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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, 3 - 3 - 1388

melgaçodomonteàribeira, 28.10.15

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CERCO DE MELGAÇO, 1388

 

Nos inícios de 1388, ainda em janeiro, D. João I partiu para Melgaço, com “huas mil e quinhemtas lamças e muita gemte de pee”, assentando arraial longe da vila. A vila era “cerquada se arrabalde, de bom muro e forte castello” e defendida por uma guarnição de “atee trezemtos homes darmas e outros muitos pioens escudados”, comandada por Álvaro Perez de Sottomayor e Diego Preto Eximeno.

Assim que a hoste real chegou à vila, os seus defensores começaram logo a “tirar aos trõos e a escaramuçar com os de fora; e nam se feez dapno de hua parte a outra, nem cos trõos que lançarom. Durante os dias seguintes continuaram a disparar os seus trons e a escaramuçar com os portugueses, resultando alguns feridos e mortos. Ao fim de nove dias de cerco, já teriam “lamcadas sesemta pedras de tõos, que nam ffizeram porem dapno”.

Dom João I mandou então “aramar hum emgenho acima da ponte da vila”, disparado nos dias seguintes de forma sucessiva contra a vila cercada. Tratava-se de um engenho pirobalístico – um trom - , que provocava danos consideráveis na vila.

Paralelamente ao trom, na hoste do monarca “não quedavam de dirribar madeira e acarretalla, que el Rei mamdava trazer pera fazer duas escalas e hua bastida para mover jumtamente e pousar sobre o muro (…) e mandou mais fazer duas escalas”. Estes engenhos já foram referidos no capítulo relativo aos engenhos de assalto, não havendo necessidade de repetir a informação repetida por Fernão Lopes. Acrescenta-se apenas que a construção dos engenhos e a preparação do terreno para o seu avanço demorou quinze dias, durante os quais as duas partes não cessaram os seus ataques.

 Fernão Lopes indica que os atacantes utilizavam ainda “pedras demgenho” contra os defensores. O mesmo cronista relatou que “cada dia tiravam os trõs e o emgenho hus aos outros, e o emgenho fazia muito mal na vila, e os trõs nam empeciam nada”. Tendo em conta a capacidade destrutiva do “emgenho” considera-se que se tratava de um engenho neurobalístico, nomeadamente um trabuco ou um trabuquete.

O aparato militar era tal que o monarca mandou chamar a sua esposa, Filipa de Lencastre, para que esta assistisse àquele que esperava ser o combate final do cerco.

Então, no dia 3 de março, mandou “el Rei que aballase a bastida com os seus coregimetos comtra a villa, como tinham ordenado, e moveo com fforça de gemte, pero ffoi bem dezoito braças; deshi moveo hua ala, depois a outra, e estiveram anbas defromte do muro arredada hua da outra. E tiraram lhe sete trõos que lhe nã ffizeram dapño. E depois movarã outra vez e ffoi bem rijamente; e chegou se tamto a villa que punham hu pee no muro dentro e outro na escala, Sobio muitas companha e o Prioll primeiro que todos, e mandou el Rei que tirassem a fora. Emtam se feez prestes pera mamdar combater e mamdou dez homes darmas que sobisem no mais alto sobraado, homde hiam as pedras da mao. E moveo todo jumtamente, as escallas pera pousar e a bastida em que hiam os homes darmas e besteros. E da bastida saiam homes com grossos paos que acostavã ao muro, e poseram muitos deles e fycavam de fumdo emparados”.

Os defensores tentavam a todo custo impedir o avanço das forças de D. João I, lançando-lhes pedras e fogo, mas não conseguiam provocar-lhes danos suficientes para refrear os seus ataques. Acabaram por pedir preitesia ao monarca, que se mostrou reticente em aceitar mas, por conselho de alguns dos seus homens, acabou por fazê-lo.

Estabeleceu-se que “desem a villa a el Rei, e que saisem em gibões, sem atemdo lamçadas da villa de demtro ao arraial cemto e vimte pedras de trõos, que nenhuu nojo fizeram e do arraial a villa trezemtos e trimta e seis, que danaram gram parte della”.

Assim terminou o cerco a Melgaço, a 3 de março de 1388, no qual se recorreu a trabucos, escadas e torres de assalto, para além de trons, da parte dos atacantes. Os defensores, por sua vez, apenas recorreram a engenhos pirobalísticos, não havendo referência à utilização de engenhos neurobalísticos.

 

Retirado de:

 

Bárbara Patrícia Leite Costa

2º Ciclo de Estudos de Arqueologia

Engenhos, armas e técnicas na Idade Média

portuguesa (séculos XII – XIV)

2014

Faculdade de Letras

Universidade do Porto