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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

NADA A DECLARAR III

melgaçodomonteàribeira, 24.08.24

948 c 20-No centro, o antigo posto da GF-39.jpg

posto da gf em s. gregório  -  ao centro

A GUARDA FISCAL

Em S. Gregório encontramos Avelino Fernandes, um antigo guarda-fiscal. “Vivi naquele período que toda a gente detestava. No dia que abriu a fronteira deitaram foguetes ali no bar. Passados uns anos estavam todos a chorar”. A Guarda Fiscal foi o braço armado do Ministério das Finanças, particularmente da Alfândega Portuguesa. Tinha como principal missão evitar e reprimir as infrações fiscais. O objetivo era a obtenção de receitas, defendendo os interesses da Fazenda Pública. Aos guardas era exigido o cumprimento da lei, independentemente dos atos que tivessem de tomar. Qualquer objeto era considerado suspeito e todas as pessoas que passassem a fronteira eram alvo de fiscalização. Os habitantes de S. Gregório sentem imensa pena de ver a antiga alfândega e as casas dos guardas degradadas. “Na altura, havia imenso movimento. Havia uma senhora que tinha uma taberna. Ela ajudava-os a passar. Tudo se sabia aqui. Quando via que alguém vinha para emigrar fazia um sinal de divisa, para informar que ali estava um guarda”, conta Catarina Oliveira.

Com a implementação em 1992 do Acordo de Livre Circulação de Pessoas e Bens no território da Comunidade Europeia, a fronteira terrestre deixa de ser relevante como marco de defesa do território. A Guarda Fiscal é extinta em 1993, sendo desativados todos os postos. “Não houve drama nenhum Uns foram integrados na Guarda Nacional Republicana (GNR) e outros reformaram-se. O drama não foi por aí. Houve sempre um sentimento da Guarda Fiscal que ainda hoje existe. Ainda hoje fazemos convívios. Aquele sentimento mítico é muito difícil de se apagar. Nós eramos como uma grande família. Fui para a GNR e fui muito bem estimado lá. Integrei-me muito bem. Mas, claro que estive muitos anos na Guarda Fiscal e é difícil”, ouvimos estas palavras de um saudoso Avelino Fernandes. No entanto, a indignação também toma conta da sua voz: “Quantos empregos se perderam na fronteira? Foram milhares! Nós eramos privilegiados. Havia um nível de vida alto. Vivia-se bem. Ganhava-se dinheiro, gastava-se”.

Avelino conta-nos que foi destacado para S. Gregório em 1973, ano em que o Almirante Américo Tomás veio visitar a fronteira. ‘Aqui começa Portugal’, lia-se na pedra recém-inaugurada pelo Almirante. “As letras roubaram-nas, a pedra ainda lá está”, refere o antigo guarda-fiscal e continua: “Quando se deu o 25 de abril, as pessoas que apoiavam o Almirante e apoiavam o regime fascista viraram-se”.

O antigo guarda-fiscal recorda: “Vim para a Guarda Fiscal com o Marcelo Caetano. Verificou-se ali uma abertura liberal. Claro, a mentalidade dos guardas mais antigos era diferente da nossa. O guarda tinha que ter um comportamento muito disciplinar em relação ao contrabando. Eles (os guardas mais velhos) apreendiam qualquer coisa e os mais novos já eram mais passivos”.

Apesar de desempenhar as suas funções como guarda-fiscal, não estava de acordo com muito do que se passava no antigo regime, “chegámos a ter conflitos com a polícia política. Eles eram capazes de nos complicar a vida, no entanto, tínhamos boas relações. Havia determinados assuntos que a gente dizia ‘isto não está bem’” e a resposta não tardava “cale-se que o senhor pode ser incomodado”, recorda Avelino.

A antiga casa da alfândega é feita em pedra com grandes arcos que antecipam a entrada. “Ninguém gosta de ver uma casa destruída, gosta? Uma arquitetura tão linda”. Os edifícios, na grande maioria foram entregues ao abandono, à degradação e à vandalização. “A nossa autarquia devia arranjar aquilo conforme a sua arquitetura original”.

Avelino gostaria de ver este património aproveitado, como por exemplo, um incentivo ao turismo. “Como o Museu Memória e Fronteira. O contrabando foi aqui, não foi lá (Melgaço). Não há nacionalismo nenhum. Como é que se pode abandonar um edifício assim? Como se pode abandonar Portugal? Criou-se ali o Museu do Contrabando, mas… abandonou-se um pouco o tema. Era como fazer em Lisboa um museu da agricultura”, partilha connosco.

Entramos na alfândega. Avelino caminha ao longo de todas as salas como se tivesse acabado de entrar em casa. Por momentos, parece estar novamente em tempos longínquos. A secretaria, o sítio de transmissões, a zona reservada aos oficiais, o quarto do oficial, o quarto de banho, a cozinha, a caserna. “Agora já não dá gosto vir aqui porque está tudo destruído”.

No entanto, Avelino Fernandes reflete acerca do impacto que o contrabando tinha na vida dos habitavam estas localidades. “O contrabando na fronteira terrestre era feito pela nobreza, pelo clero e pelo povo”. Corremos contra o tempo para preservar a memória dos tempos dos contrabandistas. Já não são tantas as memórias vivas que nos podem esclarecer sobre aquela época para percebermos que no Alto Minho a fronteira era apenas uma linha invisível. “Foi um sistema de vida. O melhor da minha vida já foi. A vida intensiva que tive aqui, acabou”.

ORIGINALMENTE PUBLICADO EM www.revistarua.pt

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Fotos: Arquivo do Blog

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