mãe do sr. amadeu abílio lopes e banda dos b.v.m
OS NOSSOS MORTOS
É sempre doloroso falar daqueles que partiram, mas as notícias que tem sido dadas nos jornais da terra acerca dos que morrem são por norma curtas, demasiado sucintas para aqueles que, como eu, gostam de saber mais alguma coisa sobre essas pessoas, nossos conterrâneos. Não se trata de curiosidade, de mera estatística, mas também de sentimento. Nós, os que saímos de Melgaço, nunca esquecemos o nosso berço, nem as suas gentes. Sentimos a sua falta, sua cumplicidade, por vezes até o seu mau feitio!
Em A Voz de Melgaço de Outubro findo (11/10/2013) falou-se de Amadeu Abílio Lopes, mais conhecido por “Bicho Fino”, alcunha que a sua própria mãe lhe pôs, por achar que era esperto, vivaço. Diz-se aí que morreu em Abril de 2013, com 99 anos de idade. Acontece que ele nasceu no lugar de Cortinhal, Chaviães, a 13/3/1913, pelo que se a minha máquina de calcular não me trai ele faleceu com 100 anos feitos e não com 99 anos. Outra coisa que se diz no jornal é que «cedeu a sua parte como accionista, mais de 70% à Câmara Municipal.» Se a memória não me falha, eu li na altura (1997) que eram 68,8/%. A diferença não é significativa, mas o seu a seu dono.
Amadeu Abílio Lopes era filho de Vitorino José Lopes, soldado da Guarda-Fiscal, e de Maria Rosa Cortes, lavradeira. Em 1927, com treze ou catorze anos de idade, no segundo ano da ditadura dos militares, emigrou para o Brasil, onde teve de trabalhar muito, e “no duro”, apesar da sua tenra idade. Depois de adulto entrou no mundo dos negócios, foi dono de uma ou duas padarias, conseguindo juntar algum cabedal.
Casou em 1942 com Ulysseia Pires, natural do Rio de Janeiro, a qual Não lhe deu filhos. Nunca se esqueceu da sua freguesia de nascimento, mandando ali construir uma vivenda, que baptizou de “Lar da Saudade”, onde passava férias quando vinha a Portugal.
Também se diz em A Voz de Melgaço que ele foi «um benfeitor» da Câmara Municipal de Melgaço. Quanto eu sei a doação não se traduziu, nos primeiros anos, num benefício para a Câmara, mas sim numa despesa, a juntar a outras. Na altura que o senhor Amadeu, juntamente com outros sócios, criou a sociedade anónima, tentava-se em Melgaço erguer uma Adega Cooperativa, a qual não foi avante por diversas razões, uma delas por falta de apoio financeiro. Há muita gente no concelho, e fora dele, que poderá falar nesse assunto melhor do que eu.
É certo que ele deu, ao longo da sua vida, algum dinheiro à Santa Casa da Misericórdia e aos Bombeiros Voluntários de Melgaço, sobretudo à sua banda de música; ninguém poderá negar isso, pois está registado na imprensa local. No entanto, ninguém pense que a entrega gratuita das acções da “Quintas de Melgaço – Agricultura e Turismo, SA” ao município foi um gesto altruísta, fundado no seu grande amor por Melgaço. Há quem afirme que teria feito bem melhor se as tivesse vendido por um preço justo a pequenos e médios produtores. Que vocação, que competência técnica e científica, tem uma Câmara Municipal para gerir uma sociedade anónima? As Câmaras Municipais que se saiba são organismos políticos, não são gestoras de empresas, sejam elas sociedades anónimas ou não. Sendo assim, perguntar-se-á: por que motivo o presidente da edilidade aceitou essa oferta? A resposta não é fácil, e até pode haver mais do que uma resposta. Quando eu era pequeno dizia-se em Melgaço que quando a esmola é grande o pobre desconfia. Pelos vistos ninguém desconfiou, e os autarcas aceitaram com agrado a dita prenda. Em troca, pois de uma permuta, e agradecidos, atribuíram à Praça José Cândido Gomes de Abreu o nome do senhor Amadeu Abílio Lopes, além da medalha de ouro do município. Tudo bem. José Cândido morrera em 1908, já estava esquecido. Quem se lembra que foi graças à sua iniciativa que se criou o hospital? No entanto, vão ficando no esquecimento, espécie de limbo, alguns melgacenses que contribuíram imenso para o prestígio do nosso concelho; mas não doaram acções de empresas, mesmo que as mesmas não valham fortunas.
Nada me move contra o senhor Amadeu Abílio Lopes, não o conheci pessoalmente, na velhice quis ser útil ao seu concelho, interveio no seu desenvolvimento, mas daí a subir ao pódio… E se a moda pega? Isto é, se no fim da sua vida qualquer empresário doa ao município a sua empresa? Talvez eu esteja a dar relevo a coisas que em si não tem grande importância, mas de facto gostaria que aqueles que foram eleitos tivessem mais em conta a opinião do povo quando se atribui o nome de uma praça, avenida, rua, a figuras mais ou menos conhecidas.
Na citada notícia de A Voz de Melgaço fala-se de Rosa, casada com Maximino Reinales: «Amadeu Abílio Lopes não tinha filhos. Criou, como se fosse sua filha, Rosa Esteves…» Fiquei admirado, pois o senhor Amadeu e esposa residiam no Brasil e a esposa do meu amigo Maximino morava e mora em Melgaço. É provável que a tenha apoiado financeiramente, que a estimasse, a tenha convidado para ir passar uns tempos com ele e a esposa ao Brasil, mas criá-la, no verdadeiro sentido da palavra, julgo que não. No entanto, se alguém souber mais do que eu sobre este assunto faça favor de me esclarecer.
Gostaria de mencionar outros conterrâneos que faleceram recentemente: uma senhora de Castro Laboreiro, que já tinha 104 ou 105 anos de idade, uma bonita idade; Manuel José da Silva, da Vila de Melgaço, cuja morte e de sua filha, Maria de Fátima, nos comoveu a todos; de Leonardo Carvalho, mas não posso roubar mais espaço ao jornal, pelo que falarei deles noutra oportunidade.
Desejo a todos os melgacenses um bom Natal e que 2014 nos traga mais justiça e já agora mais algum dinheiro.
Joaquim Rocha
NR.: Agradecemos ao Dr. Joaquim Rocha as achegas à notícia da morte do Sr. Amadeu Abílio Lopes.
Fizemos as diligências mais que suficientes para obter mais dados, e até pedimos que escrevessem sobre ele, pois com ele, pois com ele tinham convivido bastante.
Estranhamos o silêncio dos responsáveis da Adega de Melgaço cuja maioria das acções ele ofereceu à câmara. Pedimos que nos fornecessem uma foto do Sr. Amadeu. Insistimos no pedido, mas ficámos sem resposta.
Da nossa parte, tudo fizemos para que, no momento da verdade, que é o da morte, primássemos pelo acolhimento e pelo sanador e retemperador perdão, eventualmente o Sr. Amadeu precisasse por parte de quem não se sentiu tão correspondido como julgava merecer.
Carlos Nuno
Em, A Voz de Melgaço