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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

GUARDA FISCAL E CONTRABANDO

melgaçodomonteàribeira, 08.10.22

838 b Castro Laboreiro - Perto do Ribeiro de Baixo

 perto do ribeiro de baixo castro laboreiro

 

CONTRABANDO PELA RAIA SECA DO LABOREIRO

A GUARDA-FISCAL

 

Américo Rodrigues

 

“Os Carabineiros” (na realidade Guarda-civil) e a Guarda-fiscal (“os guardinhas”) vigiavam uma das fronteiras mais velhas da Europa. Em Portugal dependiam do Ministério das Finanças, e a sua profissão estava quase totalmente vocacionada para a apreensão dos produtos contrabandeados, ou seja, ela existia em parte devido ao contrabando e aos contrabandistas.

Os três postos do guarda-fiscal existentes na freguesia tinham uma basta área de vigilância à sua guarda. Os meios de que dispunham eram escassos.

Os guardas eram na sua maioria de terras distantes, Trás-os-Montes, Beira Alta, etc. Muitos chegavam jovens e tinham baixo índice escolar. Alguns, poucos, até casaram na terra e aqui fixaram residência.

Os postos ofereciam condições mínimas de habitabilidade permanente para o corpo, principalmente para os jovens guardas, que não tinham família constituída. Outros alugavam casa na localidade, botavam horta e tentavam viver normalmente com a sua família.

A vigilância do território era feita a pé, normalmente por patrulhas de dois, percorrendo longas distâncias e focavam-se nas áreas mais sensíveis, principalmente em encruzilhadas, pontos altos e passagens mais ou menos conhecidas, onde fosse possível controlar alguns dos caminhos que se dirigiam à Galiza.

A apreensão dava um processo burocrático, uma multa e por vezes cadeia. Os produtos eram retidos e leiloados. Os guardas recebiam uma parte da verba. Da fama que ficavam com alguns também não se livram.

Mais tarde vigiavam as estradas onde tinham de passar os camiões de gado e bananas. Nesta altura recebiam quantidades chorudas, apesar de muitas vezes serem enganados, principalmente nas quantidades. Taxavam à cabeça, ao quilo ou à “passagem”. Recebiam em grupo ou individualmente, conforme a patente ou o peso junto dos contrabandistas. Alguns construíram “casas de emigrantes” e todos melhoraram as suas vidas, neste período de transição pós 25 de Abril.

Ao contrabando familiar pouco ou nada ligavam, no entanto, o povo ainda se escondia deles como do lobo, com medo que lhe apreendessem o azeite, o bacalhau, o polvo do natal, o pimento e outros bens apreciados no consumo da casa.

O povo nunca gostou de guardas. Alguns deles eram maus e ganharam fama disso. O Zé Carteiro dos anos 50/60, era disso exemplo. Parece ser mesmo perverso. Maltrata os galegos, bata-lhe e tira-lhe o contrabando. Muitos destes homens são pobres coitados que tudo temiam.

Apesar de serem funcionários públicos (sem grandes privilégios), eram descriminados localmente e colocados em nível social inferior. Em Castro Laboreiro toda a gente tinha o seu bocado de terra e os homens havia séculos que emigravam.

Os guardas na sua maioria eram considerados mandriões, e gente a evitar.

 

Boletim Cultural nº 8

Melgaço 2009

 

Eu privei de muito perto com o Zé Carteiro. Morávamos na Vila de Melgaço, porta com porta. O Zé Carteiro era um homenzarrão de 1,90 metros de altura, 120 ou 130 quilos de peso, quase todo careca. As mãos pareciam umas barbatanas de natação. Era casado com a Ritinha, poveira de nascimento, 1,60 metros de altura, 50 quilos de peso. O homem era um monstro, não só de aparência como de espírito. Quando li a referência feita pelo Dr. Américo a este energúmeno, na minha cabeça rebentaram os gritos de dor da Ritinha das coças que levava. A besta chegava, batia, comia e ia dormir. Amanhã é outro dia, mais do mesmo. Volta e meia recebia em casa visitas de rapazes, na casa dos 20 anos, que vim a saber serem filhos dele. A tática do fdp era: a carga ou as cuecas. Eram uns dois ou três e vinham de diferentes partes do concelho.

Um fim de tarde, teria eu os 6 anos de idade, rebenta guerra brava na casa do Zé Carteiro. Aos gritos da Ritinha, lá acudiram as vizinhas a tentar botar água na fervura. Desta vez a Ritinha era acusada de ter deixado queimar o bolo que cozia na pedra da lareira. As vizinhas diziam que não, não está queimado e ele gritava o contrário quando se vira para mim e grita – prova aí Ilídio. Dei uma dentada no bolo e disse – está queimado e bem queimado. Coitada da Ritinha, nesse e em todos os outros dias.

Pelos meus 12 anos fui passar 2 semanas a uma quinta, em Nine, que ele dirigia. Não tenho palavras para descrever o local, só sei que cheirava a riqueza antiga. O dono tinha que ser muito rico. Chamava-se Manuel Domingues, o Mareco.

Ilídio Sousa