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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

CAPELA DE NOSSA SENHORA DE MONSERRATE II

melgaçodomonteàribeira, 02.10.21

233 - Coriscadas.JPG

 coriscadas  castro laboreiro

(continuação)

 

Esta seria a versão que associa esta família à origem do culto da Senhora de Monserrate neste recanto serrano. A outra refere-se a uma mãe que foi confrontada com a infelicidade de dar vida a dois filhos surdos de nascença. Primeiro um, depois outro, os meninos iam-se desenvolvendo com toda a normalidade, fortes, bonitos como estrelas, sem o menor sinal que apontasse para um qualquer problema ou defeito. Quando o segundo nasceu, já o mais velho corria pela casa e pelo pátio ou a eira onde a avó tomava dele enquanto a mãe tratava dos seus muitos afazeres. Começaram a estranhar o facto de o menino não falar, já a voz do povo se ouvia para lamentar a sorte do rapazinho. A dúvida e o temor de terem um mudinho em casa tomaram a mãe e a avó mas nem uma nem outra ousavam dizer em voz alta o que lhes entristecia a alma. Continuaram a esperar, de um dia para o outro a criança ia desatar a língua e começava a falar, garantia a tia Lomba, entendida em casos de beta, espinhela caída e outras maleitas daqueles tempos. Só quando o segundo menino reproduziu o padrão do mais velho é que a evidência se impos à mãe pela voz do doutor: eram surdos e porque eram surdos eram mudos e a ciência ao seu alcance não podia nada por eles, tinha de ter paciência, pior seria se nascessem sem um braço ou uma perna.

A mãe não se rendeu à impotência do médico: a ciência não a podia ajudar, Nossa Senhora, que também era mãe, intercederia por ela junto de Deus. Era tão grande a sua fé que começou logo a diligenciar para arranjar trabalho na ramboia para juntar o dinheiro necessário para pagar a promessa: se os seus filhinhos ouvissem e fossem capazes de falar, mandaria levantar uma capela em honra de Nossa Senhora. Não chega até hoje eco de que houvesse dois mudos por aquelas bandas, por isso é de crer que as crianças se aventuraram na comunicação verbal fora de tempo. Também não se sabe se essa capacidade tardia se deveu à interferência da Mãe de Deus para adoçar a vida da mãe dos meninos ou se estes eram dotados simplesmente de um ritmo próprio fora do comum.

Foi esta mãe ou pai que mandaram edificar a capela? Escolhido o local, seguiu-se o apelo ao pároco da terra para diligenciar no sentido da aquisição da imagem de culto. Porque os contactos com a Galiza eram mais fáceis e habituais, parece que a busca da imagem se terá realizado no país vizinho, em Ourense ou Santiago ou lá para Madrid ou mais longe até. Porque foi adquirida a efígie da Senhora de Monserrate e não qualquer outra ultrapassa o entendimento do narrador e dos interlocutores que levantaram este véu. É claro, isso sim, que enquanto a obra da capelinha decorria, ficou a santa ao cuidado do pároco, em sua casa, aguardando a cerimónia pública da sua bênção e a entrega à que ficaria a ser a sua casa. Também se conta que a santinha esteve escondida, pois chegou a Portugal clandestinamente e temia-se que fosse feita prisioneira como se de um refugiado se tratasse. A capela foi construída em terreno baldio, perto da aldeia, e a sua diminuta dimensão tem a ver com a singularidade da sua origem: obra de uma família de fracos recursos. De fracos recursos e de muita fé e, em guisa de conclusão vem-nos à memória um provérbio muitas vezes ouvido: o pouco com Deus é muito, o muito sem Deus é nada.

 

                                                                        Olinda Carvalho

 

Publicado em A Voz de Melgaço

Junho de 2015