EMIGRAÇÃO E CONTRABANDO
A VIAGEM
Como excelente jornalista que era, o Sr. Rocha N. (1965) decide empreender a viagem até Paris com os emigrantes que partiam de Melgaço.
A empresa ‘Viagem Lugan’, sediada em Madrid, na rua Dr. Fleming – notem a ironia histórica – trabalha também em Ourense. Na referida cidade, executava o transporte dos emigrantes (documentados) para França. Partia primeiro de Ourense, deslocava-se até à vila de Melgaço e depois prosseguia viagem até Paris.
Anteriormente era o Sr. Peres – co-herói do livro escrito por Rocha – que conduzia os emigrantes até Ourense no seu velho chevrolet. Entretanto, um empreendedor melgacense tornou possível a partida directa de Melgaço, pelo preço de 650 escudos. “Foi, pois, a 11 de Maio de 1963 que se publicou a notícia sobre o estabelecimento da carreira entre Melgaço e Paris.” (Rocha, N., 1965, p.55)
O Sr. Rocha empreendeu a viagem como jornalista, concebendo um magnífico, senão exemplar, trabalho científico de campo.
Embarcou, em Melgaço, junto de mais 28 passageiros, dois deles clandestinos. O primeiro trajecto era de Melgaço a Ourense, a viagem desenrolou-se por más e péssimas estradas de montanha.
Os emigrantes dispunham para seu gáudio de um farnel: chouriço, frango, presunto e vinho verde. O vinho do Porto e o tabaco eram, por vezes, cobiçados e apreendidos pelas autoridades espanholas.
Na fronteira portuguesa, as autoridades não poupavam esforços para evitar o surto migratório e desconfiavam dos passaportes dos turistas, pois, estes eram usualmente usados para dar o salto. As artimanhas forjadas passavam, por exemplo, pelos passaportes falsos; a fotografia do titular era arrancada e substituída pela do emigrante clandestino.
Na cidade galega de Ourense, a camioneta portuguesa dava lugar a uma espanhola. Eram, então, verificados todos os passaportes:
“Nos primeiros tempos a camioneta seguia guardada por elementos da polícia espanhola, armados de metralhadoras, para impedirem o ingresso de clandestinos. Na verdade, durante a noite passavam a fronteira na clandestinidade e apanhavam depois a camioneta em território espanhol para seguirem destino a Paris.” (idem, 1965, p.67)
A viagem prosseguia o seu penoso trilho, dirigindo-se para França. Deveria para tal atravessar a fronteira em Dancharineia, nos Pirenéus, uma vez que a fronteira de Hendaye se encontrava misteriosamente encerrada aos emigrantes.
Em paisagem de alta montanha a camioneta, por vezes, não arrancava. Os passageiros eram, então, obrigados a empurrar o veículo.
A viagem decorria sem interrupções, não havia justificações para tal! Por vezes, alguns retardados acabavam abandonados em terras desconhecidas e demasiado distantes para as suas posses, aquando de simplesmente darem vazão às suas necessidades básicas. Usualmente, o emigrante apenas trazia consigo algum dinheiro e o contacto, o qual constituía a rede social de apoio – e muito receio e esperança.
Entre Melgaço e Paris, decorriam 96 horas de intensa e penosa viagem. O tratamento facultado pelos motoristas, os quais conduziam duas noites e dois dias sem dormir – algo heróico, mas homicida – era, no geral, desumano. Limitavam-se ao brusco: ‘Oh, tu!’, revelando o valor simbólico da carga que conduziam.
Para ter acesso ao trabalho, em França, era necessário dispor da famosa carta verde, a qual era fornecida pelas autoridades francesas, permitindo que os portugueses ali trabalhassem legalmente.
Como referimos acima, no interior da camioneta encontravam-se dois clandestinos, um deles logrou os seus objectivos, o outro, ou melhor, a outra foi prontamente retida, em Espanha.
Emigração & Contrabando
Joaquim de Castro e Abel Marques
Edição do Autor 2003
pp. 92,93
video de Município de Melgaço
raposa em castro laboreiro - foto norberto esteves - notícias ao minuto