas, junto a capa da revista bracarense Ilustração Catholica, nº 194, de 17 de Março de 1917, que nos mostra “D. Roza de Jesus, última noviça das religiosas carmelitas do extincto convento das Therezinhas, em cujo edifício ainda vive, o qual hoje é propriedade do Azylo de S. José”.

Portanto, esta freira, que já devia ter uma avançada idade em 1917, foi a última noviça que viveu no extincto Convento das Teresinhas de Braga, que ainda hoje continua a existir com o nome de Asilo de S. José, funcionando como lar de terceira idade.

 

José António Barreto Nunes

Braga, 13 de Abril de 2015

 

Publicado em A Voz de Melgaço

Maio de 2015