REVOLTA POPULAR EM MELGAÇO
ACLAMAÇÃO DO PRÍNCIPE REGENTE EM MELGAÇO E CONSEQUENTES
DISPOSIÇÕES
(9 DE JUNHO DE 1808)
Naquela parte da província do Minho onde o rio deste nome, descendo da Galiza, entra em terras de Portugal, terminam estas num ângulo o mais setentrional do reino, e é aqui que está situada a vila de Melgaço, pequena e pouco considerável em si mesma, que, porém, deve ficar memorável na história. É em Melgaço que prendeu o fogo sagrado em 9 de Junho, para não mais se extinguir, nem mesmo na segunda invasão dos franceses debaixo do comando do Marechal Soult: ficou livre o recanto desta vila e seus contornos da nova corrente assoladora que se espalhou por todo o resto da província e abrangeu uma grande parte da Beira Alta e Trás-os-Montes. Feliz terra! Queira o céu conservar-te o brasão de nunca mais receberes as leis do usurpador, desde que naquele fausto dia abjuraste intrépida o seu nome odioso!
D. António Maria Mosqueira de Lira, provinciano ilustre do reino da Galiza, e aparentado com alguns grandes de Espanha, apresentou-se em Melgaço em casa do seu cunhado Caetano José de Abreu Soares, e anunciando secretamente ao Corregedor, que servia de Juiz de Fora, Filipe António de Freitas Machado, aí veio este, e tiveram uma conferência. A este tempo concorreu também António de Castro Sousa Meneses Sarmento, descendente ilustre pela linha de primogenitura dos antigos Castros de Melgaço, o qual, tendo servido condignamente o Soberano e a pátria na carreira da magistratura, se achava então retirado em sua casa; do que todos conferiram e trataram, resultou ficar decidida a aclamação.
Mosqueira tinha vindo prevenido com pouca gente armada, que deixara a pouca distância, e a fez logo entrar. Vieram também incorporados o Corregedor de Milmanda, o Abade de Esteriz e outras pessoas distintas da Galiza; e sendo dia de feira em Melgaço, e por isso de um numeroso concurso, os portugueses se unem aos espanhóis, e em presença do Juiz de Fora, que os observava no próprio campo da feira, soltam alegres vivas ao Príncipe Regente e detestações violentas contra Napoleão e seus delegados. Imediata ao campo da feira está a porta da vila, sobre a qual se achavam cobertas as Armas Reais; o povo as descobre num momento; passa depois a fazer o mesmo às casas da Câmara e da fonte da vila; e para que a obra não ficasse imperfeita, o Corregedor de Milmanda com uma partida dos seus foi também descobrir as fontes de S. João da Orada, que ficavam a alguma distância. Tomás José Gomes de Abreu, Jacinto Manuel da Rocha Pinto, o Capitão mor João António de Abreu e o Doutor Miguel Caetano foram dos primeiros, e mais activos, que trabalharam nesta empresa, mas tiveram muitos outros companheiros que mostraram o maior patriotismo.
Não contentes os habitantes de Melgaço com o que haviam praticado dentro dos muros e nos subúrbios desta vila, eles quiseram levar a revolução aos povos vizinhos. Com efeito, num dos dias seguintes eles foram aclamar o nosso legítimo Soberano e descobrir as Armas Reais na Ponte do Mouro, termo de Monção, tendo na sua passagem praticado o mesmo no concelho de Valadares.
Determinou-se para o dia 10 a inauguração solene do estandarte nacional em Melgaço. O da Câmara foi arvorado no revelim do castelo, por entre novos vivas e aclamações, e com repetidas salvas e toques de sinos, antes e depois do Te Deum e sermão que se celebraram nesse mesmo dia; e como eram necessários dois estandartes, para não haver falta nas acções da Câmara, o Juiz de Fora convocou os alfaiates da terra para fazerem um novo, como realmente fizeram numa manhã, e não se afastou deles enquanto o não concluíram. Estas pequenas circunstâncias, que parecem pequenas a quem as lê a sangue frio, são as que melhor manifestam na efervescência dos espíritos os verdadeiros sentimentos que existem nos corações, a fidelidade e o entusiasmo dos que as praticam.
Até aqui era tudo alegria, mas dois dias depois houve uma terrível comoção, causada pela falsa notícia de que um exército francês havia desembarcada nas costas da Galiza, e tinha já um corpo de tropas em Caniça, povoação fronteira a Melgaço, para entrar nesta vila pela raia seca. A crise era terrível, porque achando-se estes povos absolutamente indefesos, não se lhes oferecia senão a alternativa de se humilharem ou resistirem; e em ambos os casos era muito arriscada a sua sorte: eles escolheram, sem hesitar, o mais heróico. Todos se puseram em movimento à voz dos sinos, e correram para a parte onde se esperava o inimigo com duas peças de artilharia, as únicas que havia montadas, até ao sitio da ponte das várzeas, onde residia o Capitão mor. Quando chegou o ajuntamento, já este sabia por um portador, que tinha mandado a Galiza, que tudo por lá se encontrava tranquilo, não havendo nem o mais leve rumor de inimigos por aquele lado.
(continua)