CRÓNICA DEL REY D. JOÃO O I
vila de melgaço por duarte d'armas - sec. xvi
CRONICA DEL REY D. JOAÕ O I
CAPITULO LXXIII
CERCA EL REY A VILLA DE MELGAÇO: SUA ENTREGA, E SAHIDA DOS CASTELHANOS
Estando el rey na Cidade do Porto, veio a elle hum embaixador chamado Ambrosio de Marinis, enviado por Antimoto Adorno Duque de Genova, e dos anciaõs daquela comunidade, per que mandavaõ pedir a el Rey a valia das mercadorias das naos Genovezas, que foraõ tomadas no tempo do cerco de Lisboa. Sobre o que el Rey deu boa reposta, sem o remeter aos officiaes da Fazenda, como agora se faz: e o que montava nellas, que eraõ setenta mil dobras de ouro, lhe mandou logo el Rey pagar; com que o embaixador foi mui contente.
Nesse mesmo tempo partio el Rey para Braga, onde fez Cortes sobre cousas do Estado do Reyno, e partio para Melgaço sinco legoas acima de Tuy, e meia legoa do Minho, Villa do Reyno bem cercada, que estava por Castella. El Rey chegou a ella no mez de Janeiro de 1388 com seu campo, em que hiaõ D. Pedro de Castro, o Prior do Hospital, e Joaõ Fernandez Pacheco, e outros, que seriaõ por todos mil e quinhentas lanças, e muita gente de pé. Os de dentro, que estavaõ por defensaõ da Villa, eraõ Alvaro Paes de Soto Mayor, e Diego Preto, e Xemeno, com trezentos homens de armas, e outros tantos homens de pé escudados. El Rey assentou seu arraial e começou a combater com todo o genero de artifícios, e engenhos, a que chamavaõ trons, com que atiravaõ grandes pedras; a que tambem os de dentro respondiaõ com outras: e assi ouve muitas escaramuças. E vendo os de dentro huma taõ grande bastida, que el Rey mandou fazer de muitos sobrados, em que hiaõ os besteiros, a qual se movia por carros, e engenhos, sendo mui alta, e de grande largura, receando que a Villa podesse ser entrada, mandaraõ dizer a Joaõ Fernandez Pacheco lhe fosse falar; e el Rey o mandou: e chegando á barbacaã, e Alvaro Paes ao muro, falaraõ de vagar, e naõ se concertaraõ sobre a entrega da Villa. Nesse dia ouve huma escaramuça mais para ver, que as que até alli eraõ passadas; porque duas molheres bravas, huma do arraial, e outra da Villa, se desafiaraõ, e vieraõ aos cabelos: e por fim venceo a do arraial, como mais costumada a andar na guerra.
Nesse meio tempo chegou a Rainha a Monçaõ, tres legoas de Melgaço: vinhaõ com ella o doctor Joaõ das Regras, Joaõ Affonso de Sanctarem, e outros cavalleiros: dahi se veio ao Mosteiro de Feaes, huma legoa de Melgaço. Ao arraial chegou o Conde D. Gonçalo, e Joaõ Rodriguez Pereira; e escaramuçaraõ os do Conde com os da Villa, e foraõ feridos de ambas as partes, e nenhum morto. A aquelle tempo veio recado a el Rey que a villa de Salvaterra, que lhe deu D. Pedro de Castro, hum tabaliaõ do logar, e dous homens de armas a deraõ a Payo Sorodea. El Rey mandou logo lá o Prior D. Alvaro Gonçalvez com muita gente, mas naõ aproveitaraõ nada: e querendo el Rey mudar o artificio da bastida para prosseguir o combate de Melgaço, mandou chamar a Rainha, para que a viesse ver como se entregava. E a huma segunda feira, que eraõ tres dias de Março, depois de comer, mandou el Rey que abalasse a bastida com seus engenhos contra a Villa, e se moveo com grande força de gente, e andou dezoito braças. Após ella moveo huma ala, e despois outra e estiveraõ ambas arredadas do muro. Despois moveraõ a bastida outra vez, e foi bem: e chegou tanto á Villa, que punhaõ hum pé dentro do muro, e outro na escada; e sobio muita gente do Prior primeiro que todos, e mandou el Rey que se retirassem a fóra. Entaõ se fez prestes para mandar combater, e mandou a dez homens de armas que sobissem no mais alto sobrado, onde hiaõ as pedras de maõ, e moveo tudo juntamente, as escadas, e a bastida, em que hiaõ os homens de armas, e bésteiros. Da bastida sairaõ homens com grossos paos, que acostavaõ ao muro, e punhaõ tantos delles, que ficavaõ emparados os debaixo das pedras, e fogo, que de cima do muro lançavaõ; mas os de baixo lançavaõ muitas pedras aos de dentro, por naõ terem defensaõ. E enfadados os da Villa, mandaraõ outra vez pedir a el Rey lhes mandasse falar; e tornou lá a isso o Prior, naõ querendo el Rey consentir em avença alguma, sendo cousa que aos outros lugares concedia benignamente; mas queria tomalos por força, para se vingar de algumas palavras descortezes, que contra elle tinhaõ dito: e sobre isso ouve altercação entre el Rey, e os seus. Joaõ Rodriguez de Sá disse a el Rey, que lhe parecia bem fazerlhe partido, pois o cometiaõ; porque, tomandoos por força, lhe podiaõ matar algum homem, com que fosse anojado. El Rey lhe disse com ira, que quem tivesse medo, naõ entrasse na escala. Eu, senhor, disse Joaõ Rodriguez de Sá, naõ no tenho, se dizeis isso por mim: mas cuido que nunca me conheceste por tal. Nem eu (disse el Rey) o digo por vós; mas digoo, porque os tenho já por rendidos. A gente miúda, com dezejo de roubar, queriaõ que perseverasse até tomar a Villa por força. Os nobres estavaõ por Joaõ Rodriguez. Em fim el Rey consentio na entrega a partido; e tornou lá o Prior, o qual assentou com elles, depois de muita razoes, que dessem a Villa, e o castello, e elles sahissem em calsas, e gibões sem outra cousa. Desta maneira foi dada a Villa de Melgaço, avendo cincoenta e tres dias que estava cercada. Dada a Villa por esta maneira, correo nova polo arraial que todos os cercados aviaõ de sahir despidos com suas varas nas maõs. Os moços, sem lho alguem mandar, ouvindo aquillo, foraõ colher varas, e cada hum trouxe o seu feixe, e pozeraõse á porta da Villa, para, quando os cercados sahissem, lhas meterem nas maõs a cada hum. Nisto, primeiro que todos, sahio hum mancebo pouco mais de vinte anos, e chegou onde el Rey estava: e, posto de joelhos diante delle, disse que elle era hum fidalgo, que viera áquelle logar per servir a el Rey seu senhor, cujo vassalo era: e por sua desaventura, sendo aquellas as primeiras armas, que tomara para o servir, via que lhe era forçado perdelas, segundo o que com os da Villa sua Alteza tinha tratado, que era a cousa de maior tristeza para elle de quantas lhe poderaõ acontecer, naõ por a perda das armas, que sua valia era pouca, mas porque lhe parecia que já com outras naõ averia nenhum bom acontecimento, se aquellas, que primeiro vestira, as perdesse de tal maneira. Por tanto lhe pedia por mercê lhas mandasse tornar: e quereria Deos que ainda lhe fizesse com ellas tal serviço, salva a honra de el Rey seu senhor, e sua lealdade: com que as ouvesse nelle por bem empregadas. El Rey, em que avia muita humanidade, e cavalaria, vendo a boa indole daquele mancebo, mandou que suas armas lhe fossem tornadas; e naõ se achando, lhe dessem quaes elle escolhesse: e assi só elle sahio armado. Ao outro dia foraõ lançados todos fora despidos em calsas, e em gibões: e os moços, naõ entrando aquillo no partido, metiaõlhe a cada hum sua vara na maõ, e elles as tomavaõ; e alguns por graça diziaõ aos que lhas davaõ: Rogote que me dês huma bem direita, e boa. Assi ouve el Rey a Villa, e o castello, de que deu a Alcaidaria a Joaõ Rodriguez de Sá: e partindo com a Rainha, tornou a Monçaõ.
CRONICAS DEL REY DOM JOAÕ DE GLORIOSA MEMORIA, O I
POR DUARTE NUNES DE LEAÕ
LISBOA
Na offic. de JOZE’ DE AQUINO BULHOENS
Anno M. DCC. LXXX