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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

CAPELA DE NOSSA SENHORA DE MONSERRATE I

melgaçodomonteàribeira, 25.09.21

231 -capela srª monserrate foto de pt wikiloc com

 

QUANDO DEUS QUER

 

Quando Deus quer e o homem tem fé e sentido de gratidão, podem nascer as obras mais surpreendentes. É o caso da capelinha da Senhora de Monserrate, assim mesmo capelinha, porque surgiu muito pequena, talvez em consonância com a carteira de quem a encomendou. Chegaram-me duas versões, ambas belas e ambas como tributo ao amor, a Deus e sua Mãe, que fizeram o milagre, à família do homem ou da mulher de fé que confiaram nos desígnios do Criador. As duas versões da origem da capelinha são verosímeis, outras poderá haver, o povo é profícuo em acrescentar pontos ao que se conta, e como os que poderiam dar testemunho estão em vias de desaparecer, ficamo-nos por aqui.

Eis a história de um pai que muito sofreu para criar os sete filhos com que a Natureza o presenteou e à sua mulher. Foi há muito tempo, a data poderá precisar-se mas não faz falta para apreender o que importa. Um após outro, com alguns que não vingaram pelo meio, foram nascendo os sete filhos de um casal que vivia num lugarejo no planalto dos montes do Laboreiro, nos contrafortes da serra da Peneda. Todos homens. Ao fim do terceiro ou quarto, começou a instalar-se o desejo de que uma menina aparecesse para trazer o seu encanto à fratria que os pais não viam parar de crescer. A mãe deixava-se aconselhar por mulheres mais entendidas, que sabiam como fazer para conceber uma menina, atentando às luas, aos meses, à própria maneira de se entregar ao homem. Os conselhos de nada resultaram, até porque as crianças se instalavam no ninho materno sem que a vontade dos progenitores tivesse algum papel, a natureza e só a natureza é que mandava.

À medida que cresciam e ganhavam autonomia, os rapazes começaram a largar as saias da mãe, a asa protetora do pai. A terra era muito pobre, as courelas escassas para garantir os meios para uma subsistência digna a tanta boca. A pouco e pouco partiam, voltavam, tornavam a partir, como todos os homens empreendedores da terra. Alguns casaram e constituíram a sua família, alargando de modo significativo o núcleo da família de origem. Quando se juntavam na casa dos pais, apesar do número sempre a crescer, a mãe não se cansava de lembrar os tempos idos em que os sete filhos se sentavam à mesa e todos partilhavam o muito ou o pouco que havia para comer. Os tempos mudavam, noras e netos e netas contribuíam em número, descontração e alegria para transformar cada encontro numa festa, mas à medida que os anos passavam aumentava a nostalgia do casal em relação à ausência de um ou outro filho. Era bem receber notícias e saber que pelo Natal ou pela festa da Senhora dos Milagres os ausentes se fariam presentes, mas havia um vazio que permanecia.

A mulher viu-se tomada por uma febres que não lhe deram tréguas durante dias, caiu na cama e todos julgaram que era chegada a sua hora. O homem, seu confidente privilegiado, sentiu como sua a saudade da sua companheira, fez apelo à sua fé mais profunda, rogou pela recuperação da enferma e fez a promessa da sua vida: mandaria construir uma capela em honra de Nossa Senhora se juntasse os sete filhos na sua casa. Não se atrevia a juntar à promessa o voto de a mãe poder abraçá-los a todos em simultâneo antes de se entregar ao Criador, mas era esse o seu propósito mais firme, que guardava só para si, receoso que a partilha do mesmo desse azar ou que mostrassem pena dele.

Deus ou Nossa Senhora, ou os dois em conluio, atenderam as preces deste pai e marido extremoso, sem igual, e a sua cara-metade afugentou as sezões que a deixaram muito debilitada mas de pé. O susto de quase a terem perdido chegou aos filhos ausentes quando da doença que a acometeu e a vontade de responderem com a sua presença aos desejos dos pais fez caminho. Por ocasião da festa da Senhora dos Milagres, os sete irmãos marcaram presença na casa onde tinham nascido. Um deles só chegou ao pôr do sol, mesmo a tempo de ocupar o seu lugar à mesa do jantar. Coube-lhe a ele, por delegação do pai, a oração que antecedia a refeição. A que se seguiu foi o pai que a disse e logo de seguida anunciou que o seu maior desejo estava cumprido, as suas preces tinham chegado ao céu, só lhe restava pagar a promessa: construir a capelinha em honra de Nossa Senhora.

 

(continua)