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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

CASTELO DE MELGAÇO POR CARLOS A. BROCHADO DE ALMEIDA II

melgaçodomonteàribeira, 17.07.21

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(continuação)

 

A hipótese, consistente, de ter sido o rei D. Afonso Henriques a mandar construir o castelo – a concretização é que poderá não ter sido na sua vigência – alicerça-se no texto da Carta de Couto concedida pelo rei D. Sancho I ao mosteiro de Longos Vales, situado no actual concelho de Monção e que a crítica, apesar de algumas incertezas, tende a colocar no ano de 1199. Diz o referido documento que o rei coutava o dito mosteiro de “São João de Longavares juntamente com o herdeiro D. Afonso II e os restantes filhos e filhas em remição dos seus pecados e pello amor de Deus, pella torre que Dom Pêro Periz, prior do dito mosteiro com seus frades nos fes em Melgaço”.

De acordo com aquele texto, não restam dúvidas que em 1199 já havia uma torre em Melgaço mandada construir a expensas do mosteiro de Longos Vales. Por este facto não compreendemos a surpresa demonstrada por Bernardo Pintor – a não ser que desconhecesse o texto da Carta de Couto do Mosteiro de Longos Vales – pela presença do prior do dito mosteiro na Inquirição feita em 1258 à vila de Melgaço, onde participou conjuntamente com outras figuras civis e religiosas, nomeadamente os abades dos mosteiros de São Salvador de Paderne e de Santa Maria de Fiães. Os motivos que conduziram até Melgaço o prior do dito mosteiro seriam os mesmos dos restantes: interesses económicos na região.

As razões do interesse do mosteiro de Fiães, conhecemo-las devido à documentação que se conservou, como saberíamos a de Paderne e mesmo as de Longos Vales, apesar de este se localizar bem mais distante, caso conhecêssemos o paradeiro de seus cartórios. O abade de Fiães tinha por ali casas e herdades, dele dependia, alternadamente, a apresentação do pároco da paróquia de Nossa Senhora da Porta – o outro patorno era o concelho ou câmara de Melgaço – e tinha, sobretudo, grandes interesses em Nossa Senhora da Orada.

De Paderne sabemos menos, mas posteriormente, no reinado de D. Pedro I, este mosteiro tinha na vila de Melgaço umas casas que haviam pertencido a “Domingu Eannes pera teer en ellas seu pam e seu vinho”. Tal propriedade foi objecto de uma demanda judicial e, por esse motivo, o rei acabaria por dar razão ao mosteiro, ficando ele com a liberdade de as usar como bem entendesse, desde que pagasse o foro que lhe era devido. Aliás, seria este mesmo monarca quem viria a confirmar, a 6 de Novembro de 1358, os previlégios anteriormente outorgados ao concelho de Melgaço.

Do Mosteiro de Longos Vales desconhecemos os seus verdadeiros interesses, mas se os frades haviam construido a dita torre, porque motivo assim haviam procedido? Certamente porque ali tinham propriedades que precisavam de ver protegidas e assim colaboravam na política de defesa seguida pelo rei ou porque, precisando de pagar favores reais concedidos noutros pontos do Minho, colaboravam na defesa de um burgo recentemente dotado, pelo rei, de uma Carta de Foral que a elevava à categoria de concelho.

A primeira referência à vila de Melgaço defendida e rodeada com um muro ou cerca, data de 1205. Naquela altura, mais especificamente a 13 de Abril o arcediago da Terra de Valadares, D. Garcia Nunes, juntamente com André Garcia “ut seviat ipse Andreas mihi” faziam um acordo com o abade de Fiães relativo à posse da igreja que se ideficava junto à porta da mesma vila: “ipsam ecclesiam de Melgazo que est edificata prope portam ipsius ville”.

À luz deste documento fica bem claro que em 1205 – governava então D. Sancho I já desde 1185 – a cerca já estava em construção, nomeadamente o troço nascente, voltado à Praça da República e Rua Hermenegildo Solheiro, muito provavelmente porque esta era a zona menos defensável sem o apoio de meios artificiais. De acordo com o texto, naquela data já havia uma porta no muro, justamente na traseira da capela-mor da igreja de Santa Maria. A sua construção era de tal maneira necessária e significativa para a população do burgo que acabou por marcar a própria designação oficial da paróquia que passou a chamar-se Santa Maria da Porta.

Respingando na bibliografia da especialidade, a maioria dos autores que se têm debruçado sobre este tema, são de opimião que a obra de cercar o burgo resultou das desavenças político-militares ocorridas no reinado de D. Afonso II, entre este monarca e suas irmãs, situação que levou o exército de Leão a entrar no Minho nos anos de 1211 e 1212 e a devastar a região. Seria, para Bernardo Pintor, este o motivo principal que teria levado o monarca a mandar cercar a vila de uma muralha, mas não o diz com total convicção, porque a certo ponto levanta a hipótese de ela já existir e os leoneses terem-na destruído. Na sua esteira, com argumentos semelhantes viria Mário Barroca a reiterar a hipótese de ter sido o rei D. Sancho II o autor da construção do muro da vila de Melgaço. De acordo com a sua argumentação “o início da construção da muralha de Melgaço remonta, pelo menos, aos tempos de D. Sancho II”. Opinião semelhante teve Augusto César Esteves. Para este estudioso de Melgaço as desavenças entre D. Afonso II e suas irmãs motivaram o ataque a uma Melgaço que mal defendida “com panos de fraca cortina em terra, possivelmente sem obras defensivas capazes de aturarem cerco de semana ou meia dúzia de escaladas contínuas” assim ficaria até ao reinado de D. Sancho II. Para este autor as obras realizadas em tempo do rei D. Sancho II foram parcelares, porque a parte voltada ao mosteiro de Santo António das Carvalhiças só foi feita no tempo de D. Afonso III, em 1163.

Que a cerca começou a ser erguida pelo lado nascente e antes de 1205 é algo que para nós é um dado adquirido. Pacífica é também a ideia de que uma obra daquela envergadura não podia ter sido construída em dois tempos, mesmo que os fundos abundassem. Não foi o caso, porque a obra foi feita a expensas de várias instituições e demurou a concretizar-se mais de meia centena de anos. Deveria estar concluída em 1263, ou próximo disso e não em tempo do rei D. Dinis como aventou César Esteves.

 

 

(continua)