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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

NA RAMBÓIA DO CAFÉ

melgaçodomonteàribeira, 11.10.14

Coucieiro - vista desde Cristoval.JPG 

Coucieiro, Galiza - Vista desde Cristóval 

 

AVÓ ALBINA

 

    A história que vou contar é de uma velhinha franzina, de pequena estatura, mas com uma alma muito grande e sem medo para enfrentar a vida.

    Minha avó paterna, que se chamava Albina Roda do Souto, ficou viúva muito cedo com três filhos menores: Ana de 15 anos, António de 11 e João de 9 anos. Após o falecimento de meu avô, José Joaquim da Ribeira, do qual herdei seu nome completo, foi ela quem ficou com a pesada herança de ganhar o sustento da sua família.

    Como nem só de pão vive o homem, aventurou-se na rambóia do café. Ia de Cristóval comprar o café à Loja Nova, ou ao Senhor Manuel Lourenço (conhecido pelo Manuel da Garagem), em Melgaço. Contava-me que nunca vinha pelo mesmo caminho que ia, por causa dos guardas-fiscais e dos ladrões, que, por vezes, estavam na Corga de S. Rosendo, na Senhora de Lourdes, para assaltar quem passava.

    Assim comprava o café e subia as Adegas, Paço, Minério. Às vezes descansava ou pernoitava numa casa que tinha na Telheira, Viladraque.

    No dia seguinte, à noite ou de manhã cedo, saía da sua casa da Marga, em Cristóval, e levava 10 a 15 quilos de café, não levava mais. Atravessava o rio Trancoso através de caminhos e carreiros com destino: a Candado, Deva ou Cortegada. Quando passava por Padrenda, Mato, Caules ou Crespos, nunca se aproximava das povoações por causa dos cães, que davam sinal quando passavam as pessoas, e os carabineiros iam logo ver o que se passava. Nestas localidades, fazia a entrega do café a pessoas amigas que normalmente lhe faziam pequenas encomendas. Ela não ia sempre à mesma hora, nem pelo mesmo caminho ou carreiro, para evitar os ladrões e os carabineiros. Ia sempre sozinha, não fazia barulho, e ao mais pequeno ruído parava e escutava, porque, dizia ela, no silêncio da noite se ouve falar muito longe.

    Ela não tinha medo mas sabia que o perigo estava presente a cada momento. Uma noite, à lareira a fiar linho à luz da candeia, disse-me que uma vez fora a Cortegada levar uma encomenda de café a uma senhora chamada Dona Manuela e, no regresso, pelo caminho fez-se noite. Ao chegar próximo de St.º Amaro, ao passar por um carreiro, que atravessava um pinhal, de momento ouviu duas pessoas a falar. Parou sem fazer barulho e ouviu dizer um para o outro: «vamos embora que ela esta noite não passa por aqui».

    Ouviu e desviou-se do carreiro para o meio do mato. Ficou a escutar os movimentos deles até que sentiu os seus passos a irem-se embora. Esperou mais um pouco e retomou a caminho para sua casa. Pelo caminho pensou o que lhe teria acontecido se não tem escutado a conversa dos dois ladrões.

    Certamente, roubavam-lhe o pouco dinheiro que trazia e até a podiam matar. Sei lá o que lhe podiam ter feito!

    Mas como diz o ditado, a vontade de comer faz a velhinha correr. Foi isso que ela fez, continuou a levar as encomendas de café às suas amigas galegas. Até que um dia foi apanhada com dez quilos de café pelos carabineiros. Levaram-na presa e foi condenada a três meses de cadeia. Na cadeia, dentro de poucos dias, arranjou conhecimento com a mulher de um juiz, e a partir daí foi muito bem tratada e até ganhou dinheiro a trabalhar na prisão.

    Quem não ficaram muito satisfeitos foram os filhos que arranjaram dinheiro para pagar a prisão da mãe e trazê-la de volta e ela não quis sair da prisão.

    Um dia, meu tio António (Costa) foi a Orense e levou o dinheiro para pagar o tempo de cadeia que lhe faltava e trazê-la de volta para casa. Só que ela disse ao filho: «Vai-te embora, que eu estou bem». E meu tio veio embora sem a mãe. Para ela, dar dinheiro para sair da cadeia era um desperdício.

    Pelo que me contou a sua filha, minha tia Ana de Viladraque, ela nunca estivera tão bem. Comia e bebia bem, ganhava dinheiro e arranjou uma grande amiga, que era mulher dum juiz, que depois várias vezes a foi visitar.

    Além de ir ao contrabando, ia às feiras do dia 8 a Crespos e 23 a Cela Nova vender maças. E aproveitava para levar uns quilos de café escondidos no meio das maças no açafate. Fazia o percurso sempre a pé. Naquele tempo não havia transportes.

    Mas hoje há transportes e a sua filha, com 93 anos, ainda vai de Viladraque a pé até Melgaço e vem. No dia 11/02/2001, dia de Nossa Senhora de Lourdes, estive com ela em Viladraque. Perguntei-lhe se ainda ia a pé a Melgaço, e disse-me: «não vou porque me dão boleia, senão com 93 anos ainda vou e venho a pé». Tal mãe, tal filha! São feitas da mesma fibra.

    Minha avó morreu há 50 anos e ainda a recordo com muita saudade. «Paz à sua Alma».

 

Melgaço, Minha Terra – Minha Gente

Histórias de um Marinheiro

José Joaquim da Ribeira

Edição: Câmara Municipal de Melgaço

             José Joaquim da Ribeira

2006

pp. 138, 139