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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MEMÓRIA DA GUERRA CICIL DE ESPANHA III

melgaçodomonteàribeira, 05.03.13

 

 

Integrou o Batalhão Máximo Gorki, onde havia “numerosos portugueses”.

O leitor recordará já aqui ter trazido o depoimento de outro soldado, de Fafe, a viver em Barroso, que esteve nesta mesma unidade, sedeada em Gijón.

“Comecei por ser maqueiro, andávamos pelo monte, a recolher os feridos. Assim corri praticamente todas as frentes. Depois fui ajudante de cozinheiro, embora nunca tivesse cozinhado. Passei então a estar sempre longe da linha de combate. Creio que nunca dei um tiro. Meteram-me então a ajudante de cozinha e estávamos sempre longe da linha de fogo. Era numas mulas que lhes mandávamos as refeições, duas vezes ao dia: muita carne, batatas, arroz, lentilhas. Éramos seis a cozinhar, estávamos ora numas casas alugadas para aquilo ora em igrejas, conforme.”

Na verdade, nunca deu um tiro?

“Nunca, nem sei como se mexe numa arma! Mesmo assim, tive os meus momentos de perigo. Um dia de manhã, levantei-me para fazer o pequeno-almoço para os outros cozinheiros que ainda estavam na cama. Aquilo foi numa altura de muito bombardeamento aéreo. Eu, então, saí do quarto e ficou a dormir o meu parceiro, e não é que uma bomba o matou? Isto foi perto de Oviedo, quando os do Franco já estavam a tomar a cidade.”

Entretanto, marginalmente, sorrindo e falando a meia-voz foi-me dizendo que, em matéria de combustível… os santos das igrejas eram de uma madeira que ardia muito bem!

Depois?

“Quando nos prenderam, levaram-nos para Luarca, onde havia um campo de concentração. Éramos muitos. Lá passámos uma vida terrível: dormíamos na palha do chão, vivíamos a toque de corneta. Até quando havia geada nos obrigavam a tomar banho de mar! E, entretanto, andavam a pedir informes meus…”

 

(continua)


MEMÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA II

melgaçodomonteàribeira, 05.03.13

 

 

 Para trás, Manuel Alves deixava os tempos do Batalhão Gorki, comandado por Horácio Arguelles, a derrocada republicana das Astúrias e uns meses no campo de concentração de Luarca.

Poderia ter sido despachado para o outro mundo por um pelotão de fuzilamento ou meter os ossos anos a fio na cadeia, mas, como se disse, nem sequer cá foi chamado para cumprir a tropa.

Escapou e pronto.

Pelos vistos, os necessários pedidos de informação sobre a sua pessoa, para instrução do processo que o implicava, receberam respostas altamente abonatórias, desde os antigos patrões na construção de estrada ao presidente do município melgacense e respectivo pároco.

Todos o deram por solteiro e bom rapaz, um santo, pelo que pôde regressar a uma profissão digna de arraiano: contrabandista.

Aliás, pouco antes dos finais de 1938, já os franquistas, com forte apoio dos italianos e da Legião Condor, tinham tomado as Astúrias.

Assim, se a repressão começava para os que ficavam, para alguns, como ele, era hora de regressar.

“Trabalhava na construção de uma estrada em Tebongo, quando estourou a guerra. Comigo estava um cunhado, que morreu no campo de batalha, e a minha irmã Deolinda estava lá a trabalhar na cantina da empresa. Eu era socialista e logo entrei para as milícias e depois para o Exército Popular.”

 

(continua)


MEMÓRIA DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA I

melgaçodomonteàribeira, 05.03.13

 

 

 Diário de Notícias

 

Terça-Feira, 11 de Agosto de 1998

 

Viale Moutinho

 

Em Melgaço

 

A GUERRA

 

Manuel Alves enredou-se na Guerra Civil de Espanha mas não foi lá que perdeu a perna. Tem 87 anos, feitos em Março passado, recebe-nos na sua casa, na Avenida da Barbosa, em Melgaço. É um dos pontos mais altos desta vila fronteiriça, pátria do Alvarinho. Aqui, toda a gente o conhece e conta a sua lenda de contrabandista, a que somam a lenda da guerra.

E é bem bom, porque tratando-se de um santo homem, como se verá, na sua terra lhe reconhecem os milagres, que é como quem diz: as façanhas. Também ninguém melhor do que ele as conta, não obstante já ter perdido um pouco a memória, sobretudo a das datas. Na altura da nossa conversa, estava a terminar um período de ligeira doença, que o tinha acamado. Acabo por perceber que esteve duas vezes nas Astúrias, de uma com 17 ou 18 anos, abandonou os afazeres agrícolas da família, e de outra “ainda não tinha feito 31”.

Deduzo que a revolução dos mineiros asturianos teve lugar entre as vezes que lá esteve. Pelos dados facilitados pelo senhor Manuel Alves, fiquei com a ideia de que na primeira vez trabalhou nas minas, em Avilés, e na segunda na construção de uma estrada.

Um belo dia, Manuel Alves chegou a Tui entre dois tricórnios da Guarda Civil e foi entregue à Guarda Fiscal de Valença. Era um indesejado na Espanha franquista, mesmo que no Exército Popular não tivesse ido além de maqueiro e chefe de cozinha.

As autoridades portuguesas é que não lhe atribuíram grande importância enquanto soldado da II República. Nem parece ter dado que a única tropa que ele fez foi na Guerra Civil de Espanha. A Guarda Fiscal arranjou-lhe transporte de camioneta e, daí a nada, estava ele em Melgaço.

 

(continua)