GALIZA, FRIEIRA EM 1905
Frieira – Galiza
Frieira, do lado direito. Do esquerdo, do alto duma grande rampa de rocha, cai uma cascata de água que vem duma robleda frondente de cima. Os galegos e gentuças da estação cheiram a esterco e suor, a 20 metros, e infectam, de fora, o wagon onde eu vou. Castanheiros, robles, cimos de pinhais, do lado esquerdo. Do direito, por cima da estação, nova escapada de culturas até aos mais altos montes; e ao rio vêm em promontórios, montes de rocha com casas e cercados, a embarcadoiros onde barcos atracam, de passagem; a margem alcantilada tem casas por cima, com cerrados de vinha, de cujas janelas mulheres fazem adeus. No alto dum outeiro, perto, a igreja com uma torre esguia na frente, e um cemitério com grandes árvores. Esta igreja desafia o raio, está numa montanha de teatro, escalonada de vinha e pinhal, e dela outros cerros partem, alcandorados, áridos, de cristas pedregosas. Rampas de rocha árida da direita, grandes rampas de vinha, imensas, altíssimas, da esquerda. Desfiladeiro de rocha. De ambos os lados montanhas e montanhas de vinha, imensas, totais, em grande extensão, escalonadas até aos cumes. Todo o terreno até ao rio, em bocados pequeníssimos, aproveitado. Robledas, choupos, castanheiros, água, sombra, rusticidade. Outras vezes quebradas e montes incultos, sem pinhal, ou com pinheiros pequenos e cimos diabólicos.
Extensa região de montanhas áridas. Um grande túnel, povo rústico, mesmos anfiteatros, mesmo tipo de alturas. Novo túnel. O rio agora é muito baixo e profundo – a via-férrea vai de alto, sobre horríveis muralhões sem parapeito. Isto do lado direito. Do esquerdo, ravinas horríveis de rocha. De quando em quando uma fenda na ravina, e ninhos de verdura onde a água cai. Vamos à margem do rio, a pique, num paredão sem rampa, que não finda, e horríveis precipícios de rochedos, altos, de seis andares, nus, ou com pinheiros e robles. A margem do outro lado é rocha a pique, e por cima dela montanhas áridas que depois aparecem de vinhedo e milho, e com povo pequeno na altura. Túnel extenso. Tenho vindo só. A correria tem sido vertiginosa. O rio; grandes desfiladeiros, alternados da muralha a pique sobre a água, e de rampas de grandes árvores. Túnel pequeno. Ouvem-se os gritos dos garotos à margem da via. A paisagem desde os túneis é dura e severa. Cimos áridos – altos montes de erva curta. Atravessamos um rochedo donde cai água. Pontão sobre um ribeiro cantante. Voltam os vinhedos. Um pequeno povo: estação de Frieira, à sombra duma grande montanha a prumo, de rochas e picos sinistros, e com casotas de granito negro, escalonadas entre vinhas, e com pequenas janelas. Passa um comboio de mercadorias, com muitos wagons de sal. O rio agora tem um aspecto espraiado e minhoto, que mal se ouve. Na estação, gentuça de aldeia, pobre, pequena, galegos de guarda-sol, galegas descalças e com cabelos de porco, barbas rapadas. Vales estreitos escalonados de vinha e casuchas, linhos verdes, caminhos de cabras pelos montes. Ribeiros sob arvoredos, altos, de sombra – grande rampa a pique, de rocha, muito alta. Bosques sulcados de caminhos. Pequeno túnel.
Um bosque de sobreiras novas, robles e pinhos. Têm a cortiça tirada. Bosques de castanheiros. A via faz curvas, como o rio; castanheiros esplêndidos. Rio largo, verde, em curvas, espraiado, ínsuas de areia.
FIALHO DE ALMEIDA
CADERNOS DE VIAGEM. GALIZA, 1905
EDICIÓNS LAIOVENTO, SANTIAGO DE COMPOSTELA
1ª EDIÇÃO
Retirado de:
FIALHO DE ALMEIDA
GALIZA, 1905
EDIÇÃO DE LOURDES CARITA
O INDEPENDENTE
2001
pp. 82 – 83