CASTELO
DOS MONTES LABOREIRO
José Domingues
O castelo dos Montes Laboreiro ou do Laboreiro (fr. Castro Laboreiro, c. Melgaço) é a segunda fortaleza mais setentrional de Portugal – a primeira é o vizinho castelo de Melgaço (fr. Vila, c. Melgaço). Situa-se em frente do lugar da Vila de Castro Laboreiro, no alto dum cabeço rochoso da cordilheira montanhosa de Entre-Lima e Minho – na época medieval identificada com os Montes Laboreiro, topónimo que ainda perdura do lado galego – servindo de sentinela avançada de toda a raia seca entre estes dois rios.
Trata-se de um castelo medieval de tipologia roqueira, que, não fugindo à regra dos seus homólogos, nos aparece de improviso no fio cronológico do tempo, mudo como uma esfinge, ocultando o segredo das suas origens. Sem embargo, é tanta a sua antiguidade que se não guardou memória autêntica da sua fundação. Não surpreende, por isso, que desde o dealbar do século XVII, pelo menos, os documentos manuscritos e impressos, com alguma assiduidade, tributem a fundação da esculca do Laboreiro a S. Rosendo da Celanova ou à sua família – e não será de todo despiciendo que, do outro lado da raia, ainda hoje continuem a chamar-lhe o castelo de S. Rosendo.
Reza a lenda que D. Afonso III de Leão – o Magno – terá doado, a título hereditário, o monte Laboreiro – “leporarium momtem” – ao conde Hermenegildo Mendo, avô de S. Rosendo, a título de recompensa por lhe ter submetido um grande opositor. Por morte de seu avô passou para seu pai, o conde Guterres Mendo, e, sucessivamente, para S. Rosendo.
Mas todo o período lendário tem o seu aspecto histórico: (I) esta doação e consecutiva transmissão já aparecem registadas em manuscrito do século XII, que relata a vida do cenóbio de Celanova; (II) se efectivamente se pode identificar a arcaica terminologia “monte”, que aparece nos documentos do século X, com as estruturas defensivas muito rudimentares levantadas para as populações se abrigarem dos ataques muçulmanos, normandos e eventuais violências internas, desde esse recuado século que está documentada a existência do castelo do Laboreiro em expressões como “subtus mons leporario” e similares; (III) finalmente, não há dúvida de que o castelo do Laboreiro fazia parte do património do mosteiro galego de Celanova, conforme consta do contrato de permuta outorgado em Zamora, no ano de 1241, entre D. Sancho II de Portugal e o dito mosteiro de Celanova, cedendo este último o castelo do Laboreiro ao monarca luso, que por sua vez lhe liberou a igreja de Monte Córdova (c. Santo Tirso).
Contra o que tem seguido a corrente historiográfica tradicional, mais lendária parece ser a tomada deste castelo pela força das armas, no tempo de D. Afonso Henriques. Tudo por conta e crédito da carta de couto que, no dia 16 de Abril de 1141, o mesmo monarca outorgou ao mosteiro de Paderne, em compensação do tributo de dez éguas com suas crias, trinta moios de vinho, um cavalo avaliado em quinhentos soldos e cem moedas de ouro, que a abadessa Elvira Sarracine lhe tinha prestado durante a tomada do castelo do Laboreiro – “istum pretium et servitium fuit datum quando tomavit dominus rex castellum do Laborario”. Este diploma afonsino vem confirmar a existência do castelo na primeira metade do século XII.
A cronologia documental conhecida impõe que, para se aceitar o sucesso bélico do nosso primeiro monarca, se acredite na conquista da fortaleza roqueira do Laboreiro duas vezes consecutivas, no Inverno de 1140 – uma por Leão e outra por Portugal. Esta ideia torna-se assaz improcedente tendo em conta: (I) a situação geográfica do castelo e a defesa natural proporcionada pela escabrosidade dos colossais penhascos que a natureza cinzelou; (II) os invernos rigorosos no âmago destas montanhas; (III) a morosidade, os riscos e as práticas de sitiar castelos em pleno século XII.
Assim sendo, o mais plausível é que, primeiro, o castelo do Laboreiro tenha tomado voz por Afonso VII, quando este por aqui passou a caminho de Valdevez, e depois, após o Bafordo de Valdevez e consecutivo armistício entre os dois reinos, tenha ficado do lado de Portugal, aproveitando o monarca luso a proximidade geográfica para o visitar e tomar posse. O convento de Paderne, por sua vez e tal como outros congéneres, ter-se-á limitado a comprar ao soberano a carta de couto para o seu mosteiro, pagando o respectivo preço.
Regressando ao hodierno, o “viajante” do Prémio Nobel da Literatura, José Saramago, ficou surpreendido com o nome da porta deste castelo voltada para o casario actual da vila – porta do Sapo – referindo que “alguma coisa daria o viajante para saber a origem deste nome”. Numa tentativa de satisfazer essa curiosidade, é bem plausível que a explicação esteja na formação granítica, em forma de tartaruga, que fica mesmo em frente a essa porta. A verdade é que por estas bandas, plausível legado do Galaico-Português, a tartaruga ainda é o sapo concho ou sapo com concha.
José Domingues – Historiador e jurista. Professor e investigador do CEJEA na Universidade Lusíada. Fundador do Núcleo de Estudos e Pesquisa dos Montes Laboreiro. Autor de As Ordenações Afonsinas e de muitos outros trabalhos da história da região do concelho de Melgaço.
LUGARES INESQUECÍVEIS DE PORTUGAL
Viagens com Alma
Edição Paulo Alexandre Loução
Julho 2011
pp. 417-419