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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O BASTARDO IV

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

  

Conceição Costas

 

      Aldeia pequena mas de terras férteis, com o Minho a passar por perto, milho e vinho em abundância mas também com a pobreza à porta, Félix praticava o seu ofício quando não havia trabalho no campo e Cintran estava sempre ocupado. Muito bem vistos pelo povo pelo trabalho que faziam, mais bem vistos pelas mocetonas galegas, fartas de ver sempre as mesmas caras; e quando Cintran assobiava aquelas muineras que até parecia duas gaitas de foles, até os cães se calavam. Desde Ourense que não viviam tão bem. Para os moços, eram tempos de felicidade, com trabalho, umas patacas e muitas namoradeiras. Hoje uma, depois a outra, até que resolveram que não era a vida que pretendiam e como o povo já falava – não eram cegos, surdos ou mudos -, estava na hora de partir, até porque as irmãs Costas não lhes davam um minuto de descanso. Essas mais que as outras.

      — Para onde? Qual o caminho, por aqui, por ali, por acolá? – riu-se o Cintran.

      — Por aqui! – a cara de Félix mostrava decisão e decisão já tomada – para o rio.

      — O rio? Portugal? – As gargalhadas do Cintran eram tais que as lágrimas lhe humedeceram os olhos – Vamos lá então que pior que isto não pode ser.

      Não sabia, ainda, o Cintran que o rio Minho não divide, antes une as gentes dum mesmo povo. Que Galiza e Alto Minho são irmãos na riqueza, na pobreza, no choro e na alegria. Se um lado é pobre o outro não pode ser rico. È celta.Foi ao romper da aurora que meteram pés ao caminho, uma trouxita na mão que haveres não abundavam, saltaram valados e atravessaram corgas até chegar ao coto de Mourentan onde descansaram, que o sol já ia alto e aquecia naquele inicio de verão.

      — E Portugal? – perguntou o Cintran, sorriso no canto da boca.

      — Andamos um pouco e depois é só atravessar o rio. Vamos preguiçoso… – riu o Félix, dando-lhe uma palmada na perna.

      Na margem do Minho, procuraram águas com pouca corrente e tirando a roupa que tinham vestida, fizeram uma trouxa maior do que a que traziam, ataram-na à cabeça e deslizando nas calmas águas do rio, nadando com prudência, em poucos minutos chegaram à margem contrária.

      Numa língua de areia desfizeram as trouxas e estenderam a roupa nos arbustos para que o sol do meio-dia a enxugasse da pouca água que apanhou.

      Deitados na areia, a descansar da travessia do rio, Félix sorriu:

      — Terras de Portugal! – gritou Félix.

      — Terras de Portugal! – gargalhou Cintran, iniciando de imediato um concerto de gaita de foles de assobio.

      Os moços sabiam da existência de um castelo e uma pequena vila, rodeada de campos cultivados e pequenas aldeias espalhadas pela serra, dos seus passeios que davam pelos montes de Albeios e Crecente, e das conversas que ouviam, morava lá gente com prata. Félix sentia que qualquer coisa o empurrava para aquela terra, algo no seu intimo lhe dizia que aquele era o seu destino; mas o quê? porquê? Cortaram pelos campos, até encontrarem um caminho, pouco empedrado, que subia para a vila. Foi num rápido que se acharam numa praça, junto ao castelo e logo viram que a terra era bem maior do que as aldeias galegas de onde vinham. Havia gente nas ruas e comércio aberto, carros de bois a chiar com o peso da carga, movimento a que não estavam habituados.

      Com uma gargalhada, Cintran, sentenciou:

      — Este é o meu poiso.

      — E não é só o teu – atirou o Félix.

      E foi em Melgaço que fixaram poiso.

      Ao fim de dois dias na vila, já Fifi investigara os dois galegos, que uma das caras lhe era bem conhecida. Na verdade, os moços, não escondiam que queriam trabalho no ofício que conheciam, perguntando um pelas casas ricas da região, mirando a vestimenta dos homens, o outro. Respeitadores, passaram também a ser respeitados, quer pelo trato, quer por não recusarem trabalho proposto. Só as gargalhadas e assobios do Cintran ainda faziam voltar cabeças, a maior parte delas, de jovens prontas para o namorico. Chegou-se a dançar na praça, tal a qualidade do artista. Mas foi pela competência no tratamento dos animais, até aí demonstrada, que foi contratado pelo morgado da Quinta do Regueiro, para os lados de Remoães.

 

(continua)