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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

DE MELGAÇO A CUYABÁ

melgaçodomonteàribeira, 01.07.15

Vista sobre Prado

 

JOÃO POUPINO CALDAS


Na sociedade cuyabana dos fins do século XVIII e inícios do XIX, formara-se uma espécie de patriarcado, constituído pelos elementos de maior prestígio, seja pela posição, seja por haveres, seja pela tradição familiar. Compostas em grande parte pelos descendentes dos penetradores do sertão, vindos nas bandeiras ou nas monções de povoado, a que se uniram os filhos da Metrópole, em geral “homens que viviam dos seus negócios” como costumavam individuar-se elles mesmos, as linhagens cuyabanas mais realçadas levam quasi sempre, nas suas origens, um costado luso para três nativos, quando não paulistas. Em geral, são pelo lado materno autochtones e portugueses pelo paterno, como occorre com Serras, Cerqueiras, Rochas e Corrêas, sendo raras as famílias cujo ascendente masculino, dentro da antiga Capitania, não seja português. Podem citar-se nestas condições os Laras, Monizes, Amaraes, Coutinhos e Gaudies, tendo aquelles genearchas paulistas (de Itu, Porto feliz) e estes goianos. Não fugiram à regra os Poupinos, progênie das mais destacadas da época, na qual deveria evidenciar-se, como figura primacial nas luctas nativas, o famigerado João Poupino Caldas. O avô de João Poupino, Joaquim Lopes Poupino, natural da Villa de Belém, bispado de Elvas, arcebispado de Évora, desempenhou proeminente papel na vida da Capitania, para onde veio moço ainda, occupando os cargos de almotacé e vereador do Senado da Câmara, tendo sido ajudante do terço das ordenanças da villa, morrendo capitão das mesmas ordenanças, a 21 de Junho de 1796. A sua actuação nas guerras de fronteiras, na conducção do ouro, no levante de negros no Iacé (Jacé?) e, sobretudo, na construcção do forte do Príncipe da Beira, se patentêa através da justificação que, em 1809, fez um dos seus netos e que fiz publicar na Revista do Instituto Histórico de Matto-Grosso, na qual se vê que “por espaço de mais de 29 annos thé sua morte” “se empregou por muitos annos no Real Serviço de Sua Alteza”. Casado em Cuyabá com D. Maria Bernarda do Rosário, natural dessa villa do Bom Jesus, teve, como testifica o seu inventario, procedido em 1797 os filhos: José Lopes Poupino, Izabel Antonia, Catharina Maria Jorte (ou d’Orta), Maria Bernarda e Anna de Alvim Poupino. José Lopes (filho) falleceu com 67 annos, a 8 de Outubro de 1824, sem deixar descendentes; Izabel Antónia e Catharina conservaram-se solteiras, sendo a primeira demente; Maria Bernarda casou-se com o licenciado Francisco de Paula de Azevedo, fallecido no fim do século XVIII, deixando um filho, Albano de Sousa Ozório e Anna recebeu por marido a Manoel Ventura Caldas, português, filho de Custodio Caldas e Rosa Gomes, naturaes da villa de Melgaço, arcebispado de Braga. De Manoel Ventura, fallecido em 1800, e Anna de Alvim Poupino procederam os quatro filhos Bento José Caldas, João Poupino Caldas, Marianna de Alvim e Maria Teresa. Bento, o primogénito do casal, nasceu em 1788 e João Poupino em 1790, como se vê do termo que se segue: «Aos sete dias do mês de Julho de mil setecentos e noventa annos nesta igreja Matris de Cuyabá baptizou e pos os Santos Óleos o Reverendo Ignácio da Silva de Albuquerque a João inocente nascido a vinte e seis de Junho do dito anno filho legitimo do Tenente Manoel Ventura Caldas e D. Anna de Alvim Poupino, esta natural e baptizada nesta freguezia aquelle natural de Portugal, neto paterno de Custodio Caldas e Rosa Gomes naturaes de Melgaço Arcebispo de Braga e materno de Joaquim Lopes Poupino natural da freguezia da villa de Belém bispado de Elvas e de D. Maria Bernarda do Rosário natural desta freguezia forão padrinhos o capitão Joaquim Lopes Poupino e sua filha D. Maria Bernarda Poupino, solteira».
Adversa fortuna acolheu desde o berço o pequeno João – tinha seis annos quando perdeu o avô e padrinho e ao completar os dez ficou orphão de pae, tendo no anno anterior perdido o tio, esposo de Maria Bernarda. Manoel Ventura era comerciante e casara-se em 1787 com Anna de Alvim. Nesse mesmo anno “tendo de seguir viagem para o Rio de Janeiro” fez o seu testamento, que só veio a ser executado 13 annos após. Declara no mesmo ter nascido na freguezia de S. Lourenço de Prado, termo de Melgaço, comarca de Valença, arcebispado de Braga. No seu inventario, além de grande numero de mercadorias, figuram ouro (em barra, em pó e lavrado) pratas, casas de sobrados na Rua do Ouvidor e uma chácara no Andarahy (Rio), compradas aquella ao cap. Manoel Gomes Pinto, ao preço de 4:000$ e esta ao cap. Pedro Duarte a 2:400$. Os bens de Ventura foram a praça, em 1801 a requerimento do alferes José de Pinho de Azevedo, tutor dos orphãos, e tendo a viúva reclamado ao Rei assistir-lhe, emquanto se não casasse, o encargo de tutora, foi, por provisão de D. João VI, datada de 22 de Julho de 1804, reconhecido o seu direito.
Dos irmãos de Poupino, Bento falleceu antes de 1833, sem deixar herdeiros, Marianna casou com o capitão-mór André Gaudie Ley e Maria Teresa com António Navarro de Abreu (o 1º) de quem veio a enviuvar-se em 1825, casando-se com o desdor. António José da Veiga.

Netto de militar e filho de commerciante – ambos portugueses de boa linhagem – o jovem João conseguiu aprimorar os attributos que a herança physica lhe trouxera. Foi ambas as cousas ao mesmo tempo: homem da milícia e de negócios, e, ainda mais, político de projecção marcada, de prestigio social inconfundível, chegando a ser quasi o verdadeiro Conductor da sua geração, por seus attributos pessoaes de nobreza, bravura e desprendimento, que o fadariam a mais altos destinos, se essas mesmas qualidades não o houvessem sacrificado tão prematuramente, na mysteriosa tragédia do “beco da Câmara”.

Poupino, ao invés, quando se apercebeu da desgraça, que vinha ennodoar a sua administração, havia dois dias iniciada, procurou sinão impedir, que era tarde, a reprimir e attenuar, confinando quando possível ás proporções da hecatombe.
E o cabecilha de motins nativistas, que em 1831 era apontado como açulador da desordem, apparece, à testa de governo, e no momento preciso, como o agente inflexível da ordem e o rígido instrumento da repressão à anarchia.

Estava-se na primeira quinzena de Maio de 1837.
No dia 9, terça-feira da semana que precedia as grandes festas do Espírito Santo, de que era imperador nesse anno o capitão-mór Gaudie, seu cunhado, João Poupino Caldas regressava de umas visitas de despedidas, por ter de seguir para a Corte, quando, na esquina da rua Bella com o beco da Câmara, traiçoeiro agressor o prosta, quasi morto, com um tiro de pistola pelas costas.


JOÃO POUPINO CALDAS
(contribuição para o estudo da “Rusga”

Autor: José de Mesquita
           Do Instituto Histórico e da Academia
           Mato-grossense de Letras

Edição: Cuiabá
               ESCOLAS PROFISSIONAIS SALESIANAS

MCMXXXIV

http://www.jmesquita.brdata.com.br/bvjmesquita.htm