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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

CONTRABANDO EM MELGAÇO FIM

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

Posto fronteiriço de S. Gregório

 

 

O CONTRABANDO

 

 

    O Sr. António Cândido Rodrigues, natural de Chaviães, morador na Vila, mais conhecido por “Toninho do Talho” diz que começou no contrabando quando tinha 12 anos (1947).

    As fronteiras estavam controladas através dos postos, cada qual com a sua área demarcada “…a minha área era entre o posto de “Portavigo”, em Chaviães e o de Paços, ambos junto ao rio…comprava o café na Loja Nova ao Manuel da Garagem e transportava-o na carroça do “Ronho” e tentava “filtrá-lo” pelos postos…passava o café numa batela pelo rio…ao chegar ao lado espanhol também tentávamos esquivar-nos aos carabineiros…depois da guerra era o café, o sabão, o azeite, o açúcar que iam para Espanha…”.

    No tempo do café o Sr. António recorda “…tinha um sócio e no posto de “Portavigo” um guarda apanhou-me 10 embalagens de café Sical…ele queria uma importância para deixar a mercadoria…eu disse-lhe que essa mercadoria não era só minha e pedi-lhe para deixar passar essa que mais tarde passaria com outra e já lhe deixaria ficar alguma coisa…era o passares…eu sabia que no outro dia esse guarda iria ser transferido para o posto de Cevide…nós sabíamos de tudo…vigiávamos constantemente os guardas…”.

    Conta-nos que noutra altura “…sabíamos que os guardas estavam num coto, então mandamos dois colegas à frente abrir caminho com dois sacos de feno…quando os guardas os avistaram foram atrás deles…era o que nós queríamos…enquanto eles iam por um lado, nós fomos pelo outro…lembro-me que uma vez, em Espanha, havia um carabineiro que nos apanhou um carregamento de sabão e ficou-nos com algumas caixas, mas disse-nos que enquanto ele estivesse de serviço poderíamos passar o que quiséssemos…”.

    O Sr. António diz que os contrabandistas estavam organizados, havia sempre um deles que arriscava o capital, ou seja, que comprava a mercadoria e pagava a outros para efectuar o transporte “…fui apanhado muitas vezes…deixava os sacos e fugia…os guardas de cá alertavam os carabineiros e estes os nossos…por vezes fugíamos ao som dos tiros…”.

    A seguir diz que começou a ser transportada amêndoa de Espanha para Portugal, para ser vendida nas lojas que por sua vez a transportavam para o Porto para embarcar para outros países. Depois veio o cobre, também chamado de “lingotes de cobre”, “chapa de cobre” ou mais corrente “chatarra” transportado para Espanha “…esquivávamos a mercadoria até chegar à linha do comboio na Frieira e Pousa…quem comprava o cobre eram os funcionários da estação que depois o metiam nas carruagens para o Centro de Espanha…”.

     Depois começou o transporte do gado de Espanha para Portugal, geralmente esse transporte era feito pelas zonas de montanha “…o gado vinha a pé até à fronteira, onde era “filtrado” até passar a zona fiscal…passada essa zona o gado estava legal…em Espanha não havia papéis…em Portugal na zona fiscal entre S. Gregório ao Ribeiro de Baixo o gado estava todo registado…a zona fiscal abrangia até 15 km da fronteira…as pessoas que morassem nessa zona e tivessem campos em Espanha tinham que levar um papel da alfândega para o gado, o arado e o carro de bois…quando essas pessoas matassem ou vendessem o seu gado tinham que dar baixa dele…por exemplo se o gado passasse em Pousafoles só estava fora da zona fiscal em Lobiô…o gado chegava a vir de Crespos até Riba de Mouro a pé…a melhor zona para passar o gado era por baixo de Alcobaça pois era difícil os guardas chegarem lá…quando passasse a zona fiscal o gado era como se fosse nossa propriedade…por vezes éramos apanhados e tínhamos que ir responder aos tribunais…mas nós alegávamos que era nosso pois fora comprado nas feiras de Ponte da Barca ou Ponte de Lima…”.

    Como eram conhecidos, às vezes os contrabandistas pagavam muitas injustas, como aconteceu uma vez em que o Sr. António tinha um gado a criar em Pomares “…uma vez as pessoas que me criavam o gado vinham com 6 vacas para a feira de Paderne…o Tenente “Sidre” apreendeu esse gado no Castelo de Sante e levou-o para a Alfândega juntamente com o pai e a filha que o transportava…quando no outro dia fui lá o chefe da Alfândega disse que tinha um papel passado por um veterinário espanhol que provava que esse gado era de Espanha…é uma história longa que acabou no tribunal aduaneiro e que ficou arquivada…mais tarde também começaram a ser transportadas bananas e bacalhau…antes do 25 de Abril o contrabando era mais fácil pois as multas eram mais pequenas e nós arriscávamos…por exemplo 1 kg de qualquer mercadoria alimentar pagava 3,5 tostões…no caso do tabaco a mercadoria perdia-se para a Fazenda Pública e até dava cadeia…depois do 25 de Abril a lei mudou e as multas tornaram-se mais pesadas…já eram menos aqueles que se arriscavam…”.

 

Texto: Gabinete de Apoio ao Desenvolvimento

Recolha de dados: Abel Marques e Cristina Lima (Posto de Turismo)

Agradecimentos: David Barbeitos (Cristóval)

                          Carlos Alberto Marques (Prado)

                          António Cândido Rodrigues (Vila)